Justiça Militar condena dois bombeiros e absolve seis por fiscalização da boate Kiss, Réus responderão em liberdade até julgamento de recursos em segunda instância
Por: Caetanno Freitas, Juliana Bublitz e Liciane Brun
ZERO HORA 03/06/2015 - 19h42min
Moisés Fuchs (esquerda) e Alex da Rocha Camillo (direita) foram condenados
Foto:
Ronald Mendes / Agencia RBS
A Justiça Militar concluiu, por volta das 14h40min desta
quarta-feira, o julgamento em primeira instância dos bombeiros acusados
de responsabilidade no
incêndio da boate Kiss,
que causou a morte de 242 pessoas na madrugada de 27 de janeiro de
2013. Dois dos bombeiros — Moisés Fuchs, tenente-coronel da reserva e
ex-comandante do 4º Comando Regional dos Bombeiros, e o capitão Alex da
Rocha Camillo — foram condenados pelo crime de inserção de declaração
falsa, relativo à assinatura do segundo alvará da Kiss.
De acordo com a juíza Viviane Pereira, cujo voto foi seguido pelos
demais magistrados, o segundo alvará foi emitido de forma ilegal, pois
não havia um plano de prevenção contra incêndio (PPCI). Fuchs também foi
condenado por prevaricação — crime praticado por servidor contra a
administração pública, cumprindo ato de ofício indevidamente para
satisfazer interesse ou sentimento pessoal.
Os
demais réus — o tenente-coronel da reserva Daniel da Silva Adriano, os
soldados Gilson Martins Dias, Vagner Guimarães Coelho, Marcos Vinícius
Lopes Bastide, o sargento Renan Severo Berleze, o primeiro-tenente da
reserva Sérgio Roberto Oliveira de Andrades — foram absolvidos.
As penas de Fuchs e Camilo, porém, podem ter a execução suspensa. A
substituição
está prevista no Código Penal Militar para crimes com pena inferior a
dois anos e que não tenham restrição ao benefício, como crime de
violência a um superior, por exemplo. Além disso, só têm direito os réus
sem antecedentes. Dessa forma, eles terão de se apresentar a cada dois
meses na auditoria militar.
Não podem frequentar determinados locais e
não podem se afastar sem aviso prévio.
O Ministério Público e as
defesas de Fuchs e Camillo já anunciaram que vão recorrer da decisão,
tomada por maioria de votos dos cinco juízes presentes. Os réus
aguardarão em liberdade até julgamento em segunda instância no Tribunal
de Justiça Militar, em Porto Alegre, em data ainda não definida.
Veja, réu a réu, como foi o julgamento da Justiça Militar:
Tenente-coronel da reserva Moisés Fuchs — ex-comandante do 4º Comando Regional dos Bombeiros
Condenado por: inserção de declaração falsa e prevaricação
Absolvido por: falsidade ideológica
Pena: um
ano de reclusão pela inserção de declaração falsa e seis meses pelo
crime de prevaricação, que podem ser substituídas por suspensão da
execução da pena. No período da pena, o condenado terá de se apresentar a
cada dois meses na auditoria militar. Não pode frequentar determinados
locais e não pode se afastar sem aviso prévio.
Capitão Alex da Rocha Camillo — responsável pelo segundo alvará da casa noturna
Condenado por: falsidade ideológica
Pena: um
ano de reclusão, que pode ser substituída por suspensão de execução da
pena. No período da pena, o condenado terá de se apresentar a cada dois
meses na auditoria militar. Não pode frequentar determinados locais e
não pode se afastar sem aviso prévio.
Tenente-coronel da reserva Daniel da Silva Adriano — comandante da Seção de Prevenção a Incêndio (SPI) na época da concessão do primeiro alvará para a boate
Absolvido por: falsidade ideológica
Marcos Vinícius Lopes Bastide — soldado dos bombeiros que inspecionou a Kiss
Absolvido por: inobservância da lei
Gilson Martins Dias — soldado que realizou a última vistoria na Kiss, em 2011
Absolvido por: inobservância da lei
Vagner Guimarães Coelho — soldado que realizou a última vistoria na Kiss, em 2011
Absolvido por: inobservância da lei
Renan Severo Berleze — sargento dos bombeiros que
atuava na análise dos Planos de Prevenção e Combate a Incêndio (PPCI)
que chegavam à Seção de Prevenção a Incêndio (SPI)
Absolvido por: inobservância da lei
Sérgio Roberto Oliveira de Andrades — primeiro-tenente da reserva que atuava na Seção de Prevenção a Incêndio (SPI)
Absolvido por: inobservância da lei
MP retira denúncia contra cinco réus e revolta familiares de vítimas
Pela manhã, o promotor Joel Dutra, do Ministério Público, pediu a
absolvição dos cinco réus julgados nesta quarta-feira — os soldados
Marcos Vinícius Lopes Bastide, Gilson Martins Dias e Vagner Guimarães
Coelho, o sargento Renan Severo Berleze e o primeiro-tenente da reserva
Sérgio Roberto Oliveira de Andrades. De acordo com Dutra, os bombeiros
teriam sido induzidos ao erro, o que tiraria qualquer espécie de
negligência. A reação de parentes das vítimas presentes no recinto foi
imediata: revoltados, deixaram a sala. Do lado de fora, pais e mães
protestavam, alguns chorando.
— O que eles estão pensando? Só porque têm estrelinhas acham que são
mais que alguém? — dizia aos prantos Maria Aparecida Neves, que perdeu o
filho, Augusto Cezar, na Kiss.
Aos juízes, a advogada de defesa, Taís Martins Lopes, criticou a sociedade e a mídia:
— Dois anos sendo pisoteados para agora, no final, se entender que eles não agiram com dolo.
Entenda o segundo dia de julgamento
Os soldados Gilson Martins Dias e Vagner Guimarães Coelho
foram responsáveis pela última vistoria na casa noturna, em 2011. Marcos
Vinícius Lopes Bastide também inspecionou o local. Já o sargento Renan
Severo Berleze atuava na análise dos PPCIs, e o primeiro-tenente da
reserva Sérgio Roberto Oliveira de Andrades trabalhava, à época da
tragédia, na Seção de Prevenção a Incêndio.
Segundo a denúncia inicial do MP, os cinco teriam deixado de observar
determinações da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e do
Decreto Estadual 37.380, de 1997, que também lista regras de prevenção
de incêndio, ao avaliar as condições da Kiss.