Sirenes soaram em favelas com áreas de risco; comunidade sem o sistema teve problemas - O GLOBO, 26/04/2011 às 23h45m; Ana Cláudia Costa, Taís Mendes e Thamyres Dias - do Extra
RIO - Inaugurado em janeiro deste ano, o sistema de alerta da prefeitura para moradores de áreas de risco - em que sirenes soam quando a chuva, medida por pluviômetros, atinge uma intensidade capaz de provocar deslizamentos de terra - foi aprovado após passar por uma prova de fogo no temporal de terça-feira . Os alarmes tocaram, a intervalos de dez minutos, em 11 comunidades da Grande Tijuca, levando 122 moradores a deixarem às pressas suas casas à procura de um abrigo seguro. Mas nem todos desceram. Além disso, comunidades que não contam com o sistema tiveram problemas.
As áreas que ganharam o equipamento são os morros do Borel, Formiga, Chacrinha, Cotia, Encontro, Santa Terezinha, Morro da Liberdade, Matinha, Dona Francisca, Cachoeira Grande e Macacos. No Morro São João, no Engenho Novo, dois barracos na Rua Abatirá desabaram na terça-feira, aumentando a sensação de insegurança. Duas crianças ficaram soterradas. Uma delas - Carlos Henrique, de 9 anos, - foi levada para o Hospital do Andaraí e está fora de perigo. A tia do menino, Claudilene Ventura, de 32 anos, não sabe por onde recomeçar.
- Perdi tudo, só fiquei com a roupa do corpo. Agora estamos morando no barraco da minha irmã, aqui no morro mesmo. Quero sair daqui, mas não tenho pra onde ir - contou Claudilene, que dividia a casa com oito pessoas, sendo sete crianças.
Na Formiga, alerta soou durante toda a madrugada
No Morro da Formiga, por exemplo, o barulho das sirenes - instaladas em três pontos da favela - começou por volta das 19h30m de terça-feira e só parou às 5h30m de quarta. A maioria dos moradores de áreas de risco reconheceu o chamado urgente e foi procurar onde ficar. Alguns elegeram casas de parentes; outros, um dos três abrigos à disposição na comunidade para estas ocasiões - duas igrejas e a sede da associação de moradores. A empregada doméstica Gisele Gomes da Silva foi para a casa do irmão:
- Para falar a verdade, não queria sair de casa. Mas a sirene tocava sem parar e aquilo foi me deixando nervosa. Foi como se fosse a voz da consciência. Peguei as crianças e saí correndo.
A mesma coisa fez a diarista Cristiane Maria da Conceição, de 40 anos, que saiu de casa com os três filhos, por volta das 21h de terça-feira. Para ela, a sirene teve sua prova de fogo neste temporal e mostrou que dá bons resultados:
- Antes, o único barulho que ouvíamos era o das casas já caindo e os moradores desesperados gritando por socorro. Agora, já temos como saber que a chuva está muito forte e devemos procurar abrigo.
Até mesmo quem não fez muita fé nas sirenes comprovou a eficácia do equipamento, como o dançarino Alan Pereira da Silva, de 25 anos. Morador da localidade Vila Rica, no alto do Morro da Formiga, ele ignorou os avisos. Durante a madrugada, uma das paredes do barraco em que ele morava ruiu com a chuva. Alan, dois filhos, uma tia e dois sobrinhos somente se salvaram porque ele ouviu antes o barulho da terra caindo. Ao lado da parede, estava a cama de casal onde a família dormia.
- Ouvi a primeira sirene por volta das 19h de anteontem. Depois, várias outras, mas não quis sair de casa porque achei que essas coisas só acontecem com os outros. Ainda bem que eu estava acordado e conseguimos sair a tempo - disse ele.
As sirenes não foram a única forma eficaz de alerta. Líderes comunitários receberam um telefone celular da prefeitura, que seria usado em casos de emergência. A presidente da Associação de Moradores do Morro dos Macacos, Janaína Maria da Silva, foi uma das primeiras a saber do caos que a cidade viveria: às 16h30m, ela recebeu uma mensagem de celular avisando que havia previsão de chuvas fortes. Ao todo, o alerta foi dado mais de quinze vezes. Durante a noite, a comunicação com a Defesa Civil foi constante:
- Falava por telefone com uma equipe a todo o momento.
Este Blog retratará o descaso com a Defesa Civil no Brasil; a falta de políticas específicas; o sucateamento dos Corpos de Bombeiros; os salários baixos; a legislação ambiental benevolente; a negligência na fiscalização; os desvios de donativos e recursos; os saques; a corrupção; a improbidade; o crime organizado e a inoperância dos instrumentos de prevenção, controle e contenção. Resta o sofrimento das comunidades atingidas, a solidariedade consciente e o heroísmo daqueles que arriscam a vida e suportam salários miseráveis e péssimas condições de trabalho no enfrentamento das calamidades e sinistros que assolam o povo brasileiro.
quarta-feira, 27 de abril de 2011
MAPEAMENTO DAS ÁREAS DE RISCO
RIO GRANDE DO SUL - Estado quer mapeamento das áreas de risco - LETÍCIA MENDES, zero hora 27/04/2011
Desde o início do ano, o município de Guaporé está identificando todas as áreas que podem oferecer riscos aos moradores durante temporais e enxurradas. A intenção do mapeamento é prevenir maiores estragos durante desastres climáticos. A Defesa Civil quer que a medida adotada pelo município se estenda a todo o Estado. Para isso, foi realizada ontem em Lajeado, no Vale do Taquari, uma reunião para mobilizar as cidades. Novos encontros serão realizados nas 11 coordenadorias regionais do órgão.
– Queremos conhecer os nossos locais de vulnerabilidade para num eventual problema poder fazer esse atendimento o mais rápido possível – explica o prefeito de Guaporé, Antônio Carlos Spiller.
A intenção da Defesa Civil é que os municípios criem planos de prevenção e de ação durante os desastres, como a enxurrada que atingiu o Estado no fim de semana passado. Representantes de 60 cidades do Vale do Rio Pardo, Vale do Taquari e Noroeste, que fazem parte da coordenadoria regional da Defesa Civil de Lajeado, participaram da reunião.
– Não adianta trabalhar na reconstrução, temos que prevenir. Para isso é preciso conhecer os pontos de risco e intensificar a atuação das coordenadorias nos municípios – afirma coordenador regional, major Vinicius Renner Galvani.
Entre as medidas sugeridas pela Defesa Civil está a criação de um corpo de voluntários que possa auxiliar durante os desastres.
– Nós entendemos que essas pessoas que estão nos locais conhecem os problemas das comunidades e podem ajudar a buscar soluções – afirma o subchefe da Defesa Civil do Estado, major Oscar Luis Moiano.
Os municípios devem ainda fazer uma média histórica, identificando os períodos de maior risco de temporais. Áreas com risco de alagamentos e deslizamentos também devem ser identificadas. Projetos de remoção de famílias e obras que reduzam o risco são outras soluções apontadas pelos agentes.
– O município precisa de um plano de contingência para saber como agir durante um desastre. É preciso saber para onde movimentar famílias, caso seja necessário, e se o município tem estrutura para recebê-los – explica o major Renner.
Desde o início do ano, o município de Guaporé está identificando todas as áreas que podem oferecer riscos aos moradores durante temporais e enxurradas. A intenção do mapeamento é prevenir maiores estragos durante desastres climáticos. A Defesa Civil quer que a medida adotada pelo município se estenda a todo o Estado. Para isso, foi realizada ontem em Lajeado, no Vale do Taquari, uma reunião para mobilizar as cidades. Novos encontros serão realizados nas 11 coordenadorias regionais do órgão.
– Queremos conhecer os nossos locais de vulnerabilidade para num eventual problema poder fazer esse atendimento o mais rápido possível – explica o prefeito de Guaporé, Antônio Carlos Spiller.
A intenção da Defesa Civil é que os municípios criem planos de prevenção e de ação durante os desastres, como a enxurrada que atingiu o Estado no fim de semana passado. Representantes de 60 cidades do Vale do Rio Pardo, Vale do Taquari e Noroeste, que fazem parte da coordenadoria regional da Defesa Civil de Lajeado, participaram da reunião.
– Não adianta trabalhar na reconstrução, temos que prevenir. Para isso é preciso conhecer os pontos de risco e intensificar a atuação das coordenadorias nos municípios – afirma coordenador regional, major Vinicius Renner Galvani.
Entre as medidas sugeridas pela Defesa Civil está a criação de um corpo de voluntários que possa auxiliar durante os desastres.
– Nós entendemos que essas pessoas que estão nos locais conhecem os problemas das comunidades e podem ajudar a buscar soluções – afirma o subchefe da Defesa Civil do Estado, major Oscar Luis Moiano.
Os municípios devem ainda fazer uma média histórica, identificando os períodos de maior risco de temporais. Áreas com risco de alagamentos e deslizamentos também devem ser identificadas. Projetos de remoção de famílias e obras que reduzam o risco são outras soluções apontadas pelos agentes.
– O município precisa de um plano de contingência para saber como agir durante um desastre. É preciso saber para onde movimentar famílias, caso seja necessário, e se o município tem estrutura para recebê-los – explica o major Renner.
sábado, 9 de abril de 2011
UM PAÍS SEM DEFESA
Um país sem defesa. Com um sistema ineficiente de prevenção e alerta e Defesas Civis lentas ou inexistentes nos municípios, o Brasil fica à mercê dos eventos climáticos. Marina Dias e Gabriel Castro. Veja Online, 21/01/2011
Salvos raras exceções , os alertas emitidos, em geral, se perdem nos caminhos burocráticos, na falta de treinamento para intervenções pré-estabelecidas, e não chegam a tempo às áreas de risco
A Europa havia acabado de entrar no verão de 1940 quando a Força Aérea Alemã iniciou uma gigantesca campanha de bombardeios a alvos civis britânicos, durante a II Guerra Mundial. As autoridades inglesas padronizaram então um conjunto de procedimentos para diminuir o número de mortes. O plano, que ficou conhecido como Defesa Passiva, atuava basicamente em três frentes: prevenção, alarme e socorro. Nascia assim o conceito moderno de Defesa Civil, até hoje usado como modelo para prevenção de catástrofes por vários governos em todo o mundo.
Infelizmente, setenta anos depois, o Sistema Nacional de Defesa Civil (Sindec) brasileiro ainda não consegue cumprir com eficiência a primeira e a segunda etapas, ou seja, prevenção e alarme. Sem mapas detalhados das áreas de risco, sem esclarecimento e treinamento da população e sem sistema eficiente de alertas preventivos, a Secretaria Nacional de Defesa Civil (Sedec) se limita a entrar em campo depois da tragédia. Chega apenas para socorrer as milhares de vítimas que escaparam com vida e enterrar as centenas de corpos dos que não tiveram a mesma sorte.
“É preciso uma vontade política muito forte para resolver o problema, uma visão de estadista”, afirma o cientista político Rubens Figueiredo, dando a pista de que falta vontade política para remover eleitores de suas casas precariamente instaladas em áreas de risco. “Quando a lógica da razão briga com a lógica da política, dificilmente a razão vence.”
Velhos vícios – As razões para a ineficiência do modelo são muitas, mas estão principalmente ligadas a dois dos piores vícios da máquina pública no Brasil: o apadrinhamento partidário no preenchimento de cargos e a destinação política de verbas. Uma auditoria do Tribunal de Contas da União nas despesas do Ministério da Integração Nacional mostra que, entre 2004 e 2009, os recursos destinados à prevenção de desastres naturais somavam 934 milhões de reais. Apenas 356 milhões de reais foram efetivamente utilizados, e desse total, 37% foram para a Bahia.
Coincidentemente, entre 2007 e início de 2010, o inquilino da pasta era o baiano Geddel Vieira Lima (PMDB). Apesar do aporte de recursos, os conterrâneos do ministro sofreram com as chuvas em 2010. No mês de abril, 45 cidades foram fortemente castigadas, duas crianças morreram e centenas deixaram suas casas em áreas de risco. Sorte pior, porém, tiveram os pernambucanos e alagoanos que não estavam entre as prioridades na distribuição de verbas de Geddel. A tromba d’água do final de junho daquele ano matou 57 pessoas nos dois estados.
Os sinais da inoperância estão por toda a parte. No mapeamento de áreas de risco, por exemplo, a Sedec levou quatro anos, entre 2004 e 2008, para mapear as áreas de risco em apenas 44 cidades – menos de 1% dos 5.560 municípios brasileiros. Destes, somente sete receberam efetivamente algum tipo de recurso para obras de prevenção a desastres. O Conselho Nacional de Defesa Civil (Condec), outra entidade do Sistema Nacional de Defesa Civil criado em 1988 para elaborar diretrizes, está há seis anos sem aprovar nenhuma resolução.
Estrutura e orçamento - Para não fazer o seu trabalho, a Sedec conta com 110 funcionários que ocupam um terço de um andar no prédio do Ministério da Integração Nacional. Tem um orçamento previsto de 133 milhões de reais para sua operação em 2011 e está estruturada em três departamentos:
* Minimização de Desastres – seria o responsável pelos mapeamentos de áreas de risco, obras de prevenção e treinamento e esclarecimento da população para evacuação das áreas antes dos acidentes.
* Articulação e Gestão – o grupo do alarme, responsável por articular a atuação conjunta das defesas civis estaduais e municipais nos planos de retirada da população antes das tragédias.
* Reabilitação e Reconstrução – o único cujo trabalho aparece, todos os anos, para limpar a bagunça depois que os morros desabam e os rios transbordam.
Além dos departamentos, a Sedec ainda conta com o Serviço de Protocolo e Apoio Administrativo e com os dados do Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres (Cenad). Este último, equipado com um sistema informatizado de geoprocessamento de dados obtidos por satélites, é o responsável por monitorar e alertar sobre a ocorrência de eventos climáticos excepcionais como as chuvas que castigaram o Rio há 10 dias. O alerta até sai. O problema, é servir para alguma coisa.
“Os institutos de meteorologia, juntamente com todos os que conseguem calcular o nível de rios, oceanos e outras medidas que possam resultar em catástrofes, precisam estar aptos a passar o alerta de emergência”, explica João Willy Rosa, professor de Geociências da Universidade de Brasília (UnB). “Na outra ponta, os responsáveis pela Defesa Civil precisam estar aptos a receber esse alerta para agir corretamente em cada caso, em todos os estados e municípios.”
Salvos raras exceções , os alertas emitidos, em geral, se perdem nos caminhos burocráticos, na falta de treinamento para intervenções pré-estabelecidas, e não chegam a tempo às áreas de risco. Estão aí para provar os 765 mortos e mais de 13.000 desabrigados nas cidades serranas do Rio. Para entender melhor os passos dessa tragédia anunciada, é bom voltar ao dia 9 de janeiro.
Nessa data, três dias antes da catástrofe, as chuvas anormais na região Sudeste do Brasil começaram a ser detectadas pelos satélites da Nasa (Agência Espacial Americana) e do Instituto Nacional de Metereologia (Inmet). Em 11 de janeiro, por volta das 16h30, o Inmet disparou o aviso metereológico especial que apontava "acúmulo significativo de chuva em TODO o estado do Rio de Janeiro". As prefeituras da Região Serrana do Rio confirmam o recebimento do alerta. Que destino deram à informação? Nenhum.
A prefeitura de Teresópolis admite que já sabia das chuvas dois dias antes da tragédia, mas alega que, mesmo assim, não teve tempo para avisar os moradores das 93 áreas de risco do município. As autoridades de Nova Friburgo, por sua vez, dizem que repassaram o alerta à população via rádio e internet, deixando às potenciais vítimas a decisão de abandonar o lar. Nenhuma remoção foi planejada para as áreas de risco.
“A Defesa Civil ainda carece da criação de uma linha de comando integrada para que esses alertas seja transmitidos com eficiência”, diz João Willy Rosa. Para a professora Ana Ávila, do Centro de Pesquisas Metereológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura da Unicamp (Cepagre), falta estrutura “em todos os aspectos para a emissão de alerta no Brasil”.
Pedido de socorro – Depois do desastre na Serra Fluminense, o Cenad vai ganhar mais um supercomputador, avaliado em 50 milhões de reais, e uma rede de radares meteorológicos mais avançada. Sozinhos, porém, esses investimentos não garantem uma prevenção melhor, pois não resolvem o problema da cadeia de emissão do alarme.
Estragos causados pelas chuvas no Nordeste
Em alguns estados, como São Paulo e Santa Catarina, por exemplo, um sistema próprio de alarme costuma alcançar alguma eficiência. Nessas estruturas, informações coletadas por diferentes equipamentos são recebidas por um centro de emergência estadual e analisadas por técnicos. Quando eles concluem que há risco, começam a disparar telefonemas e SMS para colegas em órgãos operacionais previamente estabelecidos nos municípios, entre eles a Defesa Civil.
Essas equipes, treinadas para receber o alerta e saber como agir, deslocam-se para as áreas de risco e implementam medidas de segurança previamente estabelecidas. Assim, na maioria dos casos, conseguem se antecipar a inundações e deslizamentos de encostas. Nem sempre com total eficiência, mas com mais agilidade do que as autoridades fluminenses.
No Sistema Nacional de Defesa Civil, infelizmente, o único alerta que circula atualmente ainda é aquele que parte de baixo para cima, ou seja, da Defesa Civil do município para a Sedec, para avisar sobre um desastre. Em lugar do alarme preventivo que deveria fazer o percurso inverso, existe apenas o pedido de socorro depois que a desgraça já se instalou. A partir dele, a Sedec organiza e mobiliza os órgãos ligados à Defesa Civil na região para socorrer as vítimas. Isso quando existe Defesa Civil na região.
Um dos maiores entraves de todo o sistema, como admite o próprio governo, é a falta de estrutura nas cidades. O secretário nacional de Defesa Civil, Humberto Viana, afirmou nesta semana que apenas 426 dos 5.565 municípios brasileiros têm Defesa Civil.
A gestão de recursos repassados pelo governo federal a estados e municípios é outro problema. Dados da Confederação Nacional de Municípios (CNM) dão conta de que, em média, somente 10% das cidades brasileiras tiveram gastos com ações de Defesa Civil nos últimos cinco anos. Isso num país que tem, segundo os mapeamentos deficientes do governo, pelo menos 5 milhões de pessoas morando em 800 áreas de risco – 500 para deslizamento e outras 300 para inundações.
Mudança de paradigma – Para que não se repitam todos os anos, após as chuvas de verão, as imagens de cidades destruídas com centenas de caixões enfileirados, o Sistema de Defesa Civil do Brasil precisa se libertar do vício das medidas paliativas e emergenciais. Como bem observou Debarati Guha-Sapir, consultora da Organização das Nações Unidas (ONU) no Centro de Pesquisas sobre a Epidemiologia de Desastres (Cred), sediado em Bruxelas, na Bélgica, é um absurdo que o Brasil, com "apenas um perigo natural para administrar", não consiga fazê-lo. "Este foi o 37º deslizamento de terra no Brasil em menos de dez anos", disse Debarati ao jornal francês Le Monde. "Imagine se o país também enfrentasse terremotos, vulcões ou furacões. O Brasil não é Bangladesh, não tem desculpas.”
Se não bastasse o modelo de sucesso britânico durante a Segunda Guerra Mundial, estão aí para ensinar o caminho os exemplos de eficiência de países como Austrália, Tailândia e Indonésia, que lidam com enchentes e tsunamis muito mais devastadores que as enchentes brasileiras.
Voltando à época da concepção da Defesa Passiva, se a Inglaterra tivesse estruturado o seu programa nos moldes da Defesa Civil Brasileira, suas principais cidades jamais teriam sido equipadas com um milhão de abrigos antiáreos logo nos primeiros meses da Segunda Guerra Mundial. A população não teria aprendido a se refugiar ao toque dos alarmes, porque não existiria a rede de radares e de observadores voluntários ao longo da costa para disparar as sirenes assim que os bombardeiros alemães cruzassem os céus sobre o Canal da Mancha. Consequentemente, as bombas alemãs teriam matado um número infinitamente maior que os 23.002 civis mortos durante os cinco meses de bombardeios.
Salvos raras exceções , os alertas emitidos, em geral, se perdem nos caminhos burocráticos, na falta de treinamento para intervenções pré-estabelecidas, e não chegam a tempo às áreas de risco
A Europa havia acabado de entrar no verão de 1940 quando a Força Aérea Alemã iniciou uma gigantesca campanha de bombardeios a alvos civis britânicos, durante a II Guerra Mundial. As autoridades inglesas padronizaram então um conjunto de procedimentos para diminuir o número de mortes. O plano, que ficou conhecido como Defesa Passiva, atuava basicamente em três frentes: prevenção, alarme e socorro. Nascia assim o conceito moderno de Defesa Civil, até hoje usado como modelo para prevenção de catástrofes por vários governos em todo o mundo.
Infelizmente, setenta anos depois, o Sistema Nacional de Defesa Civil (Sindec) brasileiro ainda não consegue cumprir com eficiência a primeira e a segunda etapas, ou seja, prevenção e alarme. Sem mapas detalhados das áreas de risco, sem esclarecimento e treinamento da população e sem sistema eficiente de alertas preventivos, a Secretaria Nacional de Defesa Civil (Sedec) se limita a entrar em campo depois da tragédia. Chega apenas para socorrer as milhares de vítimas que escaparam com vida e enterrar as centenas de corpos dos que não tiveram a mesma sorte.
“É preciso uma vontade política muito forte para resolver o problema, uma visão de estadista”, afirma o cientista político Rubens Figueiredo, dando a pista de que falta vontade política para remover eleitores de suas casas precariamente instaladas em áreas de risco. “Quando a lógica da razão briga com a lógica da política, dificilmente a razão vence.”
Velhos vícios – As razões para a ineficiência do modelo são muitas, mas estão principalmente ligadas a dois dos piores vícios da máquina pública no Brasil: o apadrinhamento partidário no preenchimento de cargos e a destinação política de verbas. Uma auditoria do Tribunal de Contas da União nas despesas do Ministério da Integração Nacional mostra que, entre 2004 e 2009, os recursos destinados à prevenção de desastres naturais somavam 934 milhões de reais. Apenas 356 milhões de reais foram efetivamente utilizados, e desse total, 37% foram para a Bahia.
Coincidentemente, entre 2007 e início de 2010, o inquilino da pasta era o baiano Geddel Vieira Lima (PMDB). Apesar do aporte de recursos, os conterrâneos do ministro sofreram com as chuvas em 2010. No mês de abril, 45 cidades foram fortemente castigadas, duas crianças morreram e centenas deixaram suas casas em áreas de risco. Sorte pior, porém, tiveram os pernambucanos e alagoanos que não estavam entre as prioridades na distribuição de verbas de Geddel. A tromba d’água do final de junho daquele ano matou 57 pessoas nos dois estados.
Os sinais da inoperância estão por toda a parte. No mapeamento de áreas de risco, por exemplo, a Sedec levou quatro anos, entre 2004 e 2008, para mapear as áreas de risco em apenas 44 cidades – menos de 1% dos 5.560 municípios brasileiros. Destes, somente sete receberam efetivamente algum tipo de recurso para obras de prevenção a desastres. O Conselho Nacional de Defesa Civil (Condec), outra entidade do Sistema Nacional de Defesa Civil criado em 1988 para elaborar diretrizes, está há seis anos sem aprovar nenhuma resolução.
Estrutura e orçamento - Para não fazer o seu trabalho, a Sedec conta com 110 funcionários que ocupam um terço de um andar no prédio do Ministério da Integração Nacional. Tem um orçamento previsto de 133 milhões de reais para sua operação em 2011 e está estruturada em três departamentos:
* Minimização de Desastres – seria o responsável pelos mapeamentos de áreas de risco, obras de prevenção e treinamento e esclarecimento da população para evacuação das áreas antes dos acidentes.
* Articulação e Gestão – o grupo do alarme, responsável por articular a atuação conjunta das defesas civis estaduais e municipais nos planos de retirada da população antes das tragédias.
* Reabilitação e Reconstrução – o único cujo trabalho aparece, todos os anos, para limpar a bagunça depois que os morros desabam e os rios transbordam.
Além dos departamentos, a Sedec ainda conta com o Serviço de Protocolo e Apoio Administrativo e com os dados do Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres (Cenad). Este último, equipado com um sistema informatizado de geoprocessamento de dados obtidos por satélites, é o responsável por monitorar e alertar sobre a ocorrência de eventos climáticos excepcionais como as chuvas que castigaram o Rio há 10 dias. O alerta até sai. O problema, é servir para alguma coisa.
“Os institutos de meteorologia, juntamente com todos os que conseguem calcular o nível de rios, oceanos e outras medidas que possam resultar em catástrofes, precisam estar aptos a passar o alerta de emergência”, explica João Willy Rosa, professor de Geociências da Universidade de Brasília (UnB). “Na outra ponta, os responsáveis pela Defesa Civil precisam estar aptos a receber esse alerta para agir corretamente em cada caso, em todos os estados e municípios.”
Salvos raras exceções , os alertas emitidos, em geral, se perdem nos caminhos burocráticos, na falta de treinamento para intervenções pré-estabelecidas, e não chegam a tempo às áreas de risco. Estão aí para provar os 765 mortos e mais de 13.000 desabrigados nas cidades serranas do Rio. Para entender melhor os passos dessa tragédia anunciada, é bom voltar ao dia 9 de janeiro.
Nessa data, três dias antes da catástrofe, as chuvas anormais na região Sudeste do Brasil começaram a ser detectadas pelos satélites da Nasa (Agência Espacial Americana) e do Instituto Nacional de Metereologia (Inmet). Em 11 de janeiro, por volta das 16h30, o Inmet disparou o aviso metereológico especial que apontava "acúmulo significativo de chuva em TODO o estado do Rio de Janeiro". As prefeituras da Região Serrana do Rio confirmam o recebimento do alerta. Que destino deram à informação? Nenhum.
A prefeitura de Teresópolis admite que já sabia das chuvas dois dias antes da tragédia, mas alega que, mesmo assim, não teve tempo para avisar os moradores das 93 áreas de risco do município. As autoridades de Nova Friburgo, por sua vez, dizem que repassaram o alerta à população via rádio e internet, deixando às potenciais vítimas a decisão de abandonar o lar. Nenhuma remoção foi planejada para as áreas de risco.
“A Defesa Civil ainda carece da criação de uma linha de comando integrada para que esses alertas seja transmitidos com eficiência”, diz João Willy Rosa. Para a professora Ana Ávila, do Centro de Pesquisas Metereológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura da Unicamp (Cepagre), falta estrutura “em todos os aspectos para a emissão de alerta no Brasil”.
Pedido de socorro – Depois do desastre na Serra Fluminense, o Cenad vai ganhar mais um supercomputador, avaliado em 50 milhões de reais, e uma rede de radares meteorológicos mais avançada. Sozinhos, porém, esses investimentos não garantem uma prevenção melhor, pois não resolvem o problema da cadeia de emissão do alarme.
Estragos causados pelas chuvas no Nordeste
Em alguns estados, como São Paulo e Santa Catarina, por exemplo, um sistema próprio de alarme costuma alcançar alguma eficiência. Nessas estruturas, informações coletadas por diferentes equipamentos são recebidas por um centro de emergência estadual e analisadas por técnicos. Quando eles concluem que há risco, começam a disparar telefonemas e SMS para colegas em órgãos operacionais previamente estabelecidos nos municípios, entre eles a Defesa Civil.
Essas equipes, treinadas para receber o alerta e saber como agir, deslocam-se para as áreas de risco e implementam medidas de segurança previamente estabelecidas. Assim, na maioria dos casos, conseguem se antecipar a inundações e deslizamentos de encostas. Nem sempre com total eficiência, mas com mais agilidade do que as autoridades fluminenses.
No Sistema Nacional de Defesa Civil, infelizmente, o único alerta que circula atualmente ainda é aquele que parte de baixo para cima, ou seja, da Defesa Civil do município para a Sedec, para avisar sobre um desastre. Em lugar do alarme preventivo que deveria fazer o percurso inverso, existe apenas o pedido de socorro depois que a desgraça já se instalou. A partir dele, a Sedec organiza e mobiliza os órgãos ligados à Defesa Civil na região para socorrer as vítimas. Isso quando existe Defesa Civil na região.
Um dos maiores entraves de todo o sistema, como admite o próprio governo, é a falta de estrutura nas cidades. O secretário nacional de Defesa Civil, Humberto Viana, afirmou nesta semana que apenas 426 dos 5.565 municípios brasileiros têm Defesa Civil.
A gestão de recursos repassados pelo governo federal a estados e municípios é outro problema. Dados da Confederação Nacional de Municípios (CNM) dão conta de que, em média, somente 10% das cidades brasileiras tiveram gastos com ações de Defesa Civil nos últimos cinco anos. Isso num país que tem, segundo os mapeamentos deficientes do governo, pelo menos 5 milhões de pessoas morando em 800 áreas de risco – 500 para deslizamento e outras 300 para inundações.
Mudança de paradigma – Para que não se repitam todos os anos, após as chuvas de verão, as imagens de cidades destruídas com centenas de caixões enfileirados, o Sistema de Defesa Civil do Brasil precisa se libertar do vício das medidas paliativas e emergenciais. Como bem observou Debarati Guha-Sapir, consultora da Organização das Nações Unidas (ONU) no Centro de Pesquisas sobre a Epidemiologia de Desastres (Cred), sediado em Bruxelas, na Bélgica, é um absurdo que o Brasil, com "apenas um perigo natural para administrar", não consiga fazê-lo. "Este foi o 37º deslizamento de terra no Brasil em menos de dez anos", disse Debarati ao jornal francês Le Monde. "Imagine se o país também enfrentasse terremotos, vulcões ou furacões. O Brasil não é Bangladesh, não tem desculpas.”
Se não bastasse o modelo de sucesso britânico durante a Segunda Guerra Mundial, estão aí para ensinar o caminho os exemplos de eficiência de países como Austrália, Tailândia e Indonésia, que lidam com enchentes e tsunamis muito mais devastadores que as enchentes brasileiras.
Voltando à época da concepção da Defesa Passiva, se a Inglaterra tivesse estruturado o seu programa nos moldes da Defesa Civil Brasileira, suas principais cidades jamais teriam sido equipadas com um milhão de abrigos antiáreos logo nos primeiros meses da Segunda Guerra Mundial. A população não teria aprendido a se refugiar ao toque dos alarmes, porque não existiria a rede de radares e de observadores voluntários ao longo da costa para disparar as sirenes assim que os bombardeiros alemães cruzassem os céus sobre o Canal da Mancha. Consequentemente, as bombas alemãs teriam matado um número infinitamente maior que os 23.002 civis mortos durante os cinco meses de bombardeios.
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