OPINIÃO O Estado de S.Paulo - 19/10/2011
A explosão provocada por vazamento de gás em um restaurante do centro do Rio, na semana passada, com três vítimas fatais e muitos feridos, alerta sobre a possibilidade de novas ocorrências desse tipo nas grandes cidades, onde comer fora de casa, mais que um hábito, tornou-se uma necessidade. Sob o ponto de vista da regulamentação, a população da cidade de São Paulo parece estar bem protegida, mas o mesmo não se pode dizer da fiscalização dos estabelecimentos comerciais, muito deficiente e só realizada quando provocada por denúncia.
O Corpo de Bombeiros de São Paulo atende em média uma ocorrência por dia de fogo causado por vazamento de gás de cozinha. Embora não haja detalhes sobre quantas vezes isso se verifica em locais abertos ao público, a reportagem do Estado, valendo-se da lei municipal que obriga os restaurantes a abrir suas cozinhas ao público, procurou visitá-las, na última sexta-feira, nos estabelecimentos do centro da cidade, mas foi impedida pelos proprietários, o que é um claro indício de irregularidades.
Por lei, é proibido o uso de botijões de gás liquefeito de petróleo (GLP) em estabelecimentos comerciais. Se restaurantes, lanchonetes, oficinas ou quaisquer lojas de serviços tiverem de usar esse gás, os tubos de condução devem ser instalados por engenheiros qualificados, em centrais específicas para isso. Os botijões de 13 kg são de uso exclusivo de residências. Quanto ao gás natural em áreas atendidas pela Comgás, as instalações devem obedecer às especificações técnicas da companhia.
Como relatam os bombeiros, eles encontram tudo em ordem quando fazem vistorias para a concessão de alvarás. Os problemas acontecem depois, com a falta de manutenção dos equipamentos e as adaptações que os proprietários dos estabelecimentos fazem para atender às suas conveniências. Seja por falta de pessoal ou qualquer outro motivo, não há uma fiscalização periódica e não se cogitou ainda de visitas de surpresa, para efeito de amostragem, ou blitze em áreas mais suspeitas de descumprirem as normas de segurança.
O desleixo com o uso de gás na hora de cozinhar, tanto em restaurantes como em residências, explica por que os vazamentos vêm logo em seguida às instalações elétricas improvisadas como fonte de incêndios no Estado. No caso das linhas de distribuição de eletricidade, são frequentes os incêndios provocados por ligações ilegais - os chamados "gatos" - que têm destruído favelas inteiras. Como as concessionárias de energia elétrica têm interesse em aumentar suas receitas, buscam combater os "gatos", mas, pelo que se observa, o êxito é limitado.
Já com relação ao GLP, em vista de um florescente comércio clandestino de botijões em todo o País, não há nem controle preventivo nem fiscalização por parte das distribuidoras privadas que atuam no mercado formal, para prevenir acidentes, além de uma concorrência predatória. Sob o pretexto de que a cadeia de revenda é longa demais para poder ser controlada, as distribuidoras de gás de cozinha deixam para a Polícia a tarefa de dar combate ao comércio irregular.
Na semana passada, como já se tornou rotineiro, a Polícia paulista desarticulou um depósito de botijões na zona norte de São Paulo, onde encontrou 193 recipientes. O dono do depósito, que operava há cinco anos em uma área residencial, costumava recarregar os botijões menores com gás retirado dos de maior capacidade, com grande risco para os vizinhos, que o denunciaram.
Pode-se alegar que a fiscalização sobre o comércio clandestino cabe à Agência Nacional do Petróleo (ANP), que lançou, no fim do ano passado, o Programa Gás Legal, prevendo a criação de comitês regionais para erradicação do comércio irregular de GLP, o que promete ser uma luta inglória. De acordo com o Sindigás, dos 33 milhões de botijões de gás de cozinha distribuídos mensalmente no Brasil, 8 milhões, ou seja, 24%, são vendidos ilegalmente. Ao que tudo indica este é mais um daqueles problemas nacionais que só podem ser resolvidos "a mais longo prazo", como dizem os documentos oficiais.
Este Blog retratará o descaso com a Defesa Civil no Brasil; a falta de políticas específicas; o sucateamento dos Corpos de Bombeiros; os salários baixos; a legislação ambiental benevolente; a negligência na fiscalização; os desvios de donativos e recursos; os saques; a corrupção; a improbidade; o crime organizado e a inoperância dos instrumentos de prevenção, controle e contenção. Resta o sofrimento das comunidades atingidas, a solidariedade consciente e o heroísmo daqueles que arriscam a vida e suportam salários miseráveis e péssimas condições de trabalho no enfrentamento das calamidades e sinistros que assolam o povo brasileiro.
quarta-feira, 19 de outubro de 2011
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