Este Blog retratará o descaso com a Defesa Civil no Brasil; a falta de políticas específicas; o sucateamento dos Corpos de Bombeiros; os salários baixos; a legislação ambiental benevolente; a negligência na fiscalização; os desvios de donativos e recursos; os saques; a corrupção; a improbidade; o crime organizado e a inoperância dos instrumentos de prevenção, controle e contenção. Resta o sofrimento das comunidades atingidas, a solidariedade consciente e o heroísmo daqueles que arriscam a vida e suportam salários miseráveis e péssimas condições de trabalho no enfrentamento das calamidades e sinistros que assolam o povo brasileiro.

domingo, 29 de setembro de 2013

É POSSÍVEL EVITAR AS TRAGÉDIAS. POR QUE O BRASIL NÃO FAZ ISSO?

REVISTA ISTO É N° Edição: 2289 | 27.Set.13


É possível evitar

Tragédias provocadas por fenômenos como o tornado em São Paulo e as chuvas no Sul do País poderiam ser contidas com mais radares meteorológicos e um sistema eficiente de retirada da população das zonas de risco. Por que o Brasil não faz isso?

Natália Mestre


Na semana passada, o Brasil se viu diante de fenômenos climáticos extremos. Enquanto a pequena Taquarituba, distante 328 km de São Paulo, era devastada por um tornado com ventos acima de 138 km/h – duas pessoas morreram, 64 ficaram feridas e mais de 500 casas foram atingidas –, o Sul do País era castigado pelas águas. No Paraná, choveu em três dias mais do que o esperado para todo o mês de setembro, afetando 60 mil pessoas. Em Santa Catarina, 50 cidades decretaram estado de emergência e outras cinco, de calamidade pública. No Rio Grande do Sul, 2,2 mil pessoas ficaram desalojadas.


DESTRUIÇÃO
Tornado devastou Taquarituba (SP): cidade não está no
raio de cobertura de nenhum radar meteorológico

Embora seja impossível evitar episódios dessa intensidade, o impacto deles poderia ser bem menor e vidas seriam salvas se o País lidasse com esses eventos de forma mais eficiente. O número de radares meteorológicos em operação no Brasil, equipamento que detecta tanto tempestades quanto tornados, está muito longe do ideal. Existem 30 no Brasil, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) – os Estados Unidos possuem mais de 150 e o Japão, com uma área aproximada à do Estado de São Paulo, tem cerca de 20. “A rede é muito aquém do ideal, o que dificulta um monitoramento adequado”, afirma Daniel Henrique Candido, doutor em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Além disso, eles são descentralizados. A maioria é da Rede de Meteorologia do Comando da Aeronáutica (REDEMET), um órgão nacional, mas outros são administrados por prefeituras, governos estaduais, universidades e até instituições privadas, o que dificulta o funcionamento integrado.

Na tese defendida na Unicamp, Candido analisou os registros de tornados no Brasil entre 1980 e 2010 e concluiu que eles não são tão raros. Nesse período, o fenômeno ocorreu 220 vezes no País, 70% delas no interior de São Paulo e nos Estados do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina, as principais zonas de risco. “E com a crescente urbanização, a tendência é que esse número aumente”, afirma o geógrafo. O estudo mostra que a probabilidade de um tornado ocorrer no Rio Grande do Sul ou em São Paulo é de cerca de 25% ao ano. A cidade de Itu (SP) lidera, com 36% de chances. Hoje, o Paraná possui um único radar, o Rio de Janeiro tem dois e São Paulo dispõe de quatro equipamentos, dois na capital, um na cidade de Bauru e outro em Presidente Prudente – e Taquarituba não está no raio de cobertura de nenhum deles.


RECORRENTE
Inundação em Santa Catarina: chuvas castigam o Estado com frequência

Os radares são importantes, mas são de alto custo (cada equipamento custa em torno de R$ 10 milhões) e há outras medidas mais baratas para evitar tragédias decorrentes de fenômenos climáticos, que poderiam ser tomadas antes, como a retirada de pessoas das áreas de risco. “No Brasil, a maior parte das mortes relacionadas a condições meteorológicas ocorre por deslizamentos após chuvas”, diz o meteorologista Franco Villela, do INMET. “O investimento na prevenção desses tipos de evento tem aumentado nos últimos anos e deve continuar sendo o foco.” O meteorologista André Madeira, da Climatempo, concorda: “Tecnologia é necessária, mas é de extrema urgência priorizar ações para a retirada da população das áreas de riscos. Tem muita gente ainda morando na encosta de morros, sabendo que um dia essa casa irá cair. É preciso, ainda, que as pessoas sejam mais conscientes. Hoje, há sirenes que alertam para o perigo em várias favelas do Rio de Janeiro, mas muitos desrespeitam os avisos e permanecem em suas casas”.







quinta-feira, 26 de setembro de 2013

ALVARÁ E CAPACIDADE

 


ZERO HORA 26 de setembro de 2013 | N° 17565

MAIS INFORMAÇÃO. Casas noturnas precisarão mostrar alvará e capacidade. Clientes serão informados no material de divulgação e na entrada dos locais


Os clientes de eventos de cultura, lazer e entretenimento terão acesso a informações, em ingressos e materiais publicitários, sobre alvarás de funcionamento e capacidade máxima dos locais de realização. Ontem, o Ministério da Justiça assinou portaria que define as regras. O texto será publicado hoje no Diário Oficial da União e entra em vigor em 90 dias.

De acordo com o Ministério da Justiça, será informado ao consumidor o número do alvará de funcionamento e contra incêndios ou documentos equivalentes. Também deve ser informada a data de validade dos alvarás. Além disso, na entrada do local do evento, deve estar visível informação sobre a capacidade máxima de pessoas. A portaria informa que isso deve ser feito “de forma clara e inequívoca”.

Ao explicar a medida, a secretária nacional do Consumidor, Juliana Pereira da Silva, mencionou o incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, que matou 242 pessoas em 27 de janeiro deste ano. Na época, o alvará de funcionamento do local estava vencido.

– O ingresso tem que ter o número e a validade do alvará para que todos possam ver. Isso transmite segurança e assegura transparência para o consumidor. Qualquer cidadão brasileiro poderá reclamar se isso for descumprido nos Procons e nas delegacias – afirmou Juliana.

A secretária admitiu que se trata de uma “pequena medida”, pois os alvarás são uma autorização dada pelos municípios, conforme regras locais.

– Não temos nenhuma pretensão de resolver esses problemas. Não cabe ao Ministério da Justiça regulamentar os alvarás. Mas, antes, não tínhamos nem como fiscalizar – afirmou.

Quem descumprir a determinação poderá pagar multa de até R$ 6 milhões, ter o local interditado ou a suspensão do funcionamento. Para Juliana, a medida também facilita o trabalho de fiscalização das prefeituras aos estabelecimentos.



MUDANÇAS - O que diz a portaria

- Os estabelecimentos de lazer, cultura e entretenimento terão de afixar na entrada os alvarás de bombeiros e de funcionamento, com número e datas de validade, e a capacidade de público;

- As informações devem constar em todos os materiais publicitários de divulgação dos eventos impressos e na internet;

- As punições serão as previstas no Código de Defesa do Consumidor e podem chegar à suspensão do funcionamento, interdição e multa de até R$ 6 milhões;

- Em caso de divulgação de número fraudulento, por exemplo, além de crime contra o consumidor, o responsável poderá responder por fraude, sujeito a ação;

- Denúncias poderão ser feitas no Procon, em delegacias da Polícia Civil, à Brigada Militar e ao Ministério Público.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

PATRULHAS COMUNITÁRIAS CONTRA OS PIRATAS DA ENCHENTE



ZERO HORA 05 de setembro de 2013 | N° 17544

EDUARDO TORRES

REAÇÃO AOS SAQUES. Moradores de região inundada de Alvorada usam botes para impedir furtos


Munidos com lanternas e sinalizando com luzes e gritos, um grupo de pelo menos oito moradores da Vila Americana, em Alvorada, percorre em botes, todas as noites, as ruas alagadas. Ameaçados pelos “piratas da enchente”, eles resolveram criar uma patrulha de proteção.

Desde o início da cheia na região, há 10 dias, pelo menos 10 casas foram saqueadas por bandidos.

– Uma senhora foi obrigada a abandonar a casa, e não deu tempo de levar nada. Quando voltou, no outro dia, se desesperou. Tinham levado até os fios da casa – diz um morador de 39 anos.

Os relatos de bandidos se aproveitando das casas vazias e da dificuldade de acesso se acumularam nos últimos dias. Os criminosos chegam à Vila Americana por água, em barcos motorizados, vindos de lugares distantes. Com o alagamento, o Rio Gravataí e o Arroio Feijó criaram canais que os ligam ao fundo da vila.

– Os vizinhos começaram a nos procurar comentando que, na madrugada, chegaram a ouvir até 30 tiros. Virou um salve-se quem puder. Alguém tinha de fazer alguma coisa – desabafa o taxista Cláudio Silva dos Santos, 42 anos, um dos líderes do grupo.

Grupo chegou a trocar tiros com criminosos

A Brigada Militar chegou a ser chamada nos primeiros casos de tiros. Mas, sem uma embarcação, os PMs pouco podem fazer. Santos e outros vizinhos se cotizaram para comprar um bote inflável e roupas de pesca para navegar na área alagada. Faz 10 dias que ele não trabalha no táxi.

Outros moradores, que já tinham barcos, passaram a se revezar. Uma casa de dois pisos na Rua Marquês do Pombal virou guarita nas madrugadas. Uma lomba, na Rua Doze de Maio, é outro ponto de observação.

– Se alguém vê uma movimentação, liga para o pessoal nos barcos. Quando nos aproximamos, fazemos um sinal com a lanterna e damos um grito para ver se a pessoa responde. Se não responde, certamente não está aqui, no meio da madrugada, para alguma coisa boa – define Santos.

Aos poucos os patrulheiros entenderam o modo de agir dos piratas. Ao se aproximarem das casas, eles dão sinais com lanternas, gritam e até atiram. Se ninguém responde, têm a certeza de que podem saquear.

Os bandidos já foram interceptados ao menos duas vezes. Um quarteto chegou a ser perseguido. Dois suspeitos acabaram espancados pelos moradores e confessaram terem vindo de Cachoeirinha. Em outra ocasião, moradores armados teriam trocado tiros com os bandidos. Ninguém foi preso.



Brigada descarta policiamento na água

A perspectiva de mais chuva para os próximos dias e a ausência de solução eficaz contra os alagamentos mantêm os patrulheiros em alerta. A Brigada Militar, no entanto, não tem um plano contra os saqueadores.

– A água já está baixando. Acredito que, em um dia, já é possível o acesso a pé. Não vejo necessidade de termos um barco nesse momento – afirma o comandante do 24º BPM, tenente-coronel Rogério Maciel.

Ao contrário do que dizem os moradores, ele garante que os policiais atenderam a todos os chamados nesse período. Sem registrar tiroteio ou saques a residências.

Em São Leopoldo, na semana passada, a reação da Brigada Militar foi diferente. Durante uma semana, até o domingo passado, policiais do Pelotão de Operações Especiais do 25º BPM patrulharam os bairros Feitoria e Camélias – cobertos pela água – com um barco e um jet ski, cedidos pelos bombeiros.

Conforme a assessoria de comunicação do batalhão, a ação se repetiu todas as noites. E nenhum caso de saque foi registrado na localidade.

domingo, 1 de setembro de 2013

ESTAMOS SEGUROS?

REVISTA ISTO É N° Edição: 2285 | 30.Ago.13

O desabamento de um prédio em São Paulo mostra mais uma vez a negligência do poder público na fiscalização das obras no momento em que o País vive uma forte expansão no setor

Natália Mestre


No momento em que o País vive um extraordinário boom no setor de construção civil, seja com lançamentos de novos imóveis, seja com reformas de antigas edificações, o desmoronamento de um prédio em São Paulo expõe mais uma vez o quanto o poder público no Brasil vem sendo negligente no controle e na fiscalização das obras. Na manhã da terça-feira 27, em São Mateus, zona leste, um edifício de dois andares ruiu, deixando dez mortos e 26 feridos. Segundo a prefeitura, a obra estava irregular por falta de alvará de execução e não poderia estar em andamento. Duas multas haviam sido emitidas – a primeira, de R$ 1,159 mil, e a segunda, no valor de R$ 103,5 mil. Nenhuma foi paga. Um auto de embargo também foi emitido e descumprido. A tragédia segue o tradicional roteiro de trocas de acusações. O dono do imóvel, Mustafá Ali Mustafá, e a Salvatta Engenharia, empresa contratada pelo Magazine Torra Torra – que alugou o prédio –, tentam se eximir de responsabilidade sobre o caso e a prefeitura, que a princípio também tentava tirar o corpo fora, por fim assumiu que tem sua parcela de culpa e prometeu agir. “Posso garantir que a prefeitura vai apurar a negligência da fiscalização”, diz o prefeito Fernando Haddad. 

A tragédia espalhou uma enorme sensação de insegurança em relação à construção civil no Brasil. “O segmento se mantém aquecido por conta dos empreendimentos vendidos, das obras da Copa e da Olimpíada”, diz Haruo Ishikawo, vice-presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (SindusCon-SP). O desemprego no setor é inferior a 5% desde 2007 – no primeiro semestre de 2013 ficou em 2,7%. Nos últimos oito anos, apenas na capital paulista, estima-se que tenham sido produzidos de 30 mil a 35 mil novos imóveis residenciais por ano, de acordo com os dados do Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP). Esse quadro se repete em outras metrópoles brasileiras. O metro quadrado na orla do Rio de Janeiro é dos mais caros do mundo. Com tanta pujança, como ter certeza de que estamos seguros no canteiro de obras que se transformou o País?


IRREGULAR
Bombeiros trabalham no resgate às vítimas em São Paulo:
um segundo andar não previsto no projeto estava em construção

Não faltam leis e regulamentos que zelam pela segurança dos imóveis. Construções ou grandes reformas necessitam de alvará da prefeitura. Há sempre um responsável técnico designado cujo trabalho é acompanhado pelo Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea). Existe ainda uma série de normas estabelecidas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) que devem ser seguidas para a realização de uma obra segura. “Posso garantir que existem normas e leis suficientes para garantir a qualidade do setor”, diz Paulo Eduardo Fonseca de Campos, superintendente do Comitê Brasileiro da Construção Civil da ABNT. “O problema é que elas são desrespeitadas por alguns profissionais. Felizmente, eles não são a maioria, mas acabam provocando tragédias como essa de São Mateus.”

De fato, na planta original do imóvel que desabou enviada para a análise da Prefeitura, o projeto previa um estabelecimento térreo. No entanto, o prédio possuía dois andares, comprovando a alteração. O pintor Gleisson Feitosa, que estava na obra durante o desabamento, confirma que a estrutura “estava fraca”. Segundo ele, o fato já havia sido comunicado aos responsáveis que “pediram para ele continuar”. Situação semelhante resultou na tragédia do Edifício Liberdade, no Rio de Janeiro, no ano passado. Uma reforma irregular levou ao desabamento do prédio de vinte andares, de um edifício de dez andares, de um sobrado de quatro andares (leia quadro) e à morte de 17 pessoas, além de cinco desaparecidos.




Por isso, uma fiscalização eficiente é fundamental – e é isso que os brasileiros têm de exigir do poder público. A questão vai além da figura do fiscal que vai a campo avaliar a obra. “Temos um grave problema em dar continuidade e acompanhamento aos processos”, diz o arquiteto e urbanista Ives de Freitas. Quando um embargo da prefeitura não é cumprido, isso tem de ser denunciado à polícia. “Se há vidas em risco, os agentes vistores têm a obrigação de chamar a polícia para paralisar a obra”, afirma Ishikawo, do SindusCon. Isso não aconteceu na obra de São Mateus. A desorganização na administração pública é grande. A Prefeitura de São Paulo não sabe informar o número de obras embargadas e interditadas pela força policial na cidade.

O prefeito Haddad diz que será investigado por que a continuidade da obra não foi denunciada à polícia. É crucial esclarecer esse fato uma vez que a suspeita de pagamento de propina é forte. Um dia depois do embargo, o fiscal registrou a existência de irregularidade no Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC) e imprimiu o documento, o que denota sua intenção de notificar a Ouvidoria da prefeitura, a polícia e o Ministério Público, mas nada disso aconteceu. No dia 4 de abril, ele pediu exoneração.



“Não faltam leis e normas no Brasil,
mas nem sempre elas são cumpridas”
Paulo Eduardo Fonseca de Campos, superintendente
do Comitê Brasileiro da Construção Civil da ABNT