Este Blog retratará o descaso com a Defesa Civil no Brasil; a falta de políticas específicas; o sucateamento dos Corpos de Bombeiros; os salários baixos; a legislação ambiental benevolente; a negligência na fiscalização; os desvios de donativos e recursos; os saques; a corrupção; a improbidade; o crime organizado e a inoperância dos instrumentos de prevenção, controle e contenção. Resta o sofrimento das comunidades atingidas, a solidariedade consciente e o heroísmo daqueles que arriscam a vida e suportam salários miseráveis e péssimas condições de trabalho no enfrentamento das calamidades e sinistros que assolam o povo brasileiro.

domingo, 1 de setembro de 2013

ESTAMOS SEGUROS?

REVISTA ISTO É N° Edição: 2285 | 30.Ago.13

O desabamento de um prédio em São Paulo mostra mais uma vez a negligência do poder público na fiscalização das obras no momento em que o País vive uma forte expansão no setor

Natália Mestre


No momento em que o País vive um extraordinário boom no setor de construção civil, seja com lançamentos de novos imóveis, seja com reformas de antigas edificações, o desmoronamento de um prédio em São Paulo expõe mais uma vez o quanto o poder público no Brasil vem sendo negligente no controle e na fiscalização das obras. Na manhã da terça-feira 27, em São Mateus, zona leste, um edifício de dois andares ruiu, deixando dez mortos e 26 feridos. Segundo a prefeitura, a obra estava irregular por falta de alvará de execução e não poderia estar em andamento. Duas multas haviam sido emitidas – a primeira, de R$ 1,159 mil, e a segunda, no valor de R$ 103,5 mil. Nenhuma foi paga. Um auto de embargo também foi emitido e descumprido. A tragédia segue o tradicional roteiro de trocas de acusações. O dono do imóvel, Mustafá Ali Mustafá, e a Salvatta Engenharia, empresa contratada pelo Magazine Torra Torra – que alugou o prédio –, tentam se eximir de responsabilidade sobre o caso e a prefeitura, que a princípio também tentava tirar o corpo fora, por fim assumiu que tem sua parcela de culpa e prometeu agir. “Posso garantir que a prefeitura vai apurar a negligência da fiscalização”, diz o prefeito Fernando Haddad. 

A tragédia espalhou uma enorme sensação de insegurança em relação à construção civil no Brasil. “O segmento se mantém aquecido por conta dos empreendimentos vendidos, das obras da Copa e da Olimpíada”, diz Haruo Ishikawo, vice-presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (SindusCon-SP). O desemprego no setor é inferior a 5% desde 2007 – no primeiro semestre de 2013 ficou em 2,7%. Nos últimos oito anos, apenas na capital paulista, estima-se que tenham sido produzidos de 30 mil a 35 mil novos imóveis residenciais por ano, de acordo com os dados do Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP). Esse quadro se repete em outras metrópoles brasileiras. O metro quadrado na orla do Rio de Janeiro é dos mais caros do mundo. Com tanta pujança, como ter certeza de que estamos seguros no canteiro de obras que se transformou o País?


IRREGULAR
Bombeiros trabalham no resgate às vítimas em São Paulo:
um segundo andar não previsto no projeto estava em construção

Não faltam leis e regulamentos que zelam pela segurança dos imóveis. Construções ou grandes reformas necessitam de alvará da prefeitura. Há sempre um responsável técnico designado cujo trabalho é acompanhado pelo Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea). Existe ainda uma série de normas estabelecidas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) que devem ser seguidas para a realização de uma obra segura. “Posso garantir que existem normas e leis suficientes para garantir a qualidade do setor”, diz Paulo Eduardo Fonseca de Campos, superintendente do Comitê Brasileiro da Construção Civil da ABNT. “O problema é que elas são desrespeitadas por alguns profissionais. Felizmente, eles não são a maioria, mas acabam provocando tragédias como essa de São Mateus.”

De fato, na planta original do imóvel que desabou enviada para a análise da Prefeitura, o projeto previa um estabelecimento térreo. No entanto, o prédio possuía dois andares, comprovando a alteração. O pintor Gleisson Feitosa, que estava na obra durante o desabamento, confirma que a estrutura “estava fraca”. Segundo ele, o fato já havia sido comunicado aos responsáveis que “pediram para ele continuar”. Situação semelhante resultou na tragédia do Edifício Liberdade, no Rio de Janeiro, no ano passado. Uma reforma irregular levou ao desabamento do prédio de vinte andares, de um edifício de dez andares, de um sobrado de quatro andares (leia quadro) e à morte de 17 pessoas, além de cinco desaparecidos.




Por isso, uma fiscalização eficiente é fundamental – e é isso que os brasileiros têm de exigir do poder público. A questão vai além da figura do fiscal que vai a campo avaliar a obra. “Temos um grave problema em dar continuidade e acompanhamento aos processos”, diz o arquiteto e urbanista Ives de Freitas. Quando um embargo da prefeitura não é cumprido, isso tem de ser denunciado à polícia. “Se há vidas em risco, os agentes vistores têm a obrigação de chamar a polícia para paralisar a obra”, afirma Ishikawo, do SindusCon. Isso não aconteceu na obra de São Mateus. A desorganização na administração pública é grande. A Prefeitura de São Paulo não sabe informar o número de obras embargadas e interditadas pela força policial na cidade.

O prefeito Haddad diz que será investigado por que a continuidade da obra não foi denunciada à polícia. É crucial esclarecer esse fato uma vez que a suspeita de pagamento de propina é forte. Um dia depois do embargo, o fiscal registrou a existência de irregularidade no Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC) e imprimiu o documento, o que denota sua intenção de notificar a Ouvidoria da prefeitura, a polícia e o Ministério Público, mas nada disso aconteceu. No dia 4 de abril, ele pediu exoneração.



“Não faltam leis e normas no Brasil,
mas nem sempre elas são cumpridas”
Paulo Eduardo Fonseca de Campos, superintendente
do Comitê Brasileiro da Construção Civil da ABNT



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