ANDRÉ MAGS
ANTI-INCÊNDIO. Impasse de normas municipais e estaduais deixou mais de 2 mil processos parados em Porto Alegre
A nova norma que promete mais rigor na proteção anti-incêndio no Estado (PLC 155/2013), sancionada em 26 de dezembro do ano passado, enredou os especialistas da área em uma teia de dúvidas. Além de não estar regulamentada, há conflitos com leis municipais e a necessidade de se eliminar uma distorção por meio de um projeto do governo estadual – o que ainda não tem data para acontecer.
Em Porto Alegre, mais de 2 mil processos ficaram parados por causa do impasse entre a nova legislação estadual e a Lei Complementar 420, que instituiu o Código de Proteção Contra Incêndio de Porto Alegre (PPCI). O conflito foi resolvido em uma reunião na tarde de segunda-feira, conforme a diretora técnica da Secretaria Municipal de Urbanismo (Smurb), Maria Cristina Cademartori.
Projetos que entraram até 24 de fevereiro seguirão a norma municipal. Datados depois disso, serão regidos pela estadual, ou seja, a verificação das questões de incêndio deixa de ser da prefeitura e passa integralmente aos bombeiros, explica Maria Cristina.
O engenheiro civil Marcio Starosta é um dos aliviados com a medida. Ele aguardava há dois meses a liberação de um projeto pela Smurb.
– Não conseguia começar o empreendimento. Parou tudo, não se sabia qual lei seguir – desabafa.
Por si só, a nova lei confunde os técnicos. Presidente da Associação Técnica Sul Brasileira de Proteção contra Incêndio (Astec), o engenheiro Alexandre Rava de Campos participou das discussões de criação da norma estadual, porém reparou que os encontros, na prática, tiveram pouca efetividade.
– Foi muito mais para dar uma satisfação à opinião pública por causa do incêndio na boate Kiss (em janeiro do ano passado) do que para criar um documento consistente. O pessoal do (deputado estadual) Adão Villaverde (PT) se trancou no gabinete e, com base na lei de São Paulo, encaminhou o texto da lei (aprovada em) de dezembro – afirma.
Planos simplificados não estariam totalmente claros
Villaverde já rebateu outras vezes que um grupo formado por especialistas tratou do assunto. Assim mesmo, restaram alguns problemas. Um dos três vetos do governador Tarso Genro ao projeto dizia respeito aos planos simplificados de prevenção a incêndios, que não estavam devidamente claros. Com esse trecho vetado, escritórios de pequeno porte e indústrias, por exemplo, acabam tendo as mesmas exigências anti-incêndio. Para resolver essa distorção, o governo deve encaminhar um projeto, só que ainda não há uma data para isso, informou ontem a Casa Civil do Estado.
Como se não bastasse, há a falta de regulamentação. Para contorná-la, os bombeiros lançaram uma instrução normativa em fevereiro deste ano. No entanto, segundo Campos, a normativa é “precaríssima”. Os construtores estão inseguros quanto à validade do que é determinado pela normativa quando sair a esperada regulamentação – que detalha a norma.
– Hoje, cada integrante do Corpo de Bombeiros adota critérios particulares. Em cada cidade, é diferente. Por falta de regulamentação, cada um faz o que acha que deve fazer – salienta Campos.
No início de março deste ano, a previsão era de que a regulamentação fosse definida neste mês de abril. Ontem, a Casa Civil não confirmou esse prazo.
EXEMPLOS DO QUE SERÁ REGULAMENTADO
- Quantos extintores devem ser instalados em determinado local e quais são os critérios para a escolha do produto.
- O que é um brigadista de incêndio e quantos são precisos para atuar em determinado local ou evento, conforme necessidade.
- Os tipos de sanções a quem desobedecer à lei e valores das multas.
- Os detalhes de como serão as vistorias nas edificações.
- As definições do acesso facilitado a caminhões do Corpo de Bombeiros nas edificações.
Os relatos dos sobreviventes do incêndio na boate Kiss voltaram a ser ouvidos pela Justiça Estadual em Santa Maria na tarde de ontem. Três frequentadores da festa que ocorria na madrugada do dia 27 de janeiro de 2013 relataram o que viram sobre o começo do fogo, descreveram como era o interior da casa noturna e como conseguiram sair. No total, 95 pessoas já foram ouvidas. Os relatos fazem parte da última leva de audiências desta primeira fase do principal processo criminal sobre a Kiss. As próximas sessões serão amanhã e nos dias 4, 8 e 16 de abril. Familiares das vítimas acompanharam os depoimentos. Dos quatro réus, apenas um, Marcelo de Jesus dos Santos, vocalista da banda Gurizada Fandangueira, compareceu.
ROBERTO FLAVIO SOUZA BOMBEIRO EX-SÓCIO DA HIDRAMIX
“A Hidramix nunca deu benefício (comissão)”O sargento dos bombeiros Roberto Flavio da Silveira e Souza, 49 anos, falou das investigações e das denúncias de suposto tráfico de influência por parte da Hidramix, empresa da qual era sócio até o ano passado, dentro do Corpo de Bombeiros de Santa Maria. Também rebateu a existência de um possível esquema de pagamento de comissões a bombeiros que indicariam a empresa para serviços na área de prevenção a incêndios.
Diário de Santa Maria – Por que o senhor fundou a Hidramix?
Roberto Flavio da Silveira e Souza – Para complementar o salário. Há cerca de 23 anos, agregamos bombeiros que trabalhavam com jardinagem, pintura, marcenaria, carpintaria. Juntamos quem tinha alguma habilidade. Como precisávamos de notas fiscais, montamos a empresa. A partir disso, houve várias mudanças de contrato. Conforme a necessidade, íamos aprimorando.
Diário – Quando a Hidramix entrou na área de prevenção a incêndios?
Souza – Em 2011, com a contratação de um técnico habilitado. Passamos a fazer a venda de material e a execução do trabalho.
Diário – O senhor era sócio majoritário da empresa?
Souza – Houve um período em que eu fui sócio majoritário, quando fui fazer curso de oito meses em Porto Alegre, mas foi devido a um erro na distribuição dos percentuais no contrato social por parte do contador. Foi em 2008. Isso passou despercebido e ficou assim até que a Gilceliane entrou na sociedade em 2012.
Diário – O senhor sabia que por ser bombeiro não poderia ser sócio majoritário em uma empresa?
Souza – Não sabia. Quando soube, vendi o que eu tinha a mais para trabalhar dentro da lei.
Diário – Por que o senhor colocou 65% da empresa no nome da sua ex-mulher?
Souza – Ela pagou por toda a parte dela, com dinheiro da rescisão de contrato do antigo emprego.
Diário – Como funcionava a prestação de serviço na área de prevenção?
Souza – Quem procurava a Hidramix para fazer correção ou instalação de PPCI, era repassado ao Edio (gerente), que fazia levantamento, orçamento, executava o serviço. Mas era a pessoa (interessada) que encaminhava nos bombeiros.
Diário – Havia algum tipo de parceria com engenheiros que indicariam a Hidramix?
Souza – A Hidramix indicava engenheiros que poderiam fazer ou encaminhar os PPCIs no Corpo de Bombeiros. Eles faziam os planos, e nós executávamos. Era uma troca de indicações. Quando eles projetavam, indicavam a gente.
Diário – A Hidramix foi indicada por bombeiros colegas seus para serviços?
Souza – Que eu tenha conhecimento, não. Na corporação, havia uma lista com empresas habilitadas (entre elas, a Hidramix).
Diário – O senhor pagou comissão a bombeiros?
Souza – Nunca houve isso. A Hidramix nunca deu benefício (comissão) para ninguém. As pessoas nos procuram pela nossa qualificação.
Diário – Empresários disseram que, se não fosse com a Hidramix, não conseguiam os alvarás. Por que acha que disseram isso?
Souza – A Hidramix conseguia a aprovação porque fazia tudo dentro das especificações da lei. Se a concorrência fizesse certo, por que os bombeiros não aprovariam o alvará?
Diário – Empreendedores também disseram que o senhor pessoalmente garantia a aprovação e prazos junto aos bombeiros.
Souza – Qualquer empresa, dentro da normalidade, consegue mais prazo. É garantido em lei. Não que fosse através de mim.
Diário – Por que, na sua opinião, a sua ex-mulher o denunciou?
Souza – Porque ela quer me prejudicar. Ela começou a me ameaçar há 30 ou 40 dias. Resolvi sair de casa. Na mesma noite, ela fez um quebra-quebra aqui. Ela está falando inverdades, expondo a corporação e pessoas que não têm nada a ver com a nossa vida.
Diário – Se pudesse voltar atrás teria aberto a Hidramix?
Souza – Acho que teria feito da mesma maneira, porque não estou fazendo nada ilícito. Só quis melhorar meu salário.