Este Blog retratará o descaso com a Defesa Civil no Brasil; a falta de políticas específicas; o sucateamento dos Corpos de Bombeiros; os salários baixos; a legislação ambiental benevolente; a negligência na fiscalização; os desvios de donativos e recursos; os saques; a corrupção; a improbidade; o crime organizado e a inoperância dos instrumentos de prevenção, controle e contenção. Resta o sofrimento das comunidades atingidas, a solidariedade consciente e o heroísmo daqueles que arriscam a vida e suportam salários miseráveis e péssimas condições de trabalho no enfrentamento das calamidades e sinistros que assolam o povo brasileiro.

domingo, 27 de julho de 2014

NINGUÉM KISS SABER?




ZERO HORA 27 de julho de 2014 | N° 17872


FLÁVIO TAVARES*




O dia 27 de cada mês devia ser consagrado à memória e reservado para lembrar aquele 27 de janeiro de 2013, em que o desleixo, a irresponsabilidade e a ânsia de lucro mataram 242 pessoas no incêndio da boate Kiss, em Santa Maria. Um ano e meio depois, a matança tende a cair no esquecimento, a lerda burocracia reduz a tragédia a despachos ou pareceres. Incisos de leis e ardis processuais viram estratagemas para que o horror se dilua no tempo e tudo pareça um acidente ao acaso. A sanha da desídia já não conta, e tudo se faz para ocultar implicados e responsáveis.

Usa-se o tempo para fazer esquecer e simular que não houve tragédia. A irresponsabilidade busca tapar a realidade, algo usual entre nós. Dói a “naturalidade” com que todos se dizem alheios à matança, como se a tragédia despencasse das nuvens, tal qual a chuva. No setor privado ou público, ninguém reconhece sequer um equívoco.

Caminhamos para o desfecho absurdo e mesquinho de que os únicos culpados são as vítimas??

A pergunta tem ainda mais força no trágico mês de julho. Não me refiro ao futebol, mas ao 17 de julho de 2007, com 199 mortos no acidente, no aeroporto de São Paulo, do avião da TAM que saíra de Porto Alegre. Tudo continua impune. A aeronave não estava em condições de voar, mas inventaram que os pilotos “usaram mal” os controles de aterrissagem na pista encharcada e sem as “ranhuras” que ajudariam a travar na chuva. A TAM mudou o número do voo, de 3054 para 3046, e “apagou” a tragédia...

Perdoai-me, mas também julho de 2014 tem sido triste. Perdemos Ariano Suassuna, que levou ao teatro as histórias do povo brasileiro em irônica poesia. Também, o magnífico João Ubaldo Ribeiro. E ainda Ivan Junqueira, poeta da alma profunda, amigo e companheiro de caminhada na praia em Búzios. Antes deles, Plínio de Arruda Sampaio. Não o cito pela amizade que nos uniu desde quando ele era dirigente nacional da Juventude Católica, mas pela coerência pessoal. Foi um dos fundadores e ideólogos do PT, e deixou o partido aos primeiros sinais de corrupção interna, já com Lula presidente todo-poderoso. Em 2010, Plínio foi candidato a presidente pelo Psol.

Seu feito marcante ocorreu aos 29 anos, quando governou, de fato, o Estado de São Paulo, ao dirigir o Plano de Ação do governador Carvalho Pinto. Deputado federal, teve o mandato “cassado” após o golpe de 1964. Exilou-se no Chile e lá organizou a reforma agrária no governo democrata-cristão do presidente Eduardo Frei. Católico, uniu sua profunda religiosidade a uma visão socialista com raízes na realidade brasileira.

Neste 25 de julho, festejamos os 190 anos da imigração alemã no Rio Grande do Sul, primeiro marco do Brasil independente. A imigração de 1824 muda o regime de propriedade, numa revolução agrária que, até hoje, é nosso esteio. A perseverança germânica fez o resto.

Na Alemanha, o festejo de julho não foi só a conquista no futebol. Dias após a Copa, os alemães oficializaram como “heróis nacionais” os 180 conspiradores militares e civis antinazistas (quase todos da nobreza) que, a 20 de julho de 1944, tentaram eliminar Hitler. O conde Claus Von Stauffenberg, coronel de 37 anos, e o tenente Werner Von Haeften, que puseram a bomba no quartel-general de Hitler (fuzilados na noite do fracassado atentado) encabeçaram a lista dos 180. (Os demais foram enforcados em ganchos de açougue, “sem direito à morte por fuzil”. Nos meses seguintes, outros 3 mil mortos).

Lá, na cerimônia, o presidente da Alemanha, Joachim Gauck, que é pastor luterano, lembrou “a longa luta para os heróis serem reconhecidos como heróis, não como traidores”.

Aqui, quando reconheceremos o crime como crime? Ou ninguém Kiss saber disso?*JORNALISTA E ESCRITOR

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