Este Blog retratará o descaso com a Defesa Civil no Brasil; a falta de políticas específicas; o sucateamento dos Corpos de Bombeiros; os salários baixos; a legislação ambiental benevolente; a negligência na fiscalização; os desvios de donativos e recursos; os saques; a corrupção; a improbidade; o crime organizado e a inoperância dos instrumentos de prevenção, controle e contenção. Resta o sofrimento das comunidades atingidas, a solidariedade consciente e o heroísmo daqueles que arriscam a vida e suportam salários miseráveis e péssimas condições de trabalho no enfrentamento das calamidades e sinistros que assolam o povo brasileiro.

domingo, 20 de novembro de 2011

A TRAGÉDIA ESCONDIDA



FLÁVIO TAVARES, JORNALISTA E ESCRITOR - ZERO HORA 20/11/2011

O surrealismo domina e manda. Quando o absurdo suplanta a realidade e nela se incrusta como algo normal, dando à mentira a força de verdade e fazendo da verdade uma mentirosa ficção, todos nós viramos escravos do surrealismo trágico. Não me refiro ao surrealismo mágico da literatura, pintura ou escultura (que encanta e deleita), mas sim àquela hipocrisia que a cobiça e o desleixo nos impõem sorrindo, só porque manejam bilhões de dólares.

Desde a manhã de 9 de novembro, o Brasil vive uma tragédia em pleno mar territorial, a 120 quilômetros da costa norte do Estado do Rio de Janeiro, mas não houve qualquer alerta das autoridades e escassearam, até, as notícias. Um gigantesco vazamento de petróleo cru emerge há 13 dias do fundo do mar, provocado por uma sonda petrolífera da empresa norte-americana Chevron, na Bacia de Campos, mas não estamos nem aí...

O petróleo jorrado à superfície já cobre 300 quilômetros quadrados e cresce sem cessar. Os ventos fortes conduziram a mancha mar adentro e, assim, ao início a empresa norte-americana e a Agência Nacional do Petróleo (ANP) conseguiram disfarçar as nefastas consequências.

Na tragédia provocada em 2010 pela British Petroleum no Golfo do México, as marés empurraram o derrame às praias dos Estados Unidos e cobriram 229 mil km2 com óleo cru. Aqui, a barbárie ocorre mar adentro, tornando menos visível a degradação.

O vazamento é expansivo – na própria rocha, por um erro de perfuração. Talvez por extrair mais de 50 mil barris diários na área, a Chevron diz que o vazamento “é ínfimo”, apenas 650 barris até a tarde da quinta-feira! O número é tão falso, que até a permissiva ANP o nega e diz que jorram entre 200 e 300 barris diários. O geólogo John Amos, da ONG Sky Truth, com base em imagens dos satélites da Nasa, calcula que o “o ritmo de vazamento seja de 3.738 barris ao dia”. Um dos primeiros cientistas a denunciar o horror do Golfo do México, Amos disse agora ao jornal O Globo, do Rio, que o vazamento deve ter começado bem antes do dia 9, com o que a Chevron estaria nos impingindo uma dolorosa mentira.

Tudo isto é uma tragédia. E brutalizada pela desatenção da empresa e da própria ANP, que só se mexeu depois do feriado de 15 de novembro, e com absurda mansidão.

E as consequências? Além da degradação oceânica, com mortandade de peixes, a poluição pode desorientar as baleias jubarte, que, nesta época, após acasalar-se em Abrolhos, na Bahia, saem em direção ao Sul, à Patagônia, na Argentina. Os sonares dos 20 navios que tentam rodear a onda contaminante vão confundir ainda mais o itinerário percorrido há milhares de anos pelas baleias. Aquelas que, exaustas, “encalham” em nossas praias perdem-se no mar assim, “drogadas” pelos modernos sonares dos navios.

Dias atrás, quando a mancha do vazamento já cobria 150 quilômetros quadrados, mais de 100 mil pessoas foram mobilizadas na cidade do Rio de Janeiro numa passeata contra a lei que redistribui para toda a população do país os “royalties” da exploração petrolífera, hoje circunscritos aos Estados produtores. De olho só nos dividendos futuros do pré-sal, a passeata desconheceu o detalhe crucial da exploração petrolífera – a agressão ao meio ambiente e a devastação da natureza. Sim, pois nem o esforço contínuo da Petrobras logrou obter tecnologia apta a explorar o pré-sal de forma limpa e correta, sem o risco de uma tragédia marítima incontrolável. Já brigamos, porém, por repartir os lucros de algo que ainda não sabemos exatamente como obter...

E escondemos o crime e sua tragédia!

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