Este Blog retratará o descaso com a Defesa Civil no Brasil; a falta de políticas específicas; o sucateamento dos Corpos de Bombeiros; os salários baixos; a legislação ambiental benevolente; a negligência na fiscalização; os desvios de donativos e recursos; os saques; a corrupção; a improbidade; o crime organizado e a inoperância dos instrumentos de prevenção, controle e contenção. Resta o sofrimento das comunidades atingidas, a solidariedade consciente e o heroísmo daqueles que arriscam a vida e suportam salários miseráveis e péssimas condições de trabalho no enfrentamento das calamidades e sinistros que assolam o povo brasileiro.

terça-feira, 12 de novembro de 2013

DRENAGEM DO SÉCULO PASSADO

ZERO HORA 12 de novembro de 2013 | N° 17612


CLIMA


A chuva intensa fez Porto Alegre e outras cidades gaúchas viverem uma segunda-feira caótica. Na Capital, que registrou em um dia a precipitação esperada para o mês inteiro, o obsoleto sistema de redes coletoras e casas de bombas não chegou nem perto de dar conta do recado. A cidade parou. Famílias tiveram de abandonar as casas. No Interior houve destruição, desabrigados e a morte de uma mulher em razão de desabamento em Candelária – o filho dela permanecia desaparecido até o final da noite.


A enxurrada de ontem escancarou mais uma vez o preço que a população de Porto Alegre paga por viver em uma cidade do século 21 com uma estrutura de escoamento dos anos 60 do século passado. Foi como enfrentar um exército armado com um bodoque. A Capital se contrapôs a 105 milímetros de precipitação em 17 horas – o equivalente ao esperado para o mês inteiro – municiada com um obsoleto sistema de redes coletoras e casas de bombas construído há 50 anos, quando a cidade tinha menos de metade da população atual.

Porto Alegre levou uma surra monumental da chuvarada.

Como tem ocorrido sempre que há chuva forte, as décadas de investimento insuficiente em infraestrutura resultaram em bairros alagados, famílias desabrigadas, trânsito paralisado e uma metrópole de 1,4 milhão de moradores convertida em subcidade, funcionando apenas à meia boca.

A Zona Norte, região mais populosa da cidade, viveu um dia infernal. A Avenida Sertório, como tem acontecido com regularidade, submergiu, sobrecarregando a Assis Brasil. Sair da região virou uma epopeia. Durante a manhã e a tarde, eram necessárias quatro horas dentro do carro para vencer poucos quilômetros nas duas avenidas. Muita gente desistiu e não foi trabalhar. Em algumas escolas, as escassas crianças que apareceram foram reunidas para atividades especiais, sob guarda dos professores que conseguiram chegar.

Pela cidade afora, postos de saúde ficaram fechados, moradores tiveram de sair de casa de barco, veículos submergiram, viajantes não conseguiram chegar ao aeroporto a tempo e o trensurb deixou de funcionar por seis horas, entre 7h30min e 13h30min, do Mercado à Estação São Pedro.

O próprio diretor-geral do Departamento de Esgotos Pluviais (DEP), Tarso Boelter, reconheceu que a cidade foi castigada por não dispor de um sistema em condições de enfrentar chuvaradas de maior dimensão.

– As nossas casas de bombas são de 1960 e foram feitas pensando na realidade da enchente de 1941. Na época, eram o que havia de melhor. Mas não houve uma modernização nesses 53 anos, só reformas e consertos. A população se multiplicou, e a rede coletora se tornou insuficiente – afirmou Boelter.

As redes e as casas de bombas são fundamentais para dar vazão à água da chuva, canalizando-a para rios e arroios. Somadas aos diques, comportas, bacias de amortecimento, limpeza da rede e das bocas de lobo, além da dragagem de arroios, elas compõem o arsenal de que a cidade dispõe para aguentar as enxurradas. O problema é que o sistema tem uma capacidade limitada de escoamento. A água que ele não consegue escoar se acumular em ruas e avenidas. Foi o que aconteceu ontem.

Para se ter uma ideia da precariedade do sistema, o DEP planeja substituir 14 das 19 casas de bombas em funcionamento hoje – as novas estruturas terão capacidade para dar vazão a uma quantidade até seis vezes maior de água e serão dotadas de geradores elétricos – um terço das casas de bomba não funcionou ontem por causa de quedas no fornecimento de energia.

As galerias responsáveis por recolher a água são outra vergonha porto-alegrense. A Avenida Padre Cacique, por exemplo, vira um lago a cada chuva porque a tubulação para escoar a água dos morros próximos tem apenas 80 centímetros de diâmetro. Há esperança para a região. Como parte das obras para a Copa de 2014, estão sendo instaladas galerias com 3m50cm por 2m20cm.

Para o doutor em Hidrologia e coordenador do Núcleo de Águas Urbanas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Joel Goldenfum, avanços na infraestrutura dependem de “vontade política”:

– É possível resolver. É uma questão de vontade política. Sempre haverá chuvas excepcionais, o que não pode é qualquer chuva frequente alagar.


Sem mudança antes de 2016

Enquanto os porto-alegrenses sofrem a cada chuva intensa, as autoridades demoram para levar adiante projetos que, se não resolvem o problema, têm condições de amenizar as enxurradas e evitar o caos no trânsito. Os R$ 86 milhões necessários para renovar 14 das 19 casas de bombas existentes na Capital estão disponíveis desde dezembro passado no Ministério das Cidades, a fundo perdido (sem necessidade de reembolso), só que não há projetos aprovados.

A alegação do Departamento de Esgotos Pluviais (DEP) é que as obras são complexas. Existe a promessa de uma licitação em janeiro ou fevereiro de 2014. Em até três anos, no entanto, o novo sistema não deve entrar em funcionamento.

– Vamos conviver com enchentes até 2016, pelo menos. Não vou abrir mão de técnica e preço. Isso deve ser feito por empresas especializadas que estudem o terreno, o solo e os cálculos – alega o diretor Tarso Boelter.

As mudanças nas casas de bombas podem evitar, por exemplo, que elas parem de funcionar quando houver queda de energia elétrica, o que aconteceu ontem em seis delas.

Com geradores próprios, as estruturas enfrentariam melhor uma tempestade. Além disso, poços de armazenamento maiores e uma vazão mais potente serão decisivos para frear enxurradas em precipitações não tão fortes. Mesmo assim, o professor Joel Goldenfun, coordenador do núcleo de Águas Urbanas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), alerta que as medidas são insuficientes:

– Há muitos outros elementos dentro do Plano Diretor de Drenagem Urbana, é todo um sistema que está previsto. Resolver não é complicado, requer um plano urbanístico.

Por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) de prevenção contra desastres naturais, a prefeitura foi contemplada com R$ 237 milhões. A verba abrange as novas casas de bombas e alterações nas bacias dos arroios Areia (Humaitá), Moinho (Partenon) e Guabiroba (Zona Sul).

MAURICIO TONETTO



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