Este Blog retratará o descaso com a Defesa Civil no Brasil; a falta de políticas específicas; o sucateamento dos Corpos de Bombeiros; os salários baixos; a legislação ambiental benevolente; a negligência na fiscalização; os desvios de donativos e recursos; os saques; a corrupção; a improbidade; o crime organizado e a inoperância dos instrumentos de prevenção, controle e contenção. Resta o sofrimento das comunidades atingidas, a solidariedade consciente e o heroísmo daqueles que arriscam a vida e suportam salários miseráveis e péssimas condições de trabalho no enfrentamento das calamidades e sinistros que assolam o povo brasileiro.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

CHORO DOS PERDEDORES


ZERO HORA 05 de junho de 2013 | N° 17453

ARTIGOS


 Joel Dutra*



Em 27/01/2013, uma tragédia, que ao longo dos dias iria deixar 242 mortos e centenas de feridos, assolou Santa Maria. No exato instante em que o fogo se alastrou na espuma e o pânico tomou conta do ambiente, começou o choro dos perdedores daqueles que perderam a vida (sim, muitos choraram antes de morrer), dos que saíram com mutilações e deformidades e dos que sobreviveram sem ferimentos.

O choro dos perdedores não parou. Minutos depois, as lágrimas se esparramaram entre parentes e amigos daqueles que estavam na boate Kiss. Os telefones buscavam respostas para o desespero, mas o silêncio foi aterrador: para muitos, não havia mais voz, não havia mais força, não havia mais vida. Só dor, e choro. Dos perdedores.

Amanheceu o dia. Santa Maria começou a perceber a extensão da tragédia e o choro, como que uma peste que se abate sobre os miseráveis, se alastrou pelo coração do Rio Grande, atingindo a quem sequer conhecia quem estava dentro da boa-te. Em poucas horas, muitas cidades choravam seus mortos e feridos, afinal, também lá havia perdedores. O Brasil e o mundo voltaram seus olhos, cheios de lágrimas, para Santa Maria, irmanados na dor da perda de tantos filhos, arrancados da vida pela ganância e desprezo de alguns poucos que buscavam na ânsia de viver da juventude o lucro e a riqueza acima de tudo.

Dia seguinte, os principais responsáveis pela tragédia começam também a perder, pois suas liberdades foram restringidas. Imagina-se que também começaram a chorar, já que perder a liberdade, longe de perder a vida, também dói. No correr dos dias, constatada a estreita relação entre as mortes e a ganância, o choro foi mais intenso. Uma autoridade expõe sua dor ao mundo e anuncia que se permitiu chorar (não que as demais autoridades não chorassem).

Alguns poucos, talvez, não tenham chorado, insensíveis à dor e à perda de bens tão preciosos. Então, alheios ao sentimento do mundo, dizem que a liberdade é maior que a vida, e, assim, são eles libertados. As lágrimas, antes contidas junto ao ombro amigo, ao túmulo daquele que havia sido assassinado, na lembrança do amigo, do parente que tão estupidamente foi arrancado do mundo, volta agora com toda a força e faz reviver a morte, a perda, e a dor que se faz tão intensa quanto no primeiro dia. Os gritos de revolta ecoam e, mais uma vez, Santa Maria agoniza, chora e clama por justiça.

Um sábio declara: isto é choro de perdedor. Absoluta sabedoria: todos aqueles que perderam (imagina-se que o sábio que proferiu a expressão esteja se incluindo no rol de perdedores, pois vive neste planeta e é pai), quando centenas de seres humanos morreram ou sobreviveram como vítimas da ganância e do desprezo pela vida, não podem deixar de chorar quando veem que os responsáveis estão livres. E livres, ou porque não são perigosos e não representam risco à ordem pública, ou porque não há mais clamor ou risco à instrução – afinal, é absurdo se imaginar que vão fugir da punição pelo que fizeram, já que 242 mortes não é nada, absolutamente nada, diante da liberdade de quem mata por dinheiro.

*PROMOTOR DE JUSTIÇA EM SANTA MARIA

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