SANTA MARIA
Adivulgação de gravações que comprometeriam a idoneidade da CPI que investiga a participação de servidores públicos no incêndio da boate Kiss – que matou 242 pessoas no dia 27 de janeiro – foi o combustível para uma manifestação que colocou os vereadores de Santa Maria contra a parede. As gravações indicariam a tentativa de proteger o governo de Cezar Schirmer (leia quadro ao lado). O descontentamento em relação aos rumos do trabalho da comissão que apura as responsabilidades pela maior tragédia gaúcha resultou na ocupação do prédio da Câmara Municipal, um ato que até o final da noite de ontem ultrapassava 30 horas.
Os cerca de 1,1 manifestantes que ocuparam o prédio a partir das 16h30min de terça-feira apresentaram demandas como a saída do procurador jurídico da Câmara, Robson Zinn, a destituição da CPI e a renúncia dos três vereadores que integram a comissão. Ontem, durante todo o dia, foram feitas inúmeras reuniões entre representantes dos partidos e os próprios vereadores. Com o passar das horas e a crescente insatisfação do grupo que ocupava o plenário, a tentativa de união entre as siglas foi por água abaixo.
Marcelo Bisogno (PDT), presidente da Casa, tentou, inúmeras vezes, articular uma solução. Ele revelou que a destituição da CPI era algo impossível de ser feito. A CPI – formada por Maria de Lourdes Castro (PMDB), Sandra Rebelato (PP) e Dr. Tavores (DEM), todos da base governista – emitiu nota informando que só se manifestaria sobre o assunto depois da desocupação do prédio.
A madrugada de vigilância, feita por um grupo de mais de 300 pessoas (a maioria jovens e alguns parentes ligados às vítimas da tragédia da Kiss), se estendeu ao longo de quarta-feira. Durante todo o dia, a massa entoava palavras de ordem e cânticos de ironia à administração do prefeito Cezar Schirmer e à CPI.
Durante a madrugada, o Plenário virou dormitório. As mesas dos vereadores e da presidência da Casa serviram de camas. No começo da manhã, o plenário dava espaço ao refeitório. No hall do prédio, três cafeteiras e muitas térmicas de café – além de pães, margarina, queijo e mortadela – eram servidos aos ativistas. No segundo andar, no plenarinho da Casa, integrantes da Guarda Municipal também faziam uma pausa para o lanche. O cardápio era o mesmo: pães, margarina, queijo e mortadela. Para beber, refrigerante e café com leite.
O almoço dos manifestantes reprisou o café da manhã, porém, com mais fartura. No começo da tarde, um grupo de ativistas varreu o plenário em alusão “à sujeira da Câmara e da CPI”.
Excessos também foram registrados. No banheiro, era possível ver símbolos do anarquismo e palavras de ordem pichados nas paredes. O vandalismo se estendeu também para a fachada da Casa. Uma cruz, fixada dentro do plenário do Parlamento, foi retirada por manifestantes.
Nova gravação acirrou ânimos
No final da tarde de ontem, integrantes de movimentos divulgaram um novo áudio em que parentes das vítimas estão conversando com o vereador Tavores Fernandes – membro da CPI – e um assessor de seu gabinete. Por 15 minutos, os mais de 300 manifestantes que permaneciam no local escutaram a gravação, em silêncio, por meio de um alto-falante improvisado.
Conforme o presidente da associação dos familiares das vítimas, Adherbal Alves Ferreira, a gravação deixa claro, por meio da declaração do assessor do parlamentar, que as demais vereadoras – Sandra Rebelato e Maria de Lourdes Castro – sabiam que a CPI “não poderia dar em nada”. Os manifestantes pediram a renúncia dos 11 parlamentares que assinaram a criação da comissão. As gravações serão encaminhadas a Polícia Civil e ao Ministério Público.
“Ela pediu (alertou) que não podia dar em nada (a CPI), porque chegaria não sei onde”.
O assessor referiu-se a uma suposta declaração de Sandra Rebelato (PP), em relação à condução da CPI, que poderia acabar atingindo o gestão de Schirmer.
“Vai chegar no final (...), o custo político vai ser muito grande”.
O assessor projetou que, quando a CPI terminar, dependendo dos rumos da investigação, o custo político para o governo municipal poderia ser grande
“Vamos jogando porque vai chegar no Mânica (referindo-se ao secretário de Relações de Governo e Comunicação, Giovani Mânica), e chegando no Mânica, vai chegar no prefeito”.
A parlamentar referia-se a uma suposta declaração de Sandra Rebelato, que teria dito, no início da CPI, que a comissão deveria ter cuidado na condução do trabalho para evitar que a imagem da prefeitura fosse atingida.
“Se for para (sic) o prefeito, azar o dele. Ninguém mandou se cercar de gente incompetente (...) Pra mim, chega!”
A vereadora demonstra insatisfação com os rumos da CPI e questiona a falta de ação do procurador-jurídico da Câmara, Robson Zinn (que também é presidente do PMDB municipal), em “segurar” os ímpetos de Sandra.
“Vocês já pensaram o que vamos perguntar para essas pessoas?”
Maria de Lourdes se referia à convocação de pessoas inicialmente não previstas para depor na CPI.
“Ela defere (os pedidos da oposição de convocação de depoentes) e fica ela de boazinha. Não! Ela é muito safada, gente!”
Para a vereadora, Sandra estaria aceitando pedidos de convocação de depoentes não previstos pela comissão.
“O pior de tudo da Sandra é que ela dá o tapa e esconde a mão”.
Maria de Lourdes critica suposta postura ambígua de Sandra na CPI.
LEANDRO BELLES | SANTA MARIA
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