Este Blog retratará o descaso com a Defesa Civil no Brasil; a falta de políticas específicas; o sucateamento dos Corpos de Bombeiros; os salários baixos; a legislação ambiental benevolente; a negligência na fiscalização; os desvios de donativos e recursos; os saques; a corrupção; a improbidade; o crime organizado e a inoperância dos instrumentos de prevenção, controle e contenção. Resta o sofrimento das comunidades atingidas, a solidariedade consciente e o heroísmo daqueles que arriscam a vida e suportam salários miseráveis e péssimas condições de trabalho no enfrentamento das calamidades e sinistros que assolam o povo brasileiro.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

ANTES DE TUDO, A PREVENÇÃO

ZERO HORA 27 de janeiro de 2014 | N° 17686

HELOISA ARUTH STURM | SANTA MARIA

KISS UM ANO



Congresso que reuniu especialistas em segurança em Santa Maria terminou com discussão entre familiares de vítimas e representante do MP em razão do arquivamento de processo contra servidores públicos

Terminou em bate-boca o segundo dia do congresso organizado em Santa Maria para lembrar as 242 mortes no incêndio da boate Kiss. Na noite de ontem, um grupo de familiares de vítimas discutiu com o subprocurador-geral de Justiça para Assuntos Institucionais do MP, Marcelo Dornelles, ao questionar o motivo do arquivamento do processo de improbidade administrativa contra servidores da prefeitura. Alguns pais mais exaltados interromperam a fala dos palestrantes para se manifestar e pedir por justiça.

No último painel do dia, que debateu a atuação da Polícia Civil, de advogados e procuradores no caso, Dornelles afirmou que a decisão foi tomada com base nas informações de que dispunham na época. O evento contou com a presença do delegado Marcelo Arigony – muito aplaudido pelo auditório por sua atuação à frente das investigações do caso –, do defensor público Andrei Melo e de três advogados da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria.

O primeiro congresso realizado em Santa Maria para lembrar as 242 vítimas do incêndio na boate Kiss definiu o foco que deverá ser seguido para evitar que tragédias como essa se repitam: a prevenção. Nos dois primeiros dias do I Congresso Internacional Novos Caminhos – A vida em transformação, palestrantes se dedicaram a apresentar propostas para a criação de grupos de pesquisa, conselhos e regulamentação de novas leis, de forma a colocar em prática as lições aprendidas com o incidente. O especialista em segurança J. Pedro Corrêa diz que, no país, ainda falta desenvolver uma cultura de segurança, prática já adotada em locais como Austrália, Nova Zelândia, Estados Unidos e Japão. Para isso, seria necessário criar conselhos municipais de segurança, com legislação específica sobre o assunto, e promover a inserção do tema nas salas de aula.

A participação de universidades é essencial, avalia Corrêa, para elaboração de um projeto que minimize a exposição a situações de risco e para ajudar num futuro mapeamento das cidades com objetivo de identificar e corrigir locais propícios a acidentes:

– É um esforço complicado, é do tamanho da dor de Santa Maria, por isso, indispensável. A ideia é que, daqui a cinco, 10 anos, Santa Maria não seja lembrada como a cidade do incêndio da boate Kiss, mas sim como a cidade que se reergueu das cinzas e se tornou mais segura para a comunidade.

Paulo Chaves de Araújo, coronel da reserva do Corpo de Bombeiros de São Paulo e idealizador do Brasil em Chamas, propôs a criação de um observatório para coletar e disponibilizar as informações sobre a segurança contra incêndio no país, identificando leis e regulamentações conflitantes, além de criar base de dados e indicadores capazes de subsidiar tomadas de decisões e políticas públicas. A programação do evento continua hoje. Um ato em homenagem às vítimas está marcado para ocorrer às 9h, no campus da UFSM.



Vigília pelas 242 vítimas

O branco uniu Santa Maria nas homenagens às vítimas da Kiss. A cor esteve presente em balões, flores, fitas, banners, roupas, vitrines, templos religiosos e casas – mas não abrandou os pedidos por justiça que deram o tom da maioria dos eventos programados por associações de familiares e sobreviventes.

A vigília que estava programada para atravessar a madrugada começou às 23h de ontem em dois pontos: na frente da boate e na barraca dos familiares montada na Praça Saldanha Marinho. A ideia dos pais era fazer a concentração nas proximidades da barraca e caminhar até a Rua dos Andradas.

No final da noite de ontem, cerca de 50 pessoas estavam na vigília. Por volta das 23h30min, um grupo começou a pintura de 242 silhuetas humanas em frente à Kiss (foto acima), em lembrança às vítimas do incêndio de 27 de janeiro de 2013.


ZERO HORA 27 de janeiro de 2014 | N° 17686

EDITORIAIS

O momento de esclarecer



Passado o primeiro ano da tragédia da boate Kiss, o doloroso episódio ainda carece de definições, especialmente no que se refere às responsabilidades. A dor das famílias, as manifestações de solidariedade e todos os movimentos no sentido de reparar o que aconteceu em Santa Maria somente terão algum sentido se pontos ainda obscuros forem finalmente analisados e julgados com bom senso. É inútil, para que se compreenda o que aconteceu e quais são as responsabilidades de cada envolvido, a insistência na explicitação de conflitos entre quem investigou, quem acusou e quem vai julgar. O que importa é que as famílias sejam pelo menos confortadas pela certeza de que todos fizeram o melhor para que o episódio não seja esquecido, para que sejam criados mecanismos preventivos eficientes e para que se afaste o risco de impunidade.

É nesse contexto que, entre outros aspectos, merece observação atenta das autoridades o resultado de sindicância conduzida por um grupo de policiais de Santa Maria. A tarefa dessa equipe foi, como bem define reportagem publicada hoje por Zero Hora, a de remontar um quebra-cabeça de exigências, documentos e formalidades que, desrespeitadas, contribuíram para o que ocorreu. Está reafirmado, agora de forma categórica, que a boate nunca cumpriu totalmente o que determinam as leis. O estabelecimento era o exemplo acabado de situa- ções que, infelizmente, repetem-se em todo o país, com a diferença de que nem sempre se traduzem em sinistros fatais.

Essa é uma das principais lições que as investigações deixam aos que perseguem a verdade, para que nenhuma dúvida, em torno de questões essenciais, se mantenha depois das investigações e do veredicto da Justiça. A reportagem mostra como a negligência contagiou desde os donos da boate até os responsáveis pelas instituições que, em algum momento, poderiam ter impedido que a casa noturna continuasse funcionando. Chegou a hora do esclarecimento integral, a partir dessa e de outras conclusões, como exigência de todos, e não só dos familiares dos jovens mortos e feridos.

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