Este Blog retratará o descaso com a Defesa Civil no Brasil; a falta de políticas específicas; o sucateamento dos Corpos de Bombeiros; os salários baixos; a legislação ambiental benevolente; a negligência na fiscalização; os desvios de donativos e recursos; os saques; a corrupção; a improbidade; o crime organizado e a inoperância dos instrumentos de prevenção, controle e contenção. Resta o sofrimento das comunidades atingidas, a solidariedade consciente e o heroísmo daqueles que arriscam a vida e suportam salários miseráveis e péssimas condições de trabalho no enfrentamento das calamidades e sinistros que assolam o povo brasileiro.

domingo, 26 de janeiro de 2014

JORNALISMO, MEMÓRIA, COMPROMISSO

ZERO HORA 26 de janeiro de 2014 | N° 17685


CARTA DO EDITOR | NILSON VARGAS





No dia 28 de dezembro, quando eu chegava a Santa Maria numa entre muitas viagens para rever familiares, rádios anunciavam, um a um, os nomes dos aprovados na UFSM. Já descrevi em Zero Hora, em artigo publicado logo após a tragédia da Kiss, o ritual em que a cidade confere pelo rádio a lista dos “bixos” da Federal, uma conquista para os jovens e uma honra para as famílias.

Ao ouvir o listão, pensei nos pais e mães que perderam filhos na Kiss. Muitos dos 242 mortos eram universitários, formandos, vestibulandos, uma gurizada que teve a vida interrompida num enredo de horror. É um movimento circular para quem tem ligação com a cidade: em algum momento, por algum motivo, em alguma esquina, a tragédia vem à memória. Esquecer não depende só da vontade.

No instante seguinte, pensei no trabalho que uma equipe de jornalistas de ZH já começara a fazer e que está publicado nesta edição e em zerohora.com. Boa parte dessa equipe aparece na foto acima. Refleti sobre a complexidade de voltar a tocar num tema tão sensível, sobre a necessidade de manter – como temos procurado fazer desde o trágico 27 de janeiro de 2013 – o máximo respeito pela dor de tantas pessoas, sobre a missão confiada à imprensa naquele episódio repleto de cenas tristes.

Jornalistas precisam investigar. Não somos policiais, donos da verdade, justiceiros. Cruzamos dados, ouvimos pessoas, mergulhamos em histórias, revelamos, duvidamos. Nem sempre isso é simpático, muitas vezes requer uma insistência que incomoda, faz-nos um tanto obsessivos. Mas é nosso compromisso com o público.

Jornalistas são, também, zeladores da memória de uma comunidade, de uma época. Com seus escritos, imagens e falas, cuidam de uma espécie de rascunho, depois lapidado e perenizado por historiadores e outros especialistas. Um rascunho com o máximo de precisão para dar suporte a quem acessa nossos conteúdos hoje ou daqui a décadas.

É destas missões que se ocuparam por muitas semanas os colegas da foto. Não foi simples, em diversos momentos foi doloroso. Eu e muitos dos rostos compenetrados da imagem voltamos a nos emocionar e a chorar com as histórias, a saudade, a dor, a resiliência, a capacidade de superação de tantas pessoas. No papel, a reportagem das páginas 23 a 46 ganhou estilo de um livro, dividida em capítulos, com texto denso. Um formato que ajuda a reforçar o sentido documental do que produzimos. Um ano depois, revisitamos a tragédia da Kiss para recordar fatos e personagens, adicionar novas informações e reforçar um compromisso resumido em duas palavras: não esquecemos. Ainda há o que contar, o que investigar, ainda há um vazio na apuração de responsabilidades pela tragédia. Por isso, não esquecemos.

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