Este Blog retratará o descaso com a Defesa Civil no Brasil; a falta de políticas específicas; o sucateamento dos Corpos de Bombeiros; os salários baixos; a legislação ambiental benevolente; a negligência na fiscalização; os desvios de donativos e recursos; os saques; a corrupção; a improbidade; o crime organizado e a inoperância dos instrumentos de prevenção, controle e contenção. Resta o sofrimento das comunidades atingidas, a solidariedade consciente e o heroísmo daqueles que arriscam a vida e suportam salários miseráveis e péssimas condições de trabalho no enfrentamento das calamidades e sinistros que assolam o povo brasileiro.

domingo, 15 de janeiro de 2012

SECA NO RIO GRANDE DO SUL - O ESTADO MAIS ATRASADO

REPORTAGEM ESPECIAL. “Somos o Estado mais atrasado”. André Luiz Lopes da Silveira, doutor em recursos hídricos. "Os problemas vão se repetir e seus reflexos serão cada vez piores. A tendência é de que muita gente desista da atividade agrícola, e então teremos um empobrecimento geral." - ZERO HORA 15/01/2012

Para o diretor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o hidrólogo André Luiz Lopes da Silveira, o Estado é hoje o mais atrasado do Brasil quando o assunto é gerenciamento de recursos hídricos. Confira a entrevista:

Zero Hora – O Rio Grande do Sul tem uma política de recursos hídricos?

André Silveira – Não. Fomos o Estado pioneiro e mais avançado na área. Hoje, somos o Estado mais atrasado do país. O fato é que não temos política, não temos um plano, não sabemos que intervenções fazer em cada bacia hidrográfica. Tudo é pontual. Tudo se resolve na base da emergência.

ZH – Por quê?

Silveira – Existem duas visões: ou somos incompetentes para resolver o problema ou não interessa resolver. Temos os comitês de gerenciamento de bacias mais antigos do Brasil e a lei mais antiga, mas não fomos adiante. Involuímos. Não conseguimos fazer funcionar e até hoje não temos sequer um plano estadual de recursos hídricos.

ZH – Qual é a importância do plano?

Silveira – É a base para uma política estratégica, de médio e longo prazo, que realmente resolva os problemas. O plano é fundamental, porque mostra um caminho. Diz por que uma barragem é melhor aqui e não lá. Regula o uso da água e, mesmo com mudanças de governo, as diretrizes básicas não mudam.

ZH – Por que o plano não avança?

Silveira – As pessoas só se interessam pela questão na emergência, quando é manchete de jornal. Quando alivia a seca, tudo passa. Na prevenção, não tem manchete. Então, não há interesse dos políticos. É uma ação lenta, que envolve comprometimento, e os resultados não são imediatos.

ZH - As estiagens estão ficando mais rigorosas?

Silveira - Aqui, não falta água. Aqui chove mais do que o dobro do que na Europa e nos Estados Unidos. Só que não sabemos armazenar. Esse é o problema.

ZH – Se nada for feito, o que pode acontecer?

Silveira – Os problemas vão se repetir e seus reflexos serão cada vez piores. A tendência é que muita gente desista da atividade agrícola, e então teremos um empobrecimento geral.

Uma cultura enraizada no Nordeste

O romance O Gaúcho, do cearense José de Alencar, é conhecido como a certidão de nascimento da expressão “centauro dos pampas”. Menos lembrado é o fato de que, para Alencar, o Brasil não era dividido em cinco regiões, mas em duas: Norte e Sul. Cada uma tinha uma alma própria, que a natureza infundia em seus habitantes. No extremo meridional, o ambiente generoso teria permitido o surgimento de seres quase mitológicos: “O coração, fê-lo a natureza franco e descortinado como a vasta coxilha”.

Alencar sugere que, entre os fatores benignos da terra sulina, está a abundância de água. Das 941 palavras que emprega para descrever o pampa rio-grandense no primeiro capítulo de O Gaúcho, 28 são relacionadas a mar, oceano ou rio.

Assumido com orgulho, o “centauro dos pampas” só começou a ser questionado nos anos 1930, quando escritores como Cyro Martins e Erico Verissimo começaram a retratar os pobres do campo, os escravos e os imigrantes. O pressuposto que, para Alencar, era inseparável da figura do centauro – o de que o Rio Grande era uma terra pródiga, o celeiro do Brasil, que brindaria seus habitantes com recursos ilimitados –, foi menos desafiado no âmbito da cultura e da arte. O frio extremo e o calor sufocante, as cheias e a estiagem, a geada e os temporais dificilmente são retratados como adversários.

– Como brasileiros tardios, nosso problema sempre foi o de como nos inserir na nação brasileira. Nosso espaço nesse imaginário não é o de terra seca, onde as culturas não vingam, mas, pelo contrário, o de natureza grandiosa, de modo a completar uma paisagem humana também excepcional – diz Pedro Brum Santos, professor de literatura da UFSM.

No caso do Nordeste, a seca teria cumprido um papel no sentido inverso: permitir que uma região em decadência recuperasse prestígio por meio de verbas, obras e cargos. Professor de história da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Durval Muniz Albuquerque Júnior afirma que existe um “discurso da seca”, do qual romances como A Bagaceira, de José Américo de Almeida, e Vidas Secas, de Graciliano Ramos, filmes como Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha, e canções como Asa Branca, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, seriam tributários. A elite nordestina teria transformado uma condição climática milenar (estudos apontam que a pluviosidade anômala do sertão data de 7 mil anos) em explicação para as dificuldades da região.

– A seca é a mãe do Nordeste. O conceito de Nordeste aparece no final da década de 1910. O primeiro argumento é de que se trata de uma área distinta justamente pela ocorrência periódica de secas. Mais tarde, surge a ideia de que se trata também de uma área culturalmente distinta. O Nordeste seria a mais brasileira das regiões – afirma Albuquerque.

Seca atual já supera à de 2005

Os dados apenas confirmam o sentimento do homem do campo nas regiões castigadas pela falta de chuva no Estado.

A seca que se iniciou em novembro, atravessou dezembro e entra em janeiro é até agora mais severa em comparação com a que arrasou as lavouras de soja e milho na safra 2004/2005.

Nem a precipitação dos últimos dias foi capaz de emparelhar o confronto com os índices de sete anos atrás, quando o efeito em cadeia da devastação no meio rural fez o PIB gaúcho amargar um tombo histórico de 2,8%. Cotejando os números dos dois períodos de 10 cidades espalhadas pelo Rio Grande do Sul entre 1º de novembro e 10 de janeiro, o coordenador do 8° Distrito de Meteorologia do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), Solismar Prestes, mostrou o drama dos gaúchos.

– Neste mesmo intervalo de 2004/2005, nestes 10 locais choveu o equivalente a 78,8% no normal. Agora, baixa para 50,42%. Mesmo com estas chuvas dos últimos dias não chega a 60% – diz Prestes.

Um levantamento semelhante transformado em um mapa da chuva – ou da seca – pelo Centro Estadual de Meteorologia (Cemet) com as precipitações até as 10h de sexta-feira atesta a constatação do Inmet.

Apesar da comparação macabra com a seca que causou os maiores prejuízos econômicos contabilizados até hoje no Estado, os meteorologistas se apressam em avisar que não há motivo para pânico. Se os prognósticos estiverem certos, o horizonte das próximas semanas é de melhores chances de chuva ante o mesmo período de 2005. Lá atrás, o mês mais abrasador, com chuvas equivalentes a apenas 42% da média, foi fevereiro, justamente o período mais crítico para a lavoura de soja. O resultado foi que a safra do grão que puxa o agronegócio gaúcho minguou para apenas 2,44 milhões de toneladas – quase cinco vezes menor do que ano anterior.

O meteorologista Flávio Varone, do Cemet, vinculado à Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro), avisa que há boas chances de a chuva voltar até o final do mês, pelo menos às principais regiões produtoras de grãos.

Fevereiro apresenta perspectivas um pouco melhores. No norte gaúcho, as chuvas tendem a ser normais. Em uma faixa próxima ao centro do Estado, um pouco abaixo da média. E no Sul, a previsão mais otimista é de precipitações iguais à metade do normal.


Na história

1917-1918: chuva abaixo da média entre outubro e dezembro. Em Porto Alegre, foi até fevereiro;

1924-1925: precipitações inferiores ao normal ocorreram entre outubro e dezembro;

1942-1943: considerada a seca mais severa desde o início dos registros oficiais até hoje, embora não exista cálculo de prejuízos econômicos. Período crítico foi de novembro a fevereiro. Entre novembro e dezembro choveu 18% da média;

1985-1986: chuva abaixo da média entre outubro a dezembro. Safra de soja baixou de 5,7 milhões de toneladas para 3,2 milhões de toneladas;

1990-1991: seca de janeiro a fevereiro. Safra de soja caiu de 6,3 milhões de toneladas para 2,2 milhões de toneladas;

2001-2002: foram registadas precipitações inferiores ao normal entre novembro e fevereiro;

2003-2004: entre janeiro e fevereiro, chuva não alcançou 60% da média. Produção de soja cai de 9,5 milhões de toneladas para 5,5 milhões de toneladas;

2004-2005: considerada a seca com os maiores prejuízos financeiros registrados até hoje, embora não tenha sido a mais severa. Entre dezembro e fevereiro, choveu a metade do normal. O resultado foi uma queda do PIB gaúcho de 2,8%, enquanto o Brasil cresceu 2,3%

Fonte: Inmet

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