Este Blog retratará o descaso com a Defesa Civil no Brasil; a falta de políticas específicas; o sucateamento dos Corpos de Bombeiros; os salários baixos; a legislação ambiental benevolente; a negligência na fiscalização; os desvios de donativos e recursos; os saques; a corrupção; a improbidade; o crime organizado e a inoperância dos instrumentos de prevenção, controle e contenção. Resta o sofrimento das comunidades atingidas, a solidariedade consciente e o heroísmo daqueles que arriscam a vida e suportam salários miseráveis e péssimas condições de trabalho no enfrentamento das calamidades e sinistros que assolam o povo brasileiro.

quarta-feira, 31 de julho de 2013

O LÍDER QUE SANTA MARIA ELEGEU

ZERO HORA 31 de julho de 2013 | N° 17508

SANTA MARIA 27/01/2013

“Sou o líder que a cidade elegeu”. Cezar Schirmer Prefeito de Santa Maria


O prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (PMDB), falou ontem ao Diário de Santa Maria, por duas horas, em seu gabinete, sobre as polêmicas envolvendo sua gestão desde a tragédia da boate Kiss. Não escondeu um certo ressentimento quanto às críticas que recebeu desde o incêndio e ao fato de ter ficado no terceiro lugar na lista dos responsáveis pela tragédia (citado por 68% dos entrevistados, e isentado de responsabilidade por 27,8%), conforme pesquisa do Instituto Methodus encomendada pelo Grupo RBS e publicada no último fim de semana. Na entrevista, o prefeito prometeu exercer o mandato até o final. Após a conversa, Schirmer andou pela Avenida Rio Branco. Foi abordado por 10 pessoas – duas fizeram pedidos e outras apenas cumprimentaram o prefeito, que foi simpático e atencioso.

Leia trechos da entrevista

Pergunta – Como homem que responde pela prefeitura, hoje, o senhor sente que poderia ter feito algo antes da tragédia da Kiss?

Cezar Schirmer – Eu asseguro que a prefeitura cumpriu rigorosamente as leis. Houve fiscalização? Houve. Houve as exigências dos documentos estabelecidos pela lei na instalação da boate? Houve. Houve medidas no sentido de coibir algum abuso, um ou outro atraso? Houve. Está tudo nos documentos já fornecidos à imprensa, à polícia, ao Ministério Público ou ao Judiciário.

Pergunta – O senhor se arrepende de algo que disse ou fez depois da tragédia?

Schirmer – Eu falei pouco, depois da tragédia. Como prefeito, tinha a responsabilidade de acalmar os ânimos, de não polemizar. Confesso que tive muita vontade de falar, e silenciei porque achei que a minha contribuição naquele momento era o silêncio, para não estimular o conflito. Do ponto de vista pessoal, eu, Cezar Schirmer, preservando o meu interesse, o meu nome, devia ter falado muito mais. Agora, como prefeito, agi corretamente, não me arrependo.

Pergunta – O arquiteto Rafael Escobar, do Escritório da Cidade, exigiu 29 modificações de segurança para adequar o prédio onde havia um pré-vestibular para instalar uma boate. Graças a normas legais, a Kiss recebeu alvará e licença de funcionamento mesmo sem ter aprovado tal projeto. A prefeitura em nada contribuiu para o incêndio?

Schirmer – Quem trata de incêndio é o Corpo de Bombeiros. A prefeitura não tem nenhuma inserção nesse processo. Sobre o que disse o servidor da prefeitura, tem de esclarecer: uma questão é a obra, e quem trata é a Secretaria de Mobilidade Urbana. Aí apresenta o projeto técnico, planta, enfim. Isso é examinado e depois tem o habite-se. Outra questão é o uso econômico daquela obra. Você tem um espaço construído, e cada vez que muda o destino daquele local, é um procedimento relativo ao uso econômico do imóvel. Ali se exige alvará do bombeiro, e, dependendo, alvará sanitário, licença ambiental, documentos etc. E isso tem sido feito. No caso da obra da Kiss, as exigências para o uso econômico daquele espaço foram cumpridas.

Pergunta – Como avalia ter ficado em terceiro (68%) na lista de responsáveis?

Schirmer – Uma frase, que não é minha, diz: uma mentira muitas vezes dita passa a ser verdade. Então, não foram poucos os que, por razões diferentes, martelavam sempre nessa questão. Eu repito: a prefeitura de Santa Maria não contribuiu para que isso tenha ocorrido. O tempo é o senhor da razão. Tenho absoluta convicção que o tempo vai repor essas questões todas no devido lugar.

Pergunta – A postura que o senhor adotou logo após a tragédia – uma postura de advogado de defesa da prefeitura, afirmando, por exemplo, que a responsabilidade era do Corpo de Bombeiros – pegou mal em boa parte da comunidade. Hoje, o senhor avalia que foi uma postura equivocada?

Schirmer – Nunca falei isso. O que disse era que a prefeitura não tinha responsabilidade. E, obviamente, se se exige um alvará de Bombeiros, posso falar do alvará dos Bombeiros. Do ponto de vista pessoal, devia ter falado mais, mas como prefeito agi corretamente.

Pergunta – O governador Tarso Genro afastou o comandante local dos Bombeiros assim que o nome dele surgiu na investigação da Polícia. E a pesquisa mostra que mais pessoas o tiram do rol de responsáveis (49,5%) do que o incluem (43,8%). Na finalização do inquérito da Polícia, o senhor se limitou a dizer que analisaria a situação caso algum dos secretários indiciados – Miguel Passini e Luiz Alberto Carvalho Júnior – colocasse o cargo à disposição. O senhor acha que essa postura, de cortar na carne, ajudou a tirar o governador do rol de responsáveis?

Schirmer – Ainda achei alto o percentual de responsabilização do governador. Por que, afinal de contas, achar que o governador é responsável? Ele está lá em Porto Alegre. Achar que alguém ou alguma pessoa de uma cidade do Interior cometeu algo inadequado é achar que um prefeito saiba tudo que acontece numa prefeitura. É claro que não sabe. Agora, no caso da boate, eu avaliei os documentos e percebi que não havia nenhuma responsabilidade dos secretários e servidores, foi a minha compreensão.

Pergunta – A cidade não se ressente da falta de um líder, alguém que faça convergir os esforços de recuperação? O senhor se acha em condições de fazer isso ou já passou pela sua cabeça renunciar, abrir mão de governar Santa Maria até dezembro de 2016?

Schirmer – Vou governar até o fim. Sou o líder que a cidade elegeu e me sinto apto a cumprir as funções desejadas. Porém, repito que vivemos um momento especial e que temos de olhar para a frente.

Pergunta – O senhor pretende concorrer novamente? Acha que tem chance de ganhar nas urnas? Qual deverá ser o seu futuro político?

Schirmer – A RBS gosta de me fazer essa pergunta. Vocês querem saber o que vou fazer daqui a 3,5 anos. Duvido que a maioria das pessoas saiba o que vai fazer daqui a três meses. Quero, sim, terminar o meu mandato, e bem. Cumprir meus propósitos e fazer um governo melhor do que o primeiro, apesar de tudo.

Pergunta – Em entrevista recente, publicada pelo jornal O Globo, é creditada ao senhor uma declaração sobre os enterros de vítimas ricas (“Não vou pagar enterro para rico”) que gerou polêmica.

Schirmer – A frase tal qual publicada não foi dita. Eu estava reunido no meu gabinete e o meu assessor disse que tinha um jornalista do O Globo ao telefone dizendo que a prefeitura tinha recebido R$ 300 mil do governo federal para pagar funerais e não tinha feito nada. Eu falei com o jornalista e disse que não veio nenhum recurso. Falei que nós fizemos um acordo com as funerárias, em que se estabeleceu um limite de R$ 2,5 mil para aqueles que quisessem. Era um valor médio de sepultamento, e acima disso não podemos pagar. Sempre pagamos para pessoas pobres. Agora, a prefeitura não pode pagar funerais para pessoas de posses. Porém, uma frase não dita, tirada de contexto, ficou perdida, parecendo uma insensibilidade minha.

Pergunta – Esse tipo de episódio lhe deixa chateado?

Schirmer – Não, mas agora vou tomar mais cautela. Vou responder por e-mail as perguntas e ser obrigado a mudar a relação com a imprensa.

TICIANA FONTANA

terça-feira, 30 de julho de 2013

SENTIMENTO DE INJUSTIÇA RETARDA LUTO

ZERO HORA 29 de julho de 2013 | N° 17506

SANTA MARIA, 27/01/2013


Mais do que revelar o sentimento de impunidade que domina Santa Maria seis meses após o incêndio da boate Kiss, a pesquisa realizada pelo Instituto Methodus sobre as percepções da população da cidade em relação à maior tragédia da história gaúcha emite outro alerta. Na avaliação de psicólogos e psicanalistas ouvidos por ZH, a sensação marcante de injustiça é um dos ingredientes que dificultam a elaboração do luto, retardando a superação coletiva.

Encomendado pelo Grupo RBS, o levantamento realizado com 600 moradores de Santa Maria mostrou que 57% deles não acreditam que será feita justiça e quase 62% deles discordam que todos os envolvidos estão respondendo judicialmente pelos erros cometidos. Para o psicanalista Robson de Freitas Pereira, membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre, reverter essa percepção é crucial para que a cidade consiga reagir.

– Luto é poder aceitar aquela perda. Se a Justiça não consegue oferecer uma resposta, dificulta ainda mais essa aceitação. A reconstrução da vida e da cidade passa pelo sentimento de que se está fazendo justiça – analisa.

Professor do curso de psicologia da Universidade Federal do Rio Grande (Furg) e um dos profissionais que trabalharam no centro de acolhimento às vítimas da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), o psicólogo Lucas Neiva-Silva concorda com a avaliação, chamando a atenção para o fato de que é necessário ir além da responsabilização dos culpados.

– Sentimento de justiça não é só a busca por responsáveis, é também a busca por mudanças efetivas nas políticas públicas. Não adianta só colocar a cabeça de alguém na bandeja, é preciso ações efetivas para garantir que aquilo nunca se repetirá, para que as mortes não sejam em vão – observa.

O estudo também mostrou que 91,7% dos entrevistados identificam a necessidade de reconstruir a autoestima da cidade. Na avaliação de Nelma Campos Aragon, responsável técnica pelo Instituto de Psicologia Social de Porto Alegre Pichon-Rivière, um dos caminhos seria apostar na arte, na música e na literatura como canais para extravasar a dor.

– Não é fazer de conta que nada aconteceu, é trabalhar essa dor, para falar dela de um outro jeito. É uma maneira de intensificar a vida através desses recursos, com reflexão – explica.

Recuperar a capacidade de sorrir e de celebrar a vida, apesar da dor, é um outro passo importante. Assim como a necessidade de viver o luto publicamente ainda é forte, o psicanalista Volnei Antonio Dassoler observa que as iniciativas de retomada da vida também são igualmente legítimas e devem ser respeitadas.

– Não podemos cultivar uma divisão entre a população como se tivéssemos de escolher um lado. Na verdade, estamos dentro e no meio disso tudo – reflete Dassoler, membro do comitê gestor do AcolheSaúde, serviço de apoio da Secretaria de Saúde de Santa Maria às vítimas do incêndio.

Na data em que se completaram seis meses da tragédia, cerca de 500 pessoas realizaram uma caminhada até a Catedral Metropolitana de Santa Maria para homenagear as vítimas. Vestidas com túnicas pretas, na noite de sábado, também levavam velas e soltaram um pombo branco, simbolizando os pedidos de paz e justiça.

LETÍCIA DUARTE



43 CASAS NOTURNAS TESTADAS NO RS


ZERO HORA 28 de julho de 2013 | N° 17505

SANTA MARIA, 27/01/2013

ZH testa 43 casas noturnas gaúchas. Seis meses depois da tragédia da Kiss, que matou 242 pessoas, levantamento em boates de nove municípios revela avanços e alertas em itens de prevenção contra incêndios



O drama da boate Kiss, incendiada em 27 de janeiro, não passou em branco. É o que mostra uma avaliação feita por Zero Hora em 43 casas noturnas, às vésperas de se completarem seis meses da tragédia ocorrida em Santa Maria.

Repórteres percorreram boates e bares de nove cidades do Rio Grande do Sul – Porto Alegre, Pelotas, Caxias do Sul, Santa Maria, Rio Grande, Passo Fundo, Santa Cruz do Sul, São Leopoldo e Novo Hamburgo –, na companhia de engenheiros especializados em prevenção de incêndio. Em todos os estabelecimentos, foram checados oito itens de segurança, divididos em risco grave, médio ou leve. Foram 344 pontos avaliados no check-list das casas noturnas.

A má notícia é que, entre os itens analisados, 115 estavam fora da recomendação feita pelos especialistas – ou seja, exatamente um terço da checagem mostrou algum tipo de falha. A boa notícia é que a maioria das falhas é leve (67 das 115), e menos de 10% dos itens vistoriados (30 dos 344) se mostraram perigosos a ponto de comprometer a segurança dos frequentadores.

Muitos dos proprietários admitiram ter feito reformas nas casas noturnas após o choque provocado pela tragédia em Santa Maria. Alguns se adequaram depois de receberem visita de fiscais municipais ou bombeiros. Outros se anteciparam à fiscalização e agiram por conta.

O certo é que o incêndio que matou 242 pessoas na Kiss assustou e estimulou os empresários da noite a incrementarem a segurança. De acordo com o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio Grande do Sul (Crea-RS), a busca por profissionais especializados na elaboração de Planos de Prevenção e Combate a Incêndio (PPCI) aumentou 160% no Estado .

– O que verificamos é que cresceu o número de Anotações de Responsabilidade Técnica (ARTs) emitidas. Quer dizer, (as casas noturnas) estão contratando profissionais – informa o presidente do Crea-RS, Luiz Alcides Capoani.

Conforme a entidade, o número de vistorias feitas por engenheiros em casas noturnas cresceu 256% em Novo Hamburgo, 216% em Alegrete, 200% em São Leopoldo e 160% em Santa Cruz do Sul. Na Capital, o incremento foi de 15%.

Casas do Interior estão adequadas

Os dois engenheiros do Crea-RS que visitaram 13 casas noturnas de Porto Alegre entre 18 e 20 de julho, acompanhando os jornalistas de ZH, concordam que a situação melhorou. Carlos Wengrover e Telmo Brentano entendem que a segurança foi reforçada, na comparação com anos anteriores.

– O pessoal está se enquadrando, houve uma conscientização bastante boa. Mas (as casas noturnas) ainda não chegaram no ideal e, se não houver fiscalização, (a situação) vai cair na gandaia – analisa Brentano.

Opinião semelhante têm os especialistas que acompanharam o Teste ZH no Interior. Em Santa Cruz do Sul, o engenheiro Luís Eduardo Leitão visitou as casas noturnas e concluiu que, em geral, elas estão adequadas à legislação: há saídas de emergência com barras antipânico, extintores de incêndio e iluminação de emergência em número conveniente para os espaços.

– A não ser uma ou outra situação pontual, como a saída de emergência ser em um ponto de acesso restrito (área VIP), podemos concluir que elas são seguras. A única questão ainda a levantar é se os funcionários estão preparados para uma emergência, para agir com calma e presteza, direcionando as pessoas para uma evacuação rápida e segura – pondera Leitão.

* Participaram desta reportagem Adriano Duarte, André Mags, Eduardo Rosa, Humberto Trezzi, Júlia Otero, João Vitor Novoa, Fernanda da Costa, Rafael Divério, Vanessa Kannenberg, Patric Chagas e Taís Seibt.

SÓ QUATRO PODEM ACABAR NA CADEIA

ZERO HORA 27 de julho de 2013 | N° 17504

SANTA MARIA, 27/03/2013


Nos meses seguintes ao incêndio na boate Kiss, o número de mortos em decorrência da fumaça e do fogo aumentou, mas a quantidade de pessoas sujeitas a punição pela tragédia diminuiu.

Ao longo do primeiro semestre da catástrofe, completado hoje, pelo menos 34 homens e mulheres chegaram a ser apontados como responsáveis em alguma medida pelo destino das vítimas. Hoje, apenas 18 ainda enfrentam alguma possibilidade de punição, e somente quatro podem acabar atrás das grades.

O afunilamento da busca por justiça ilustra por que familiares das vítimas acumularam frustrações nesse período. A conclusão do inquérito da Polícia Civil, em março, inflou a conta de possíveis culpados e a expectativa da população ao indiciar ou apontar 28 nomes. Um deles era o do prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer, mencionado por indício de homicídio culposo. Desde então, outras seis pessoas foram citadas por outros órgãos, mas quase a metade do total de responsabilizados, inclusive o prefeito, já se livrou de qualquer castigo.

Mesmo quem foi mantido no caminho de uma eventual punição está sujeito a penas que não conduzem ao cárcere, com exceção de quatro réus: dois sócios proprietários da boate, um músico e o produtor da banda Gurizada Fandangueira, sujeitos a penas iniciais de 12 a 30 anos de prisão por homicídio. Uma das razões para o rol de citações e indiciamentos haver minguado é que o Ministério Público encurtou a lista de nomes apresentados à Justiça – etapa posterior ao inquérito policial. Apenas na área criminal, por exemplo, os 16 indiciamentos iniciais foram reduzidos à metade.

Promotor de Justiça que atua no processo criminal da Kiss, Joel Dutra afirma que o MP buscou a penalização por homicídio de quem teve relação direta com a deflagração do incêndio e a espuma tóxica. O MP denunciou ainda outras quatro pessoas por delitos de menor importância: fraude processual e falso testemunho, que permitem suspensão do processo mediante acordo. A polícia, por sua vez, havia apontado também servidores municipais e bombeiros por homicídio em razão de supostas falhas na fiscalização.

– Apesar do clamor popular, não seria possível responsabilizar por homicídio com base em uma possível falha de fiscalização ocorrida em 2009 ou 2010 porque são fatos muito distantes entre si. Não se sustentaria mais adiante – argumenta Dutra.

O delegado que conduziu as investigações, Marcelo Arigony, reafirma sua linha de atuação.

– Não criticamos o trabalho de outras instituições, mas a gente fica um pouco frustrado por ver um número tão reduzido de denúncias. Houve uma diferença de entendimento em relação ao MP – analisa Arigony.

Correndo em paralelo, um Inquérito Policial Militar (IPM) indiciou oito bombeiros – mas por delitos secundários com penas que não exigem prisão em regime fechado por preverem no máximo três anos de detenção. O IPM está sob análise do MP e deve ser remetido à Justiça Militar em agosto. Quatro bombeiros ainda foram encaminhados à Justiça Comum por improbidade. Segundo a promotora de Justiça Ivanise Jann de Jesus, estão sujeitos a punições como perda da função pública e multa.

O prefeito Cezar Schirmer foi isentado de responsabilidade criminal por um pedido de arquivamento do processo feito pela Procuradoria de Prefeitos do MP e confirmado pelo Tribunal de Justiça.

– Não havia prova que apontasse ação ou omissão criminalmente relevante do prefeito, e não foi possível estabelecer teoricamente que conduta ele teria praticado que contribuísse efetivamente para o trágico evento – observa a coordenadora da Procuradoria de Prefeitos, procuradora de Justiça Eva de Carvalho.

Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara de Vereadores de Santa Maria apontou falhas administrativas, mas não responsabilizou nomes.

– Cabe à sociedade julgar os trabalhos da CPI. Mas, pela primeira vez, realizamos uma CPI no plenário principal da Casa, com transmissão integral pela TV Câmara – sustenta o presidente da Câmara, vereador Marcelo Bisogno (PDT), que também foi citado no inquérito da Polícia Civil por improbidade, mas não foi denunciado pelo MP.

Pelos próximos meses, o número de 242 vítimas da Kiss não será mais alterado. Resta saber como ficará a conta das responsabilizações pela tragédia.

MARCELO GONZATTO

BUSCA POR JUSTIÇA

ZERO HORA 27 de julho de 2013 | N° 17504

SANTA MARIA, 27/01/2013

Pronta para reagir e em busca de justiça



Passados seis meses do incêndio na boate Kiss, Santa Maria ainda é uma cidade em luto, dilacerada pelas mortes de 242 jovens e marcada pelo sentimento de impunidade. Mas também é uma cidade pronta para reagir e recomeçar. Na última semana, pesquisadores do Instituto Methodus saíram às ruas do município para saber como está e o que pensa a população sobre o desfecho da maior tragédia da história do Rio Grande do Sul.

Uma das principais conclusões aponta a percepção popular sobre quem, afinal, seriam os maiores responsáveis pelo episódio, independentemente do resultado das investigações.

Para a maior parte dos entrevistados, os mais citados foram os proprietários da casa noturna, seguidos do Corpo de Bombeiros e, em seguida, o prefeito Cezar Schirmer (PMDB), isentado pelo Ministério Público (MP). Na avaliação da maioria, eles seriam mais responsáveis pelo episódio do que integrantes da banda Gurizada Fandangueira e servidores municipais.

Seiscentos entrevistados participaram do levantamento – o primeiro desde a madrugada de 27 de janeiro – encomendado pelo Grupo RBS para aferir o que os santa-marienses pensam sobre o episódio meio ano depois. Durante o trabalho, os entrevistadores enfrentaram uma situação pouco comum em pesquisas de opinião.

– Todos ficaram impactados. Muita gente chorou ao falar. A cidade não voltou ao normal e, de um modo geral, tem a sensação de que não haverá punição adequada – relata Margrid Sauer, diretora de pesquisa instituto.

A conclusão se expressa em números: 61,9% dos participantes da enquete discordam de que todos os envolvidos estão respondendo judicialmente pelos erros cometidos, 57,5% não acreditam que será feita justiça e 52,2% questionam a isenção da CPI criada pela Câmara Municipal para investigar o caso. A avaliação reflete o clima de indignação na cidade.

Em abril, apenas metade dos 16 indiciados pela Polícia Civil foi denunciada pelo MP, desencadeando críticas na comunidade, que esperava mais implicados criminalmente no caso. Em maio, a decisão da Justiça de soltar os donos da Kiss e os músicos, presos desde janeiro, levou a novas manifestações de inconformidade. No dia 15 deste mês, em outra frente de investigação, um inquérito civil levou cinco meses para ficar pronto e isentou todos os nomes ligados à prefeitura, inclusive o de Schirmer – considerado responsável por 68% dos entrevistados. Apenas quatro envolvidos – dois proprietários e dois membros da banda – podem ir para a cadeia.

– Parece que a morte de 242 pessoas não valeu nada. Fica uma lacuna muito grande. Não estão tratando a sociedade com o respeito que merecia – afirmou, na ocasião, o presidente da Associação de Familiares de Vítimas e Sobreviventes, Adherbal Ferreira.

A revolta, a julgar pelos dados que agora vêm à tona, não se restringe a Ferreira ou àqueles que perderam amigos e parentes em função de uma cadeia de irresponsabilidades. Dos moradores ouvidos, sete em cada 10 tiveram perdas pessoais e 97,3% declararam que o drama afetou a vida de todas as famílias santa-marienses.

Se os percentuais são a prova de que as feridas continuam abertas, a boa notícia é que ainda há esperança. Para 95,7% dos homens e mulheres que deram voz à dor coletiva, é preciso reagir. Embora 45% acreditem que a cidade mudou para pior, 52,1% estão otimistas ou muito otimistas em relação ao futuro. Santa Maria precisa seguir em frente, e a maioria entende que o resgate da autoestima da cidade cabe à própria população.

SEGUIR EM FRENTE

ZERO HORA 27 de julho de 2013 | N° 17504

EDITORIAIS

Seis meses depois do incêndio que provocou a morte de 242 pessoas, a população de Santa Maria ainda sofre os efeitos da tragédia, agravados pela crescente sensação de impunidade em relação a agentes públicos e demais pessoas inicialmente apontadas pela Polícia como responsáveis pela armadilha que vitimou dezenas de jovens. Pesquisa realizada pelo Instituto Methodus, a pedido do Grupo RBS, demonstra de forma insofismável que os habitantes da cidade querem retomar a vida normal, mas não conseguem abandonar o luto nem se conformam com a indolência dos órgãos judiciais e investigativos na responsabilização dos acusados. Ninguém está preso e as principais autoridades citadas na investigação policial têm sido sistematicamente inocentadas.

O levantamento mostra que os santa-marienses não têm dúvidas sobre quem, por ação ou omissão, concorreu para o infortúnio: 85,2% dos entrevistados apontam como principais responsáveis os proprietários da casa noturna, seguidos pelo Corpo de Bombeiros (75,5%) e pelo prefeito da cidade (68%). Esta consciência de que uma conjugação verdadeiramente criminosa de negligências provocou a tragédia, porém, vem esbarrando no tecnicismo legal, de modo que a incúria coletiva até agora só resultou em impunidade individual. Todo mundo sabe que alguém deixou de exigir um alvará, que outro alguém fingiu fiscalizar, que um terceiro alterou o projeto arquitetônico e que essa cadeia de irresponsabilidades acendeu o fogo pela mão do tresloucado protagonista do show pirotécnico. Antes dele, porém, uma autoridade aprovou o funcionamento da casa, outra deixou de cobrar o Plano de Prevenção de Incêndio e a ganância dos empresários completou o funesto trabalho, superlotando uma casa de espetáculos sem condições de receber grande público.

O resultado de tudo isso é uma dor que não passa, uma indignação que não acaba, um desespero que contamina a cidade inteira e parece não ter solução. Mas tem. Pelo menos é o que aponta o contundente percentual de 95,7% de pessoas que cravaram um concordo na afirmação “Não é possível Santa Maria seguir parada. Passada a tragédia é preciso seguir em frente”. Questionados sobre o que desejam para o futuro da cidade, os entrevistados também disseram claramente que querem desenvolvimento, administração competente e justiça, entre outras reivindicações.

West Warwick, a cidade do Estado norte-americano de Rhode Island que viveu tragédia semelhante em 2003 – 100 mortos e 200 feridos no incêndio da casa noturna The Station –, descobriu como seguir em frente. Transformou a segurança dos espaços públicos em questão de honra, aperfeiçoou os códigos de prevenção e criou uma cultura de cautela para seus habitantes. Como aqui, os familiares e amigos das vítimas ainda sentem muita saudade delas, mas já se convenceram de que a melhor forma de reverenciá-las é retomar os movimentos normais da vida.

Seis meses depois, portanto, a imensa coragem dos santa-marienses está novamente desafiada.

A imensa coragem dos santa-marienses está novamente desafiada.

domingo, 21 de julho de 2013

OS OBJETOS ABJETOS


ZERO HORA 21 de julho de 2013 | N° 17498

ARTIGOS


Flávio Tavares*



A tragédia da boate Kiss, em Santa Maria, recém completará seis meses, a dor está presente e o horror ainda amedronta, mas os passos da Justiça soam como se fossem amordaçar os gritos e apagar tudo. Ou como se os 242 mortos tivessem surgido de um acidente a esmo desses que ocorrem ao descer uma escada e tropeçar num degrau e no qual não há responsáveis nem culpados. A cada nova decisão, mais se atenuam as responsabilidades e as culpabilidades ou os culpados desaparecem. O desleixo e a inoperância (ou corrupção?) do amplo arco de responsáveis pelo crime são esquecidos. Tudo se dilui na interpretação mecânica das leis, como se a lei dispersasse a realidade e suas consequências, tal qual o vento dissipa o pó.

As 13 mil folhas do minucioso inquérito policial penetraram nas causas da tragédia, definiram situações e apontaram delitos, mas... e agora? Viraram só baliza dos fatos, simples referência de como se chegou à madrugada funesta. O inquérito não nasceu de teorias nos escritórios, mas de coisas concretas, fruto de perícias, observações, testemunhos. Ou das indagações de autoridades, bombeiros, funcionários de diferentes áreas, dos músicos e proprietários da labiríntica ratoeira transformada em local de diversão.

Por que o abandonaram, já que, à medida que passou à área judicial, suas conclusões se amainaram?

Primeiro, o Ministério Público excluiu da denúncia por “homicídio culposo” a maioria dos implicados, inclusive o prefeito Schirmer. Dias atrás, os promotores Maurício Trevisan e Ivanise Jann de Jesus isentaram o prefeito e cinco de seus auxiliares do crime de “improbidade administrativa”, abrindo caminho para o Tribunal de Justiça mandar arquivar, agora, tudo o que a eles se refira. Antes, o Tribunal mandara soltar todos os presos.

Será que o culto à impunidade se alastra e se aprofunda entre nós, como se fosse um totem sagrado que veneramos e ao qual devemos obediência cega? Ou não é esta a sensação dominante Brasil afora, não só em Santa Maria?

O inquérito policial esmiuçou as causas da tragédia, apalpando nelas, nas cinzas e nos seus cadáveres. Assim, constatou que ali se consumou um crime revoltante não só pelo número de vítimas, mas pela desídia, incúria ou corrupção que o gerou. Logo, a denúncia formal do Ministério Público atenuou responsabilidades e culpas.

Quem errou? Os delegados de polícia exageraram em 13 mil folhas inconsistentes e inócuas? Ou o Ministério Público, acometido de um súbito temor reverencial pelo poder? Sim, pois, a característica do Ministério Público de ser mais rígido do que a polícia, não ocorreu no horror de Santa Maria.

O subprocurador-geral de Justiça explicou aqui que os membros do Ministério Público atuaram “ancorados nos limites da lei, evitando criar falsas expectativas sobre as possibilidades legais de responsabilizações”. Perfeito! Não se duvide da intenção de correta interpretação da lei. Aplicar a lei, porém, não é armazenar números de artigos e parágrafos, como se empilham sacos, um no outro. Acima dos códigos e da legislação está o “espírito das leis” (com que Montesquieu redefiniu o Direito) e sua inter-relação com o real.

Uma tragédia com 242 mortos não pode ser interpretada com a mesma visão ou o mesmo espírito de um acidente de trânsito ou uma rixa de bêbados que termine à bala.

O presidente da Associação dos Familiares das Vítimas qualificou de “indecência” a libertação dos réus e as demais decisões da área judicial como “uma troca de favores”. A veemência denota uma visão geral, que a própria Justiça deve desmentir com fatos concretos, para que, amanhã, não se pergunte sobre os abjetos objetos de tanta leniência face ao horror.*JORNALISTA E ESCRITOR

quarta-feira, 17 de julho de 2013

O TRÂMITE DA IMPUNIDADE


ZERO HORA 17 de julho de 2013 | N° 17494

EDITORIAIS


No próximo dia 27, terão transcorrido seis meses do incêndio que resultou na morte de 242 pessoas em Santa Maria. A partir dos procedimentos e trâmites já cumpridos nesse intervalo, é possível qualificar de burocrática e decepcionante a tramitação dos processos legais que deveriam levar à responsabilização e punição de autoridades omissas, servidores negligentes e empresários gananciosos. Familiares das vítimas e a sociedade rio-grandense em geral assistem perplexos àquilo que se pode chamar de primeiros sinais de impunidade. Ninguém está preso entre os 28 indiciados no inquérito criminal realizado pela Polícia Civil.

Muita expectativa havia sido depositada pelos que acompanharam os desdobramentos do caso no inquérito civil público realizado pelo Ministério Público do Estado. Afinal, esse seria o instrumento correto para apurar a ocorrência de crime contra a administração pública por parte de autoridades e servidores no episódio. A própria Polícia Civil havia sugerido inquérito civil sobre indícios de irregularidades na conduta de servidores municipais, incluindo o prefeito Cezar Schirmer.

Desafortunadamente, o trabalho dos promotores resultou, ontem, numa ação civil pública na qual é pedida a responsabilização por improbidade administrativa de apenas quatro bombeiros. Tudo que o MP foi capaz de concluir é que os quatro oficiais “atentaram contra o princípio basilar da administração pública, de legalidade” e teriam agido com “desonestidade” ao usar de forma indevida o software Sistema Integrado de Gestão de Prevenção de Incêndios, permitindo que parte das normas estaduais e praticamente toda a legislação municipal sobre incêndios fosse descumprida. No caso dos servidores do município, a ação civil pública sustenta expressamente que “é inegável que houve falha administrativa (...) No entanto, não se pode daí extrair improbidade administrativa de servidores”. No que toca à não inclusão do prefeito na ação civil pública, os promotores afirmam que “(...) a edição e coexistência de diplomas legais que aparentemente não se integravam (ao menos não com a desejável e necessária clareza), a par de não constituírem por si mesmas condutas configuradoras de improbidade administrativa, não podem ser atribuídas ao atual primeiro mandatário (...) porque o decreto municipal, que regra a expedição do Alvará de Localização (...) é de gestão administrativa anterior”. Traduzindo: a legislação que facilitaria brechas na fiscalização não foi aprovada na administração de Schirmer.

Tinham razão integrantes de movimentos de familiares de vítimas e da sociedade civil em esperar mais do Ministério Público. Compreensivelmente, a sensação dos parentes dos mortos é de desamparo. Ainda que os trâmites legais devam ser respeitados, é inaceitável que uma tragédia causada por um conjunto de irresponsabilidades evidenciadas nas investigações fique impune. O tecnicismo legal não pode deixar em segundo plano a dor das famílias e amigos das vítimas.

terça-feira, 16 de julho de 2013

SEPARAÇÃO E DESMILITARIZAÇÃO DOS BOMBEIROS DO RS



Alberto Afonso Landa Camargo

Está na pauta na AL a PEC 225/2013, que trata da desmilitarização do corpo de bombeiros do RS.

Embora a primeira vista presuma-se inconstitucional porque o art. 144 da CF fala unicamente em corpos de bombeiros militares, observa-se que a CF não proíbe a existência de corpos de bombeiros civis, tanto que muitos municípios dispõem destes segmentos.

Parece, portanto, que a inconstitucionalidade é discutível, bastando extinguir o CB atual e criar um novo que não seja vinculado ao art. 144 da CF.

De qualquer maneira, a PEC está aí.


Detalhes da Proposição

Proposição: PEC 225 2013

Proponente: Pedro Pereira + 31 Dep(s)

» Situação: Pauta em 11/07/2013

» Tramitação: DAL - envio em 10/07/2013

Número do processo: 2067.01.00/13-3

Assunto: artigo 46 130 corpo bombeiro desmilitarização brigada militar servidor público defesa civil

Ementa: Altera a redação dos artigos 46 e 130 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul e dispõe sobre a desmilitarização do Corpo de Bombeiros.







FONTE: http://www.al.rs.gov.br/legislativo/ExibeProposicao/tabid/325/SiglaTipo/PEC/NroProposicao/225/AnoProposicao/2013/Default.aspx

NENHUM BOMBEIRO É CULPADO

G1 - 16/07/2013 00h01

'Nenhum dos bombeiros é culpado', diz coronel citado em inquérito do MP. Altair de Freitas Cunha responderá por improbidade administrativa. MP responsabilizou ele e mais três por tragédia na boate Kiss, no RS.

Caetanno FreitasDo G1 RS



Coronel Altair de Freitas Cunha, um dos bombeiros
responsabilizados pela tragédia na boate Kiss no
inquérito civil do MP (Foto: Caetanno Freitas/G1)

Entre os quatro bombeiros que foram responsabilizados pela tragédia na boate Kiss no inquérito civil do Ministério Público, divulgado nesta segunda-feira (15), o coronel Altair de Freitas Cunha diz que se surpreendeu quando soube que terá de responder a um processo por improbidade administrativa na Justiça. O oficial afirma que é inocente e também isenta de culpa os outros nomes que passaram pelo 4º Comando Regional dos Bombeiros (CRB), em Santa Maria. O incêndio, em janeiro deste ano, matou 242 pessoas e deixou mais de 600 feridas.

Altair chefiou o 4º CRB de junho de 2008 a janeiro de 2009 e alega não ter participado da aprovação do alvará para o funcionamento da casa noturna. O documento foi emitido no mesmo ano em que ele saiu para assumir o comando dos bombeiros em Porto Alegre. Atualmente, ele está afastado das atividades oficiais.

Além de Altair, também foram incluídos na ação civil pública os nomes de Moisés da Silva Fuchs, outro ex-comandante do 4º CRB, e Daniel da Silva Adriano e Alex da Rocha Camilo, ex-chefes da seção de prevenção de incêndios do mesmo comando.

“Estive apenas seis meses à frente do Comando Regional. Quando o alvará da boate Kiss foi aprovado eu estava no comando de Porto Alegre, de forma que não consigo entender minha relação com essa tragédia. Minha gestão não influenciou. Na verdade, nenhum destes quatro bombeiros é culpado”, afirmou Altair ao G1. “Não tenho advogado, não tenho recursos para pagar uma defesa. Vou pedir para a associação. Se for preciso, vou pedir defesa para o Estado porque eu estava a serviço do Estado”.

Altair também afirma desconhecer o uso inadequado do Sistema Integrado de Gestão de Prevenção de Incêndios (SIGPI) que, segundo o MP, era utilizado para aumentar as estatísticas de produtividade dentro da corporação e, principalmente, para o aumento na arrecadação de taxas.

“Não, não. De forma alguma. Isso não acontecia na minha gestão. Não fui eu quem implantou este software e ele também não foi o responsável pela tragédia. Tem que ver quem instalou a espuma inadequada dentro da boate porque foi isso que causou o incêndio”, diz.

Além de responsabilizar os bombeiros, o MP isentou a prefeitura e o prefeito Cezar Schirmer de qualquer responsabilidade na tragédia e ainda arquivou o inquérito civil contra servidores. No entanto, fez recomendações ao município para que a comunicação interna entre as secretarias seja mais efetiva daqui para frente. Conforme o inquérito, houve falha na comunicação e divisão de tarefas entre as duas secretarias envolvidas.

Entre outras recomendações ao município, o MP solicitou que a prefeitura realize adequadamente "o poder de polícia administrativo" em aplicação de medidas como embargos e interdições. Segundo o órgão, nenhum alvará de localização deve ser expedido sem que a edificação esteja "completamente regularizada".

Feitas as recomendações, tanto o Corpo de Bombeiros quanto a prefeitura deverão comunicar por escrito, em até 30 dias, como serão executadas as mudanças requeridas. Se os pedidos não forem atendidos, o MP poderá exigir as alterações em juízo.

UTILIZAÇÃO DETURPADA DO SI-GPI, DIZ MP

ZERO HORA 16 de julho de 2013 | N° 17493

SANTA MARIA 27/01/2013

Plano de prevenção da Kiss foi emitido em três minutos


Para o Ministério Público, a “utilização deturpada” do Sistema Integrado de Gestão de Prevenção de Incêndios (SI-GPI) foi determinante para as falhas no sistema de prevenção de incêndio que contribuíram para o afrouxamento na fiscalização – e potencializaram a tragédia na boate Kiss.

Com a implantação do sistema informatizado – que teoricamente deveria conter todas as normas e diretrizes técnicas de observância exigidas pela legislação estadual, mas na prática desconsiderava importantes exigências vigentes –, os PPCIs, em geral, passaram a ficar completamente carentes de elaboração por profissionais habilitados e de anotação de responsabilidade técnica.

“No caso da boate Kiss, por exemplo, o processo levou apenas três minutos para estar, formalmente, com seu plano, examinado e aprovado, pronto para executar. Sem projeto com plantas e memoriais, sem responsável técnico”, descreve o texto do Ministério Público.

Em outro trecho do documento apresentado ontem, em Santa Maria, o tom é irônico:

“Mas, para quê essa burocracia toda, não é mesmo? O que importa é celeridade, agilidade, eficiência (...) Em resumo: o SI-GPI gerava uma listagem automaticamente aprovada (aprovação por ele mesmo) de itens a serem executados no prédio a título de PPCI, de modo a dispensar a atividade e a responsabilidade técnicas de um profissional habilitado. Simples assim! E por ser simples assim é que precisou necessariamente desrespeitar o regramento estadual e municipal sobre prevenção e proteção contra incêndios, que nunca foi oficialmente flexibilizado!”

Embora a utilização do software tenha respaldo dos bombeiros em nível estadual, o MP concluiu que a responsabilidade por utilizá-lo como única ferramenta, descumprindo o restante da legislação estadual, partiu do comando de Santa Maria. Além disso, segundo o MP, a conduta adotada gerará lesão ao erário estadual, o que também se configura ato de improbidade administrativa, em termos de perda patrimonial decorrente dos recursos que deverão ser disponibilizados para indenizar as famílias das vítimas fatais e sobreviventes do incêndio na boate Kiss.

O QUE O MP RECOMENDA

“Os demandados (bombeiros) deliberadamente descumpriram o princípio constitucional da legalidade, ao implantarem o software SI-GPI na Seção de Prevenção de Incêndios do 4º CRB como se fosse o “procedimento” de PPCI (e não apenas “ferramenta” de facilitação de controles inerentes a tal procedimento), de uso obrigatório (decorrente de suas funções de confiança de comando e chefia) e exclusivo (já que desde então não se podia mais deixar – e não se deixou mesmo – de usar o software, nem se podia encaminhar requerimento de outra maneira) em processos administrativos de PPCIs, em detrimento de previsões legais e normativas vigentes e cogentes.”

O QUE DISSE O MP

- À prefeitura – Que sejam feitas correções em procedimentos e rotinas, sob pena de responsabilização posteriormente.

- Aos bombeiros – Que passem a cumprir a lei municipal nº 3.301/1991 nos PPCIs de agora em diante. A legislação prevê, por exemplo, que, em estabelecimentos como boates, é obrigatória a instalação de alarme de incêndio e vedado o emprego de material de fácil combustão e/ou que desprenda gases tóxicos em caso de incêndio.

- Em ambos os casos, os promotores concederam prazo de até 30 dias para resposta escrita sobre as providências que forem adotadas em cumprimento às recomendações.

MP ISENTA PREFEITO E RESPONSABILIZA BOMBEIROS






ZERO HORA 16 de julho de 2013 | N° 17493

SANTA MARIA, 27/01/2013


LETÍCIA DUARTE

Ao ouvir dos promotores de Santa Maria que somente quatro bombeiros serão responsabilizadas por improbidade administrativa no caso da boate Kiss, Renata Schmitt, 27 anos, saiu chorando na metade da reunião da Associação de Familiares de Vítimas com o Ministério Público, ontem à tarde.

Irmã de uma das 242 vítimas, não se conformava com o fato de o inquérito civil que levou cinco meses para ser concluído não tenha incluído ninguém da prefeitura na ação civil pública que será apresentada hoje à Justiça – e restringido a responsabilidade a quatro oficiais do Corpo de Bombeiros.

Onúmero de responsabilizados representa menos da metade do total de nove agentes públicos que a Polícia Civil havia sugerido investigação cível, no final de março, em inquérito que apontava indícios de irregularidades na conduta de seis funcionários da prefeitura, incluindo o prefeito Cezar Schirmer e três militares dos bombeiros. Apesar de também vislumbrar falhas administrativas em procedimentos da prefeitura, a investigação do MP terminou sem responsabilizar qualquer representante do município.

– Seria mais fácil se pudéssemos condenar todo mundo, mas temos de nos ater à lei. A polícia não tinha atribuição para investigar improbidade administrativa. Não tinha, não tem e nunca terá – respondeu o subprocurador-geral para Assuntos Institucionais do MP, Marcelo Dornelles.

A ação do MP pede a condenação do coronel Altair de Freitas Cunha, do tenente-coronel Moisés da Silva Fuchs, do major da reserva Daniel da Silva Adriano e do capitão Alex da Rocha Camillo. Todos exerceram funções de chefia entre os anos de 2008 e 2013 – os dois primeiros como comandantes do 4º Comando Regional de Bombeiros, e os outros dois como chefes da Seção de Prevenção de Incêndio. Eles podem perder a função pública, a aposentadoria ou serem multados. Segundo os promotores Maurício Trevisan e Ivanise Jann de Jesus, que assinam a ação, os quatro teriam tido participação decisiva no “uso deturpado” do software denominado Sistema Integrado de Gestão de Prevenção de Incêndios (SI-GPI), que teria deixado de lado a observância de parte das normas estaduais e desconsiderado completamente a legislação municipal sobre a prevenção e proteção contra incêndios. De acordo com o MP, os quatro oficiais “atentaram contra o princípio basilar da administração pública, de legalidade” e teriam agido com “desonestidade” da comunidade ao ocultar esse modo de proceder. Um trecho diz:

“A desonestidade descrita... teve repercussão na morte de 242 pessoas e na de centenas de outras que restaram com lesões...”.

Já em relação aos servidores municipais, embora o MP enumere problemas na tramitação dos alvarás na prefeitura, os promotores afirmaram não haver improbidade. Sustentam que, embora diferentes setores tenham adotado ações contraditórias que permitiram que a boate seguisse operando apesar das irregularidades, não havia uma lei exigindo essa intercomunicação.

“É inegável que houve falha administrativa, pois procedimentos internos de dois diferentes setores (...) No entanto, não se pode daí extrair improbidade administrativa de servidores...”, diz o texto da ação apresentada ontem.

Uma série de recomendações foi listada à prefeitura e aos bombeiros para que falhas não se repitam. Para as famílias da Kiss, é tarde demais.

– Ficamos cada vez mais decepcionados – lamentou Renata, que não quis ouvir as explicações.

*Colaborou Lizie Antonello

MP RESPONSABILIZA OFICIAIS BOMBEIROS POR IMPROBIDADE


MP responsabiliza quatro bombeiros por falhas nas licenças da Kiss. Ação do Ministério Público não atribuirá responsabilidades ao prefeito de Santa Maria (RS) e nem a funcionários públicos municipais

15 de julho de 2013 | 17h 20

Elder Ogliari - O Estado de S.Paulo



PORTO ALEGRE - O Ministério Público do Rio Grande do Sul vai ajuizar ação civil de improbidade administrativa contra o coronel Altair de Freitas Cunha, o tenente-coronel Moisés da Silva Fuchs, ex-comandantes regionais dos bombeiros, o major Daniel da Silva Adriano e o capitão Alex da Rocha Camilo, ex-chefes de prevenção de incêndios em Santa Maria, por supostas falhas na emissão de licenças e alvarás para o funcionamento da boate Kiss. Em tese, eles podem ser condenados a perder funções públicas e ao pagamento de multa.


Evelson de Freitas/AE
Casa noturna de Santa Maria foi tomada pelo fogo na madrugada do dia 27 de janeiro

A informação foi divulgada nesta segunda-feira pelos promotores Maurício Trevisan e Ivanise Jahn de Jesus, responsáveis pelo caso. A ação não atribuirá responsabilidades ao prefeito Cezar Schirmer (PMDB) e nem a funcionários públicos municipais.

A ação civil é mais um desdobramento da tragédia da madrugada de 27 de janeiro, quando um incêndio na boate Kiss matou 242 pessoas e deixou centenas de feridos. Na área criminal, há dois processos em andamento. Em um deles, os réus são dois sócios da casa noturna e dois músicos da banda Gurizada Fandangueira, que fazia um show com uso de artefatos pirotécnicos em recinto fechado, acusados de homicídio com dolo eventual. No outro, um ex-sócio da boate e um contador são acusados de falso testemunho e dois bombeiros de fraude processual.

Na ação civil, os promotores entenderam que, pela legislação estadual, seria exigível para uma casa noturna como a Kiss, um projeto de prevenção de incêndios, feito por profissional habilitado, como engenheiro ou arquiteto, com memorial descritivo e anotação de responsabilidade técnica. "Assim os bombeiros analisariam o que foi apresentado, apontariam a necessidade de melhoras ou não e, depois de tudo executado, deveriam inspecionar para expedir ou não o alvará do sistema de prevenção contra incêndio", comentou Trevisan.

Falta de treinamento. Em vez de um projeto completo, a exigência para a emissão do alvará dos bombeiros para a Kiss foi determinada por um software que lista os equipamentos necessários, mas de forma simplificada e para espaços menores do que os da boate. Os promotores afirmaram ainda que a inspeção, etapa decisiva da licença, não era feita por pessoas "altamente capacitadas, aparelhadas e treinadas para isso", mas por pessoas sem treinamento específico e detentoras apenas de conhecimentos repassados por bombeiros mais antigos.

Trevisan também observou que não foi exigido da Kiss um certificado de treinamento de pessoal. "Isso é requisito para emissão do alvará, (os estabelecimentos) precisam comprovar que têm pessoas treinadas para atuar em situações de fogo", afirmou. Ao mesmo tempo, ressalvou que tanto o uso do software simplificado quanto a dispensa do treinamento vinha ocorrendo em todo o município pelo menos desde 2007.

Os promotores também apontaram problemas na emissão de alvarás da prefeitura, mas entenderam que não houve elementos suficientes para configurar improbidade administrativa de servidores. Observaram que, por não haver exigência de intercomunicação entre secretarias, tornou-se possível e legal que uma (Finanças) emita o alvará de localização sem saber que em outra (Mobilidade Urbana) tramitava pedido de reforma da casa. "Os servidores não cometeram improbidade porque aplicaram diplomas legais diferentes", explicou Ivanise.

Apontamentos como esses serão enviados à prefeitura como sugestão de adequação da legislação para o futuro.

Relembre. A casa noturna de Santa Maria foi tomada pelo fogo na madrugada do dia 27 de janeiro após a faísca de um show pirotécnico queimar a espuma de revestimento acústico do local. A fumaça tóxica liberada pelo incêndio matou 234 pessoas no mesmo dia, mas o número de mortos subiu para 242 em datas posteriores.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

RAIO-X DOS BOMBEIROS

CORREIO DO POVO 15/07/2013 07:34

Capital tem apenas 330 profissionais. Décima cidade mais populosa do País, Porto Alegre deveria ter 1,8 mil combatentes


Décima cidade mais populosa do País, Porto Alegre deveria ter 1,8 mil combatentes
Crédito: Wilson Cardoso / BM / Divulgação / CP


A população brasileira alcançou 193.946.886 de pessoas em 1º julho deste ano, segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O Rio Grande do Sul é o quinto Estado mais populoso do país, com 10,7 milhões de pessoas. Porto Alegre tem 1.416.714 moradores e segue cotada como a 10ª cidade mais populosa do Brasil. Organismos internacionais preconizam que cidades com mais de 1 milhão de habitantes sejam atendidas por, no mínimo, 810 bombeiros. O ideal seriam 1,2 bombeiro por mil habitantes, mas a capital gaúcha, no entanto, tem apenas 330, o que representa uma grande defasagem do Corpo de Bombeiros da Capital em relação a outras cidades pelo mundo.

Em razão da população local, Porto Alegre precisaria ter 1,8 mil profissionais para atender as necessidades. Em cidades com menos de 1 milhão, seria um bombeiro para 2 mil habitantes. De acordo com o coordenador do Núcleo de Bombeiros da Associação dos Oficiais da Brigada Militar (AsOfBM), major Rodrigo Dutra, na Capital existem oito quartéis de bombeiros, sendo que o ideal seriam 13. Destas, apenas oito estações de combate a incêndio possuem caminhões para atender as ocorrências. "Seria preciso duas viaturas, sendo que uma serviria de reserva", revela. "E estes caminhões são de 1997 e sujeitos a falhas. Cada vez que um quebra, a estação é fechada", complementa. Conforme o oficial, a Capital conta apenas com duas escadas mecânicas (chamadas de aparatos aéreos), o que não é suficiente para atender as necessidades de uma grande cidade.

O major Dutra admite que uma dessas escadas está inoperante, pois foi instalada em um caminhão da década de 1980, vindo da Alemanha, e há dificuldades em encontrar peças para reposição. Apenas uma escada desse tipo, que chega a uma altura de 30 metros, está em operação desde 1996. Ele admite que caminhões equipados com escadas mecânicas que pudessem chegar a alturas acima de 60 metros não existem em Porto Alegre. 'Para a Capital deveríamos ter quatro aparatos aéreos, pois com apenas um dificulta as ações nas edificações mais altas', afirma. Três escadas mecânicas e uma plataforma, que se ergueria acima de 60 metros seria o ideal', descreve. Foi o caso do incêndio no Mercado Público. Com apenas uma escada, os bombeiros tiveram que reposicionar o equipamento por diversas vezes, atacando os flancos onde o fogo estava mais forte, até a chegada de equipamento vindo de Novo Hamburgo.

"A certeza é de que os bombeiros têm uma ótima qualificação e um bom treinamento, que garante o sucesso das ações", assegura Dutra, salientando que o treinamento do efetivo visa a superar as dificuldades e a falta de equipamentos. Também destaca a inclusão de 600 homens nos últimos anos, de maneira específica para a profissão, pois antes quem escolhia onde o novato seria lotado era a Brigada Militar. De acordo com o coordenador-geral da Associação dos Bombeiros do RS (Abergs), Ubirajada Ramos, se fosse aplicado o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), muitos caminhões não poderiam circular pelas ruas da Capital. "Muitos não têm cinto de segurança ou bancos", denuncia.

São Borja não tem quartel

Falta de um quartel e pessoal efetivo na área central da cidade são hoje os maiores problemas enfrentados pelos bombeiros em São Borja. Recém estão recomeçando a construção de uma unidade, no entroncamento entre as ruas General Marques, Borges do Canto e Júlio Tróis, obra que é aguardada há mais de quatro anos.

O comandante da 3ª Seção de Combate a Incêndios (3 SCI), tenente Adilson Araújo, ressalta que o atual quartel, no bairro do Passo, apesar de ter instalações adequadas, fica no extremo Norte da cidade, circunstância que demora muito para o tempo-resposta no atendimento das ocorrências de incêndio.

As obras do novo quartel, iniciadas com recursos do município e do Funrebom, pararam porque houve necessidade de licitação e liberação de recursos do Estado. Agora a empresa Construmonte, de Montenegro, que venceu a disputa, tem até o dia 21 de dezembro para concluir a construção do imóvel, que está orçado em mais de R$ 350 mil.

A unidade dos bombeiros em São Borja tem caráter regional, atendendo também Itaqui, Maçambará, Itacurubi e Garruchos, que, juntos, têm 120 mil habitantes. Possui um efetivo de 27 homens, distribuídos entre São Borja e Itaqui, mas deveria ter pelo menos 44. São três viaturas de combate ao fogo, uma delas praticamente nova, de 2011, resultante de indicação da Consulta Popular. Outra, entretanto, é de 1978. Itaqui tem quatro bombeiros e um caminhão de combate ao fogo. São Borja, como a maioria das cidades do interior, não tem escada mecânica para atuação em ocorrências em altura.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

GOVERNO IGNORA DETERMINAÇÃO E JUSTIÇA CANCELA INTERDIÇÃO


ZERO HORA 11 de julho de 2013 | N° 17488

PRÉDIO LIBERADO

JUSTIÇA CANCELA INTERDIÇÃO DO CENTRO ADMINISTRATIVO

Governo do Estado ignorou determinação judicial até ter a medida cassada pelo Tribunal de Justiça


Durou menos de 24 horas a interdição do Centro Administrativo Fernando Ferrari (CAFF), prédio onde ficam 18 secretarias do governo do Estado. A decisão foi cassada às 16h de ontem pelo próprio presidente do Tribunal de Justiça (TJ), desembargador Marcelo Bandeira Pereira, a pedido da Procuradoria-geral do Estado.

Ainterdição do CAFF, situado em Porto Alegre, fora determinada terça-feira pelo juiz da 5ª Vara da Fazenda Pública da Capital, Hilbert Maximiliano Akihito Obara. Ele concedeu liminar a pedido do Ministério Público Estadual para impedir o ingresso de pessoas no prédio, sob pena de multa diária sujeita à atualização, fixada em R$ 10 mil. O veto à entrada de servidores e contribuintes vigoraria até a obtenção do alvará do Plano de Proteção e Prevenção contra Incêndio (PPCI), perante o Corpo de Bombeiros, por parte dos administradores do edifício.

O magistrado justificou que o Estado tinha juntado documentos defeituosos ao processo. As anotações de responsabilidade técnica não tiveram preenchidos os campos de data e validade, e o PPCI não tem o registro do responsável técnico e do proprietário, o que enfraquece a afirmação feita pelo governo de que a segurança dos servidores públicos e dos cidadãos que frequentam o Centro Administrativo está garantida, acrescentou Hilbert.

Secretário diz que a decisão judicial não tinha fundamento

O juiz disse ainda que não podem ser ignorados os fatos trágicos e notórios recentemente ocorridos.

– A tragédia de Santa Maria, do início do ano, e o incêndio do Mercado Público de Porto Alegre, do último fim de semana, evidenciam a necessidade de exigência rigorosa do Plano de Proteção contra Incêndio, sob pena de outras catástrofes análogas – concluiu, no despacho.

A interdição não chegou a ocorrer, na prática. O governo do Estado se negou a fechar o prédio e permitiu que funcionários e clientes comparecessem às secretarias. Foram duas as alegações: o transtorno que a medida provocaria (são cerca de 5 mil servidores no prédio) e que as exigências do PPCI estavam sendo cumpridas.

– Não há qualquer fundamento para a interdição do CAFF, já que o prédio tem baixo risco de sinistralidade, tendo todos os equipamentos de prevenção necessários para a segurança de todos os usuários. No final de 2011, os extintores de incêndio foram trocados e melhor distribuídos nos corredores do prédio. O Centro Administrativo nunca esteve tão seguro. Equipamentos foram trocados, formamos 150 brigadistas, há um projeto de troca de portas e elevadores – comentou o secretário da Administração, Alessandro Barcellos.

Posição que, ao longo do dia, teve a concordância do desembargador Marcelo Bandeira Pereira. Ele considerou que o Certificado de Conformidade expedido pelo 1º Comando Regional de Bombeiros comprova, “de forma induvidosa, existir um PPCI válido e eficaz”. Esse certificado é uma espécie de licença para funcionamento enquanto o prédio se adequa às exigências do PPCI – o governo tem até setembro de 2014 para efetivá-las.

Ao saber da decisão, o juiz Hilbert preferiu não polemizar.

– Respeito e tenho especial consideração pelo presidente do TJ. Não vou criar nenhuma polêmica levantando qualquer crítica à decisão. A avaliação probatória dele foi diferente da minha – diz o magistrado.

Ele acredita que deve ser aplicada multa ao Estado, pois houve descumprimento da decisão judicial.

A interdição gerou tumulto na manhã de ontem. Um grupo de manifestantes ligados à Central Única dos Trabalhadores (CUT) e ao Cpers/Sindicato bloqueou o acesso dos servidores ao CAFF por duas horas, causando tumulto no local. Os manifestantes eram contrários à posição do governo do Estado, que descumpriu a decisão judicial e manteve o prédio aberto. Após um empurra-empurra, os funcionários conseguiram ingressar no edifício.


OS PROBLEMAS

Especialista em prevenção de incêndios, a arquiteta Luciana Krombauer percorreu o prédio esta semana para verificar as condições do edifício. Confira observações dela feitas a Zero Hora

- Portas: as portas corta-fogo estão sem manutenção e não fecham totalmente, impedindo o isolamento da fumaça. Elas são feitas para impedir as chamas de prosseguirem na queima do prédio, mas, quando abertas, perdem a eficácia.

- Extintores: a arquiteta afirma que os equipamentos estão espalhados de forma correta, dentro da validade, e existem em número suficiente.

- Saídas: é necessária adequação das indicações de saída. Faltam setas em alguns corredores e escadas, apontando uma possível rota de fuga. Em outros pontos, algumas divisórias impedem que as pessoas visualizem a saída rapidamente.

- Obstruções: em alguns andares, como o 16º, a escada está obstruída com vasos de plantas. Eles são de fácil combustão e impedem a saída rápida dos usuários.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - É mais uma prova das mazelas que contaminam e enfraquecem a justiça gaúcha e brasileira. Ela não é independente e não tem forças para enfrentar o poder político que age com descaso e leniência diante das ações coativas, processos e determinações judiciais. O fato do Tribunal desmoralizar uma decisão de um juiz faz com que a justiça se submete aos devaneios, descaso, negligências, improbidades e irresponsabilidades praticadas pelo poder político, sem cumprir as leis e atender a supremacia do interesse público, do patrimônio público e da vida das pessoas.


quarta-feira, 10 de julho de 2013

JUIZ INTERDITA CENTRO ADMINISTRATIVO POR MEDIDA DE SEGURANÇA

ZERO HORA 10 de julho de 2013 | N° 17487

MEDIDA DE SEGURANÇA

Pedido de liminar do MP é acatado e liberação do prédio depende de obtenção de alvará do Plano de Prevenção contra Incêndio


HUMBERTO TREZZI

O juiz Hilbert Maximiliano Akihito Obara, da 5ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, determinou ontem a interdição do Centro Administrativo Fernando Ferrari (CAFF), onde funciona a maioria das secretarias do governo do Estado. A determinação vale até a obtenção do alvará do Plano de Prevenção contra Incêndio (PPCI), perante o Corpo de Bombeiros, por parte dos administradores do edifício.

Omagistrado atende a um pedido de liminar feito pelo Ministério Público Estadual (MP). A medida deve ser acatada pelo Estado, sob risco de multa diária fixada em R$ 10 mil, sujeita à atualização.

Ao analisar o caso, o magistrado destacou que esperava desde abril para tomar uma decisão. Naquele mês, o MP ajuizou Ação Civil Pública reclamando da inexistência de PPCI.

O Estado teve a oportunidade de apresentar comprovação documental da segurança para utilização do prédio. O juiz alega que, apesar do esforço do governo, foram juntados documentos com falhas ao processo. As anotações de responsabilidade técnica não tiveram preenchidos os campos de data e validade, afirma o magistrado. O PPCI não tem o registro do responsável técnico e do proprietário, o que enfraquece a afirmação feita pelo Estado de que a segurança dos servidores e dos cidadãos que frequentam o Centro Administrativo está garantida, acrescenta Hilbert.

Ação do MP é embasada em inquérito civil

O juiz diz ainda que não podem ser ignorados os fatos trágicos e notórios recentemente ocorridos. “A tragédia de Santa Maria, do início do ano, e o incêndio do Mercado Público de Porto Alegre, do último fim de semana, evidenciam a necessidade de exigência rigorosa do Plano de Proteção contra Incêndio, sob pena de outras catástrofes análogas”, conclui Hilbert na decisão.

A determinação da Justiça ocorre após o pedido protocolado pelo MP na segunda-feira. De acordo com a Promotoria de Justiça de Habitação e Defesa da Ordem Urbanística, por meio do promotor Norberto Pâncaro Avena, o CAFF não tem PPCI e alvará. A ação civil pública ajuizada em abril foi embasada em inquérito civil instaurado em fevereiro de 2012, no qual ficou comprovado a ausência do PPCI e alvará na edificação.


Estado deve descumprir a decisão e abrir o local

O Centro Administrativo vai abrir. É o que informa o governo do Estado, em nota oficial. A Secretaria da Administração e dos Recursos Humanos considera que a decisão está embasada em aspectos formais que não comprometem a validade do Plano de Prevenção e Combate à Incêndio, como a ausência de assinaturas e data no primeiro documento enviado ao juiz.

O secretário da Administração, Alessandro Barcellos, considera que “não há qualquer fundamento para a interdição do Centro Administrativo Fernando Ferrari, já que o prédio tem baixo risco de sinistralidade, tendo todos os equipamentos de prevenção necessários para a segurança de todos os usuários”.

Secretário assegura que condições são adequadas

Barcellos assegura que o prédio tem um Plano de Prevenção e Combate à Incêndio (PPCI) aprovado pelo Corpo de Bombeiros em setembro de 2012, por meio do Certificado de Conformidade Número 000010/003120/2012, com prazo de validade de dois anos. E reafirma que as condições de segurança do local são adequadas:

– Desde o final de 2011, os extintores de incêndio foram trocados e melhor distribuídos nos corredores do prédio. O Centro Administrativo nunca esteve tão seguro. Equipamentos foram trocados, formamos 150 brigadistas, há um projeto de troca de portas e elevadores.

Barcellos admite que a Procuradoria-geral do Estado recebeu o mandado de citação e intimação do deferimento da liminar. E informa que deveria recorrer da decisão ainda ontem, visto que a mesma está embasada em aspectos formais que não comprometem a validade do PPCI.

– Os serviços do Centro Administrativo serão mantidos até a análise e a apreciação do recurso pelo Tribunal de Justiça – declarou o secretário, em nota oficial.

Segundo a Secretaria de Administração, cerca de 5 mil servidores trabalham no Centro Administrativo do Estado.




ENTREVISTA

“Causa transtorno, mas preferi garantir segurança”

A interdição do Centro Administrativo do Estado não é a primeira decisão polêmica do juiz Hilbert Akihito Obara. Em 4 de abril, ele determinou a redução do valor das passagens de ônibus na Capital. A tarifa passou de R$ 3,05 para R$ 2,85, acatando pedido dos vereadores do PSOL.

Nesta entrevista, por telefone, o magistrado explica por que determinou a interdição e do impacto disso:

Zero Hora – Numa rápida análise, por que o senhor decidiu interditar o Centro Administrativo Fernando Ferrarri?

Juiz Hilbert Akihito Obara – Estudo o caso desde abril. Tomei a decisão mais para assegurar que não ocorram casos como o do Mercado Público, que incendiou sábado, ou o da boate Kiss, em Santa Maria. Não havia risco iminente disso no CAFF, eu concordo. Mas o Estado tem de dar o exemplo. Se cobra segurança dos outros, deve aplicá-las nos seus próprios prédios.

ZH – O senhor não teme, com essa decisão, causar um transtorno ao impedir o funcionamento de secretarias e órgãos estaduais?

Juiz Hilbert – Sei que vamos causar um prejuízo ao erário. No entanto, entre o dano administrativo e econômico ao Estado e o risco aos servidores e aos usuários do prédio, optei pela segurança das pessoas. É provável que o governo não tenha onde realocar essas pessoas agora, mas o processo tramita desde abril.

HILBERT MAXIMILIANO AKIHITO OBARA JUIZ

O LUGAR - O que é o Centro Administrativo Fernando Ferrari (CAFF)

- Inaugurado em 1987, o CAFF é um prédio em forma de pirâmide localizado no bairro Praia de Belas, em Porto Alegre. Tem 119 metros de altura, 32 andares e concentra 18 secretarias e órgãos do governo do Estado.
- Teve sua construção iniciada em 1976, e a inauguração ocorreu em 10 de março de 1987. Está localizado no Largo dos Açorianos, que também conta com o Monumento aos Açorianos e a Ponte de Pedra.
- A Secretaria da Administração estima que cerca de 5 mil pessoas trabalhem no CAFF.

terça-feira, 9 de julho de 2013

O MERCADO E O PÚBLICO

ZERO HORA 09 de julho de 2013 | N° 17486

EDITORIAIS


O Rio Grande do Sul sobressaltou-se na noite de sábado com a notícia do terceiro incêndio de grandes proporções em local de uso público em menos de seis meses. As chamas que engoliram 10% do prédio histórico do Mercado Público de Porto Alegre expuseram a fragilidade da política gaúcha de prevenção e combate a sinistros desse tipo. O fato de não terem ocorrido vítimas e de os danos materiais terem se limitado à cobertura e ao segundo pavimento do edifício contribui para atenuar parcialmente o choque da tragédia. Mas não deve inibir as providências para que as instalações sejam restauradas e aperfeiçoadas, preservando o modelo arquitetônico que consagra o mercado central como uma das belezas da capital gaúcha. A RBS defende a imediata recuperação do prédio e discorda da proposta de implosão manifestada neste mesmo veículo pelo colunista Paulo SantAna, que expressou sua visão pessoal em consonância com os princípios de pluralismo de opinião e de liberdade de expressão cultuados pela empresa.

O anúncio da prefeitura de que o pavimento inferior do Mercado será aberto ao público o quanto antes e a garantia do governo federal de que haverá recursos para recuperação do prédio, por meio do PAC Cidades Históricas, sugerem a perspectiva de uma reconstrução rápida, fora dos padrões após episódios desse tipo. Não faltarão, por certo, apoio e boa vontade da parte da comunidade, a começar pelos próprios comerciantes e frequentadores do local, possivelmente o prédio mais visitado do Estado. Assim, é essencial que os gaúchos assumam o compromisso de que o novo Mercado Público seja um modelo de segurança e prevenção capaz de inspirar outras obras desse tipo. Não se pode aceitar que essa construção de mais de 140 anos, que já sobreviveu a quatro incêndios, seja nada menos do que o edifício à prova de incêndio por excelência em nosso Estado e, quiçá, no país. Essa é a única maneira razoável de o Rio Grande do Sul responder à altura a uma sequência de dramas que ameaça a sua própria integridade física e patrimonial. Considerando-se o retrospecto recente da boate Kiss, assusta constatar que a sociedade e as autoridades do Estado ainda não desenvolveram medidas práticas capazes de prevenir outros sinistros do gênero, especialmente em prédios de grande afluência de pessoas, como é o caso do Mercado Público. Não merecemos ser inscritos na memória pública como a terra em que chamas incontroláveis destroem pessoas e bens sem que sobrevenha resposta à altura.

Cabe às autoridades de todas as esferas de poder liderar essa mobilização cívica que assume, ao fim e ao cabo, o caráter de defesa de nosso patrimônio humano e material. Que a noite de sábado, 6 de julho, passe à história como a data em que se encerrou a era dos prédios de uso público sem plano de prevenção e combate a incêndio. Que os gaúchos tomem em suas mãos a recuperação do Mercado Público como um espaço a salvo de sinistros, um espaço de convivência digno de acolher seus cerca de 50 mil visitantes diários e um verdadeiro cartão-postal não apenas da Porto Alegre histórica, mas também da Capital de um futuro em que a leniência e o descaso não tenham guarida.

MERCADO PÚBLICO: EQUIPAMENTO "MODERNO DEMAIS" TERIA ATRASADO PPCI


ZERO HORA 09 de julho de 2013 | N° 17486

SEGURANÇA QUESTIONADA

Equipamento “moderno demais” teria atrasado PPCI



Depois da descoberta de que o Mercado Público de Porto Alegre nunca teve um Plano de Prevenção Contra Incêndio (PPCI) e que há quase seis anos os bombeiros chegaram a advertir a prefeitura por isso, surge uma nova e controversa versão para justificar a demora.

Segundo o secretário da Produção, Indústria e Comércio da época, Idenir Cecchim, em novembro de 2007 os bombeiros exigiam a colocação de sprinkers para liberar o PPCI, mas a instalação dos aparelhos que acionam água automaticamente em caso de fogo teria sido vedada pela Equipe do Patrimônio Históricoe Cultural (Epahc) por ser “moderno demais”.

– Não tínhamos como cumprir a exigência dos bombeiros por causa do Epahc. Por isso, não conseguimos obter a licença completa. Mas fizemos tudo o que era possível, com as mangueiras, os extintores – afirmou ontem Cecchim, que atualmente é vereador.

Trabalhando na Epahc desde novembro de 2007, a diretora Débora Magalhães da Costa contesta a informação. Segundo ela, não há registro de pedido de colocação de sprinkers no Mercado – e se houvesse isso não seria um empecilho.

– A única coisa que buscamos é que a colocação seja feita de forma harmoniosa – pondera.

Reconhecendo que se trata de uma administração de continuidade, o atual vice-prefeito, Sebastião Melo, pondera que a administração pública tem dificuldade de regularizar a situação de seus prédios – um assunto que passou a ganhar atenção a partir do incêndio na Kiss, em Santa Maria, quando 242 pessoas morreram.

Como a maioria dos impoveis não tem alvará de bombeiros, a prefeitura estuda a publicação de um decreto determinando que cada secretário seja responsável pela regularização dos prédios.

– É evidente que, se nós exigimos alvará dos privados, temos de ter também, mas temos uma longa caminhada pela frente, é uma questão cultural – diz Melo.

Mesmo sem o PPCI, o prefeito José Fortunati afirma ter laudos recentes dos bombeiros – obtidos por ocasião da Feira do Peixe, em março – que atestam a segurança.

Segundo o prefeito, todos os prédios públicos sem o plano – mais de 50, incluindo salas alugadas – foram vistoriados por uma empresa contratada em 2012 a partir das interdições da Usina do Gasômetro e do Sambódromo.

LETÍCIA DUARTE



PÁGINA 10 | CARLOS ROLLSING

Hora de votar


Consumado mais um incêndio, desta vez no Mercado Público, cresce a necessidade de rápida apreciação do projeto que renova a legislação de prevenção contra incêndios no Estado, de autoria do deputado Adão Villaverde (PT). Após a tragédia da boate Kiss, a proposta foi debatida por 120 dias em uma comissão especial da Assembleia, com a participação de especialistas, entidades e sociedade civil. Protocolada na semana passada, ela deve ingressar na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) nos próximos dias. Depois, se observado o trâmite normal, deverá passar por outras comissões, o que não permite fazer qualquer previsão de aprovação em plenário e sanção do governador.

Há casos em que o processo leva anos. Entre entidades de classe e sociedade civil, há expectativa de que a proposta possa ir diretamente da CCJ ao plenário, evitando as comissões de mérito. A pressa se justifica. A legislação atual é considerada confusa e ultrapassada. A nova lei torna mais rigorosos os critérios para a liberação de empreendimentos e atribui exclusivamente aos bombeiros a emissão do Alvará de Prevenção e Proteção Contra Incêndio (APPCI). Antes da liberação deste documento, produto final do Plano de Prevenção Contra Incêndio (PPCI) dos bombeiros, ficará proibida a expedição de qualquer licença de funcionamento.

A legislação ainda inclui entre os critérios de aprovação das edificações o controle de fumaça, ocupação e uso, capacidade de lotação e carga de incêndio, item que define o potencial de combustão dos locais. Indicativos de mais rigor. A atualização da legislação é urgente. Mas não é só isso. Os bombeiros precisarão estar à altura da responsabilidade atribuída a eles pelo projeto. Mais efetivo e melhor estrutura serão fundamentais para garantir fiscalização e eficácia.


SEGURANÇA QUESTIONADA


ZERO HORA 09 de julho de 2013 | N° 17486

MP pede interdição do Centro Administrativo

Promotoria alerta para riscos de incêndio em um dos edifícios mais conhecidos da Capital



Por entender que há vidas em risco e que o governo estadual não comprovou que o Centro Administrativo Fernando Ferrari tem os equipamentos mínimos de segurança contra incêndio, o Ministério Público pediu à Justiça ontem a interdição do prédio.

Se a solicitação for acatada, o Centro Administrativo (Avenida Borges de Medeiros, 1.501, na Capital), que abriga quase duas dezenas de secretarias e de órgãos ligados ao governo estadual, e por onde passam cerca de 4 mil pessoas todos os dias, não poderá funcionar até que o governo apresente o alvará de Prevenção Contra Incêndio (PPCI).

A Promotoria de Justiça de Habitação e Defesa da Ordem Urbanística já ingressou com mais de cem ações em relação a prédios públicos e privados da Capital por falta de PPCI ou problemas relacionados à segurança contra fogo. No caso do Centro Administrativo, cuja ação é de abril, havia liminar determinando que o governo comprovasse a existência de equipamentos de segurança contra incêndio e apresentasse requerimento para vistoria.

Segundo o promotor Norberto Cláudio Pâncaro Avena, o governo respondeu com uma série de documentos, mas que não satisfazem aos pedidos que constam da liminar:

– Ou o prédio está regular e funcionando. Ou é irregular e não funciona.

Em janeiro de 2012, a promotoria abriu um inquérito civil público a partir de uma declaração do prefeito José Fortunati (PDT), na qual ele teria afirmado que a maior parte dos prédios públicos da Capital não tinham PPCI. O inquérito visa a investigar quantos e quais são estes prédios, mas, um ano e meio após o começo da apuração, a prefeitura e o governo estadual não responderam ao MP.

– Nós não temos atribuição para fiscalizar se o prédio tem PPCI ou não. Só podemos agir tendo essa informação, quando então adotaremos as medidas legais junto à Justiça. Seguimos sem poder fazer isso devido à falta de respostas – explicou Avena.

Em abril, o MP fez audiência com secretarias municipais a fim de insistir na obtenção da informação. Também foi dirigido novo pedido ao governo do Estado. O MP quer saber todos os prédios – municipais, estaduais e federais – que estão sem PPCI.

ADRIANA IRION


CONTRAPONTO
O que disse Alessandro Barcellos, secretário da Administração e dos Recursos Humanos- “Está havendo exagero. O Centro Administrativo nunca teve PPCI. Estamos tratando disso desde 2011. O PPCI foi aprovado em 2012, e estamos executando as várias etapas, tudo dentro dos prazos dado pelos bombeiros. O prédio nunca esteve tão seguro. Equipamentos foram trocados, formamos 150 brigadistas, há projeto de troca de portas e de elevadores. O MP já havia pedido interdição e não levou. O assunto é requentado.

PRÉDIOS PÚBLICOS IRREGULARES. Para regularizar a situação, o Ministério Público ingressou com ações civis públicas na Justiça

- Centro Administrativo Fernando Ferrari
- Othelo Rosa (anexo do Centro Administrativo)
- Departamento Estadual de Estradas de Rodagem (Daer)
- Centro de Saúde Vila dos Comerciários – “Postão da Cruzeiro”
- Secretaria da Agricultura
- Unidade de Saúde Santa Martha
- Secretaria Municipal de Obras e Viação
- Centro Cenotécnico do Estado
- Casa do Estudante
- Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan)

SEIS ANOS DE NEGLIGÊNCIA

 Em novembro de 2007, a elaboração do PPCI do Mercado Público chegou a ser discutida, mas o assunto acabou esquecido e só voltou a ser tratado como prioridade neste ano, após o incêndio na Kiss

- 07 de maio de 2007 – O prefeito José Fogaça assina a ordem de início de obras de restauração do Mercado, incluindo reforma nas redes hidráulica e elétrica. Durante as obras, a estrutura de combate a incêndios é discutida.

- Novembro de 2007 – Bombeiros advertem a prefeitura por falta de plano de prevenção a incêndios no Mercado Público. Segundo Idenir Cecchim, que na época era titular da Smic, os bombeiros exigiam a instalação de spinklers (chuveiros automáticos acionados em caso de incêndio) para a liberação do PPCI. Ainda de acordo com Cecchim, a colocação dos aparelhos teria sido vedada pela Equipe do Patrimônio Histórico e Cultural (EPAHC) do município. A Equipe contesta a informação e diz que não houve restrição. A obra é inaugurada apenas com o sistema de mangueiras e extintores. O assunto ficou esquecido por seis anos na prefeitura.

- 16 de fevereiro de 2013 – Após a tragédia da Kiss, o secretário da Smic, Humberto Goulart, que havia assumido o cargo em janeiro, lança um pedido de contratação emergencial para manutenção dos extintores e mangueiras e elaboração do PPCI.

- 5 de abril – A procuradoria-geral sugere o desmembramento do contrato – um para o PPCI e outro para a manutenção dos extintores e das mangueiras.

- 21 de maio – A prefeitura assina contrato com a empresa Estinsul para a elaboração do PPCI.

- 4 de junho – Assinado o outro contrato para a manutenção dos extintores e mangueiras, também com a Estinsul.

- 7 de junho - Prefeitura assina, então, ordem de início para elaboração do PPCI, com prazo de um mês para a conclusão dos trabalhos.

- 12 de junho – É dada a ordem de início para a manutenção dos extintores, revisão e troca das mangueiras, com prazo de 15 dias. No sábado, os equipamentos de segurança funcionaram.

- 3 de julho – A empresa protocola o Laudo de Proteção contra Incêndio do Mercado Público, necessário para posterior encaminhamento do Plano de Proteção Contra Incêndio, na Secretaria Municipal de Urbanismo (Smurb).

SOCORRO NA CAPITAL GAÚCHA



ZERO HORA 09 de julho de 2013 | N° 17486

SOCORRO NA CAPITAL

Das 13 unidades da corporação previstas para Porto Alegre, apenas oito estão habilitadas para operar em toda a cidade


JOSÉ LUÍS COSTA

Labaredas começavam a engolir parte do segundo piso do Mercado Público de Porto Alegre, sábado à noite, enquanto bombeiros tentavam, em vão, abrir um hidrante próximo à prefeitura.

Uma peça interna estava quebrada, possivelmente por um ato de vandalismo, e não funcionou. Em meio ao tumulto, um bombeiro lembrou que a antiga estação Mauá, quase ao lado da prefeitura, desativada havia dois anos, tinha um hidrante que poderia ser usado. Um portão de ferro foi arrombado, uma mangueira foi conectada ao equipamento e logo a água jorrou para ajudar a debelar as chamas que consumiriam 10% do prédio.

O episódio é um exemplo de como o 1º Comando Regional de Bombeiros (1º CRB), enfrenta incêndios em Porto Alegre.

– Se ainda existisse a estação Mauá e duas escadas mecânicas estivessem a nossa disposição, quem sabe, teríamos diminuído a área atingida pelo fogo – lamenta o major Rodrigo Dutra, subcomandante do 1º CRB, e coordenador do núcleo de oficiais bombeiros da Associação dos Oficiais da Brigada Militar (Asofbm).

Das 13 estações de combate a incêndio previstas para a Capital, 10 estão em atividade, mas apenas oito são habilitadas para operar em toda a cidade (a estação Mauá foi fechada, duas existem apenas no papel, uma só atende ao aeroporto, e outra, dependendo de horários, pode, no máximo, servir de apoio). O quadro de pessoal sofre com um déficit de 31,1%, considerando o efetivo previsto pela Brigada Militar. Se levar em conta estimativas internacionais, a crise de pessoal chega a 50%. Um dos problemas mais graves é a falta de uma equipe especializada em lidar com acidentes com produtos químicos ou radiológicos.

Em termos de equipamentos, as oito estações operacionais contam com 10 caminhões de combate a incêndio – a maioria com mais de 15 anos de uso, passando boa parte do tempo em oficinas. O necessário seria, pelo menos, o dobro. O 1º CRB dispõe de uma escada mecânica (Magirus), quando o mínimo necessário seriam quatro.

Risco de ações no Guaíba

Outro equipamento que ajudaria a garantir a segurança na Capital seria uma lancha-bomba, com capacidade de sucção de água do Guaíba.

– Existem navios que atracam no porto, e há ainda o Catamarã. Se acontece um incêndio com essas embarcações, só temos um bote salva-vidas – afirma o major.

O 1º CRB chegou a ter duas lanchas, fabricadas nas décadas de 20 e 30, em uso até 1996, ano do incêndio no Edifício Cacique, até então, o último grande incêndio na Capital:

– Na época, a estrutura até era melhor. A situação atual é preocupante. Este ano, tivemos ocorrências graves no Estado, com repercussão mundial. Temos apenas um trunfo que é a qualificação humana. O pessoal é bem treinado e faz milagres.

O presidente da Associação de Bombeiros do Rio Grande do Sul (Abergs), Ubirajara Ramos, acrescenta:

– Temos dedicação profissional e uma estrutura amadora.


Separação da corporação é analisada pelo Piratini

Debatida há décadas, a desvinculação do Corpo de Bombeiros da Brigada Militar (BM) está de novo em discussão. E, desta vez, com mais ênfase. Há cerca de dois meses, o Conselho Superior da BM – formado pelos coronéis da ativa, a elite da tropa – indicou que a separação seria o melhor caminho a ser seguido pela corporação. No dia 2 de julho, Dia Nacional do Bombeiro, um projeto gestado pelo comando-geral da Brigada foi encaminhado para análise da Casa Civil, no Palácio Piratini.

O projeto prevê autonomia administrativa e financeira para os bombeiros, embora ainda sob a tutela da BM.

– É um avanço, início da separação – analisa a deputada estadual, Miriam Marroni (PT), estudiosa do assunto.

Apenas no Rio Grande do Sul, no Paraná, em São Paulo e na Bahia os bombeiros são braços das polícias militares. O porta-voz do comando-geral da BM, tenente-coronel Eviltom Pereira Diaz, evitou comentar detalhes do projeto.

Sobre a estrutura dos bombeiros na Capital, Eviltom afirmou que as deficiências são históricas. Lembrou que estão sendo adquiridos três carros e uma auto plataforma – caminhão com um braço conectado a um cesto, no qual um bombeiro pode se aproximar de áreas em chamas a uma altura de até 80 metros.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

FRAGILIDADES REVELADAS



ZERO HORA 08 de julho de 2013 | N° 17485

COMBATE ÀS CHAMAS

Falta de pessoal e equipamentos evidenciaram carências na infraestrutura da corporação na Capital

MARCELO GONZATTO

O trabalho do Corpo de Bombeiros para conter o incêndio no Mercado Público da Capital salvou o prédio da ruína, mas também revelou carências preocupantes na infraestrutura da corporação na Capital.

Embora a chegada das primeiras viaturas tenha demorado apenas quatro minutos, a falta de pessoal e equipamentos próprios exigiu o apoio de unidades localizadas a mais de 35 quilômetros e que precisaram de uma hora para enviar equipamentos importantes como mais escadas magirus. A dificuldade de combate ao fogo pelo alto foi uma das principais fragilidades demonstradas pelo incidente de sábado.

Quando os bombeiros chegaram diante da fachada em chamas do prédio histórico, às 20h38min, conforme a marcação oficial do comando na Capital, parecia que sobraria pouco do Mercado Público. As labaredas se elevavam acima da cobertura metálica e avançavam para os lados. Ao perceber a dimensão do incêndio, os bombeiros da Capital acionaram a rede de apoio que congrega unidades de municípios como Canoas, Novo Hamburgo e São Leopoldo. O pedido de auxílio também foi necessário para fazer frente às carências de estrutura na Capital.

Durante a maior parte do tempo em que o incêndio estava descontrolado, os bombeiros contaram com sua única autoescada mecânica (conhecida popularmente pela marca Magirus) em operação na cidade para lançar água do alto sobre o segundo piso ardente. Para enfrentar o fogo nas três fachadas, o equipamento tinha de ser deslocado lentamente.

– Esse é um processo que leva uns 10 minutos, o que é muito numa situação dessas. O ideal era agir ao mesmo tempo em todas as frentes – avalia o subcomandante dos bombeiros na Capital, major Rodrigo Dutra, também coordenador do núcleo de oficiais bombeiros da Associação dos Oficiais da Brigada Militar (Asofbm).

Enquanto isso, outros dois veículos equipados com esse tipo de escada, capaz de atingir 30 metros de altura, se deslocavam desde São Leopoldo e Novo Hamburgo. Segundo Dutra, em razão da demora, foram utilizadas mais para fazer rescaldo do que para combater o fogo. A estratégia dos bombeiros foi enviar homens para o interior do prédio – o que aumenta a eficácia dos jatos de água por não enfrentar obstáculos como paredes e coberturas – e estabelecer uma linha imaginária a partir da qual as chamas não deveriam passar, e que acabou sendo o limite final do incêndio.

Porém, foi necessário um novo esforço para compensar outra carência da corporação: a falta de pessoal. Segundo o major Dutra, como há cerca de cinco vezes menos homens do que o ideal (veja quadro abaixo), cerca de 20% dos 70 militares mobilizados estavam de folga e agiram de forma voluntária. Outros vieram de municípios vizinhos, o que também atrasou a formação da força máxima para enfrentar as chamas.

Segundo o especialista em gerenciamento de riscos Gustavo Cunha Mello, do Rio de Janeiro, carências de pessoal e equipamento são uma ameaça comum em caso de incêndio em capitais como Porto Alegre. A escassez de escadas magirus é um dos problemas mais graves.

– Uma tragédia nunca ocorre por um fator só, é sempre uma combinação. A estrutura dos bombeiros é uma delas, assim como legislação e fiscalização – avalia Mello.

O comandante dos bombeiros na Capital, tenente-coronel Adriano Krukoski, sustenta que, apesar das dificuldades, o trabalho da corporação teve sucesso ao limitar em 10% da edificação os estragos.



PÁGINA 10 | CARLOS ROLLSING

Blindagem

É grande a insatisfação de bombeiros com a atuação de assessores do Palácio Piratini que teriam ido ao Mercado Público ainda no momento de combate ao incêndio para supostamente blindar informações e moldar respostas sobre a eventual falta de estrutura e de equipamentos da corporação.

Vários oficiais se disseram frustrados por não poder evitar mais o ocorrido porque faltou equipamento – diz José Carlos Riccardi Guimarães, presidente da Associação dos Oficiais da Brigada Militar.