EDITORIAIS
No próximo dia 27, terão transcorrido seis meses do incêndio que resultou na morte de 242 pessoas em Santa Maria. A partir dos procedimentos e trâmites já cumpridos nesse intervalo, é possível qualificar de burocrática e decepcionante a tramitação dos processos legais que deveriam levar à responsabilização e punição de autoridades omissas, servidores negligentes e empresários gananciosos. Familiares das vítimas e a sociedade rio-grandense em geral assistem perplexos àquilo que se pode chamar de primeiros sinais de impunidade. Ninguém está preso entre os 28 indiciados no inquérito criminal realizado pela Polícia Civil.
Muita expectativa havia sido depositada pelos que acompanharam os desdobramentos do caso no inquérito civil público realizado pelo Ministério Público do Estado. Afinal, esse seria o instrumento correto para apurar a ocorrência de crime contra a administração pública por parte de autoridades e servidores no episódio. A própria Polícia Civil havia sugerido inquérito civil sobre indícios de irregularidades na conduta de servidores municipais, incluindo o prefeito Cezar Schirmer.
Desafortunadamente, o trabalho dos promotores resultou, ontem, numa ação civil pública na qual é pedida a responsabilização por improbidade administrativa de apenas quatro bombeiros. Tudo que o MP foi capaz de concluir é que os quatro oficiais “atentaram contra o princípio basilar da administração pública, de legalidade” e teriam agido com “desonestidade” ao usar de forma indevida o software Sistema Integrado de Gestão de Prevenção de Incêndios, permitindo que parte das normas estaduais e praticamente toda a legislação municipal sobre incêndios fosse descumprida. No caso dos servidores do município, a ação civil pública sustenta expressamente que “é inegável que houve falha administrativa (...) No entanto, não se pode daí extrair improbidade administrativa de servidores”. No que toca à não inclusão do prefeito na ação civil pública, os promotores afirmam que “(...) a edição e coexistência de diplomas legais que aparentemente não se integravam (ao menos não com a desejável e necessária clareza), a par de não constituírem por si mesmas condutas configuradoras de improbidade administrativa, não podem ser atribuídas ao atual primeiro mandatário (...) porque o decreto municipal, que regra a expedição do Alvará de Localização (...) é de gestão administrativa anterior”. Traduzindo: a legislação que facilitaria brechas na fiscalização não foi aprovada na administração de Schirmer.
Tinham razão integrantes de movimentos de familiares de vítimas e da sociedade civil em esperar mais do Ministério Público. Compreensivelmente, a sensação dos parentes dos mortos é de desamparo. Ainda que os trâmites legais devam ser respeitados, é inaceitável que uma tragédia causada por um conjunto de irresponsabilidades evidenciadas nas investigações fique impune. O tecnicismo legal não pode deixar em segundo plano a dor das famílias e amigos das vítimas.
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