SANTA MARIA, 27/01/2013
Mais do que revelar o sentimento de impunidade que domina Santa Maria seis meses após o incêndio da boate Kiss, a pesquisa realizada pelo Instituto Methodus sobre as percepções da população da cidade em relação à maior tragédia da história gaúcha emite outro alerta. Na avaliação de psicólogos e psicanalistas ouvidos por ZH, a sensação marcante de injustiça é um dos ingredientes que dificultam a elaboração do luto, retardando a superação coletiva.
Encomendado pelo Grupo RBS, o levantamento realizado com 600 moradores de Santa Maria mostrou que 57% deles não acreditam que será feita justiça e quase 62% deles discordam que todos os envolvidos estão respondendo judicialmente pelos erros cometidos. Para o psicanalista Robson de Freitas Pereira, membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre, reverter essa percepção é crucial para que a cidade consiga reagir.
– Luto é poder aceitar aquela perda. Se a Justiça não consegue oferecer uma resposta, dificulta ainda mais essa aceitação. A reconstrução da vida e da cidade passa pelo sentimento de que se está fazendo justiça – analisa.
Professor do curso de psicologia da Universidade Federal do Rio Grande (Furg) e um dos profissionais que trabalharam no centro de acolhimento às vítimas da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), o psicólogo Lucas Neiva-Silva concorda com a avaliação, chamando a atenção para o fato de que é necessário ir além da responsabilização dos culpados.
– Sentimento de justiça não é só a busca por responsáveis, é também a busca por mudanças efetivas nas políticas públicas. Não adianta só colocar a cabeça de alguém na bandeja, é preciso ações efetivas para garantir que aquilo nunca se repetirá, para que as mortes não sejam em vão – observa.
O estudo também mostrou que 91,7% dos entrevistados identificam a necessidade de reconstruir a autoestima da cidade. Na avaliação de Nelma Campos Aragon, responsável técnica pelo Instituto de Psicologia Social de Porto Alegre Pichon-Rivière, um dos caminhos seria apostar na arte, na música e na literatura como canais para extravasar a dor.
– Não é fazer de conta que nada aconteceu, é trabalhar essa dor, para falar dela de um outro jeito. É uma maneira de intensificar a vida através desses recursos, com reflexão – explica.
Recuperar a capacidade de sorrir e de celebrar a vida, apesar da dor, é um outro passo importante. Assim como a necessidade de viver o luto publicamente ainda é forte, o psicanalista Volnei Antonio Dassoler observa que as iniciativas de retomada da vida também são igualmente legítimas e devem ser respeitadas.
– Não podemos cultivar uma divisão entre a população como se tivéssemos de escolher um lado. Na verdade, estamos dentro e no meio disso tudo – reflete Dassoler, membro do comitê gestor do AcolheSaúde, serviço de apoio da Secretaria de Saúde de Santa Maria às vítimas do incêndio.
Na data em que se completaram seis meses da tragédia, cerca de 500 pessoas realizaram uma caminhada até a Catedral Metropolitana de Santa Maria para homenagear as vítimas. Vestidas com túnicas pretas, na noite de sábado, também levavam velas e soltaram um pombo branco, simbolizando os pedidos de paz e justiça.
LETÍCIA DUARTE
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