ZERO HORA 12 de março de 2013 | N° 17369
SANTA MARIA, 27/01/2013. Documentos sob suspeita usados em projeto da Kiss
CARLOS WAGNER
CARLOS WAGNER
Um suposto plano de prevenção e um Certificado de Conformidade dos Bombeiros, documentos sob suspeita da Polícia Civil, foram apresentados pelos donos da boate Kiss como garantia de que eram seguras as reformas que transformaram o prédio onde funcionava um curso pré-universitário em uma das maiores danceterias de Santa Maria.
Mesmo sem que os donos tivessem realizado todas as reformas exigidas pelo município, a prefeitura concedeu Alvará de Localização que autorizou o funcionamento da boate
A revelação abre duas hipóteses para delegados que investigam a tragédia: documentos podem ter sido utilizados para ludibriar técnicos da prefeitura (o município seria vítima) ou servidores municipais podem ter deixado a boate funcionar mesmo sabendo que obras de adequação não foram feitas, levando em consideração apenas documentos apresentados pela Kiss (o município, neste caso, teria sido conivente).
– Eu acredito que a prefeitura deveria ter sido mais criteriosa. Alguém do corpo da prefeitura, um técnico, faz apontamentos, esses apontamentos são imprescindíveis para garantir a segurança do estabelecimento, e o estabelecimento assim mesmo é autorizado a funcionar... Há algo errado: ou na legislação ou no procedimento adotado pelas pessoas que lá estão – delegado Sandro Meinerz.
Município sugeriu 29 adequações
Em julho de 2009, a arquiteta Cristina Gorski Trevisan entrou com o Projeto de Reforma sem Ampliação do Imóvel no Escritório da Cidade, autarquia da prefeitura. Na ocasião, o arquiteto da prefeitura, Rafael Escobar de Oliveira, listou 29 anotações técnicas que deveriam ser acrescentadas ao projeto. Cristina desistiu das alterações. Em setembro de 2009, porém, o projeto voltou a ser enviado à prefeitura usando o nome de Econ Empreendimentos de Turismo e Hotelaria Ltda (como se fosse a proprietária).
Em seu depoimento à polícia, Cristina disse que a maioria das 29 anotações técnicas feitas pelo seu colega haviam sido sanada. Para comprovar as supostas alterações, ela teria anexado ao projeto o plano de prevenção da Kiss (um documento simplificado e inadequado para aquele tipo de empreendimento) e o certificado de conformidade emitido pelo Corpo de Bombeiro (emitido com base do plano incompleto). Zero Hora tentou conversar com Cristina, mas ela não atendeu aos chamados.
– Os documentos foram aceitos como uma garantia de que aqueles itens de segurança tinha sido sanados – explicou Oliveira.
Mesmo com as supostas garantias, o projeto não foi aprovado pela prefeitura porque outros itens apontados não haviam sido alterados, como o dimensionamento correto das saídas de emergência. Na última vez em que o projeto foi analisado, em março de 2010, foram apontados seis itens que precisavam ser corrigidos, entre eles a retirada de uma rampa que estava sobre o passeio público. Não há registro conhecido na prefeitura de que o projeto tenha sido retirado, portanto, ele não foi aprovado. Mesmo assim, em abril de 2010 a prefeitura concedeu o Alvará de Localização da Kiss – uma espécie de certidão de nascimento da boate. Nesta época, inclusive, a boate já funcionava há meio ano de forma irregular. Ontem, ZH tentou conversar com o prefeito Cezar Schirmer, mas assessores informaram que ele estava em Brasília e não poderia conceder entrevista.
No depoimento à polícia, na sexta-feira, Schirmer disse que o fato de não ter sido aprovado o projeto de reforma não impedia a concessão do Alvará de Localização por que são “dois procedimentos que tramitam em secretárias diferentes”.
FALTA ESCLARECER
NÃO ESTÁ CLARO - Como a prefeitura expediu Alvará de Localização sem que o projeto de reforma tenha sido aprovado?
Conforme a prefeitura, são dois procedimentos diferentes: um relativo a construção e instalações físicas e o outro é relativo a ocupação da área. As duas questões seriam tratadas por secretárias diferentes e não existiriam normas legais que regularizem a troca de informações entre os órgãos diferentes.
SEM RESPOSTA - Se havia pendência da reforma, como a prefeitura permitiu que a boate funcionasse?
ESCRITÓRIO DA CIDADE - O Escritório da Cidade nasceu da extinção, em 2005, da Secretaria do Planejamento. No segundo semestre de 2009, a superintendência, que pertencia ao Escritório, foi transferida para a Secretaria Municipal de Controle e Mobilidade Urbana (SMU). Antes da tragédia da Kiss, estava sendo negociada a volta da superintendência para o Escritório da Cidade, processo que está sendo acelerado. O Escritório da Cidade tem, basicamente, duas funções: análise de todos os estudos técnicos urbanos da cidade e elabora os projetos de obras municipais.
O Conselho Superior do Ministério Público recebeu o pedido de análise da conduta da Promotoria Civil de Santa Maria. A solicitação foi encaminhada pela Procuradoria-Geral de Justiça do Estado e será avaliada pelo conselho que, se julgar procedente, abrirá um procedimento administrativo para investigar a conduta do MP local. O pedido é referente ao Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre o MP e a boate Kiss, em 2011, e foi protocolado na Procuradoria-Geral por um dos advogados de sócios da Kiss.
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