ZERO HORA - 25 de março de 2013 | N° 17382
SANTA MARIA, 27/01/2013
ADRIANA IRION E HUMBERTO TREZZI
A quem caberá a hercúlea tarefa de examinar 13 mil páginas de inquérito, interrogar 16 réus, ouvir centenas de testemunhas e presidir o julgamento sobre o incêndio que matou 241 pessoas na boate Kiss, em 27 de janeiro? A um juiz de Santa Maria, seria a resposta mais plausível. Mas a situação não é tão simples. Complicou quando os policiais que investigavam o caso resolveram sugerir processo por homicídio culposo contra o prefeito Cezar Schirmer por negligência na fiscalização da boate. Como Schirmer tem foro privilegiado, só pode ser julgado pelos desembargadores da 4ª Câmara do Tribunal de Justiça (TJ) – caso as suspeitas levantadas pela polícia contra ele se transformem em denúncia e esta seja aceita pela Justiça.
A interpretação majoritária entre juristas é que, nesse caso, todos os processados criminalmente pela tragédia deveriam ser julgados no TJ. Há jurisprudência definindo isso. Os dois promotores de Santa Maria que analisam as 13 mil folhas do inquérito desde a tarde de sexta-feira, Joel Oliveira Dutra e Maurício Trevisan, informaram ontem que não pretendem se manifestar sobre Schirmer por entenderem que a análise de eventual denúncia contra o prefeito não é de sua alçada.
– A Procuradoria de Justiça é que vai analisar essa cópia do inquérito que foi para lá para tratar do assunto Schirmer. Enquanto isso, nosso trabalho segue aqui, não tem por que a gente ficar aguardando – sustenta Dutra.
Trevisan afirma que uma eventual denúncia contra Schirmer pode ser encaminhada pelo procurador-geral ou pela chamada Procuradoria de Prefeitos. Se isso se confirmar, seria um raríssimo caso de julgamento por homicídio decidido por desembargadores. Isso já aconteceu em 1990, quando um parlamentar suspeito de assassinar o radialista e deputado estadual José Antônio Daudt foi julgado – e absolvido – no TJ.
Os promotores, porém, preferem a realização de júri popular dos indiciados em Santa Maria. Isso ocorrerá se Schirmer não for denunciado pelo MP ou caso o prefeito seja responsabilizado mediante a divisão do processo. Dutra e Trevisan poderiam invocar, por exemplo, o artigo 80 do Código de Processo Penal. Ele estabelece a possibilidade de que os processos por homicídio sejam separados, entre outros motivos, quando há excessivo número de acusados – o caso tem 16 réus.
MP deve insistir por júri em Santa Maria
Na hipótese de abertura de processo no TJ, o caminho provável do Ministério Público é insistir para que Schirmer seja julgado em separado (se houver elementos para isso), pelos desembargadores, destinando aos demais acusados julgamento em Santa Maria. A decisão sobre isso caberia à 4ª Câmara do TJ. Uma terceira possibilidade é que a procuradoria de prefeitos faça denúncia contra o prefeito e a Justiça decida arquivá-la, o que faria o julgamento permanecer na cidade.
Como há quatro suspeitos presos, os promotores de Santa Maria têm cinco dias úteis para encaminhar as denúncias. Porém, esse prazo pode ser prorrogado por tempo indeterminado se houver necessidade. Dutra disse que tem um “sentimento” de que será necessário um pouco mais de tempo para a análise do inquérito.
– A regra é encaminhar as denúncias de todos no mesmo momento, presos ou não, salvo se não houver elementos suficientes em algum caso. Aí, a denúncia pode ser encaminhada posteriormente – completou Trevisan.
Advogado promete “nitroglicerina pura”
Entre hoje e amanhã, o criminalista Jader Marques, advogado de defesa da família de um dos sócios da Kiss, Elissandro Sphor, o Kiko, pretende ingressar na Justiça com novos pedidos que, segundo ele, vão adicionar “nitroglicerina pura” às investigações sobre a tragédia da boate Kiss.
Defensor da inclusão de autoridades estaduais no processo, o advogado passou o final de semana estudando ponto por ponto as competências e elaborando o material a ser apresentado.
– Não vou antecipar, vou agir – disse ontem Jader Marques.
Um dos prováveis pedidos será para que todo o julgamento seja remetido para o Tribunal de Justiça, em Porto Alegre. Para a defesa, ter mais autoridades com mandato denunciadas além do prefeito Cezar Schirmer seria vantajoso porque reforçaria a tese de que todo o julgamento deve ser repassado à 4ª Câmara do TJ.
Isso evitaria que os donos da Kiss e os demais indiciados por homicídio doloso (dolo eventual, quando alguém assume o risco de matar) fossem a júri popular em Santa Maria, o que diminuiria a pressão popular e o clamor em que a cidade está mergulhada desde a tragédia. O julgamento ficaria sob responsabilidade da 4ª Câmara do TJ em Porto Alegre, delegando a decisão a três desembargadores.
Contrário à posição, o MP vai defender que o júri popular seja realizado em Santa Maria e que apenas as autoridades com foro privilegiado sejam julgadas pelo TJ.
Desagravo e carta aberta dos bombeiros
MATHEUS BECK
A repercussão do inquérito policial que indiciou ou responsabilizou 13 bombeiros e um oficial da reserva pela tragédia na boate Kiss levou a corporação a reagir. Uma reunião realizada pela Associação dos Oficiais da Brigada Militar (AsofBM) na tarde de sábado, na Capital, expôs a insatisfação dos militares com o que consideram más condições de trabalho. Em uma carta aberta, foi listada uma série de reivindicações como a desvinculação da Brigada Militar e um percentual mínimo de 10% do orçamento da Secretaria da Segurança Pública.
– Há tempos, (os bombeiros) não são tratados como deveriam. É uma instituição, não uma peça da polícia – afirmou o tenente-coronel José Carlos Riccardi Guimarães, presidente da AsofBM.
Hoje, os investimentos dependem de repasses da BM e de arrecadações de cada companhia. O coordenador do núcleo de bombeiros da AsofBM, major Rodrigo Dutra, disse que a falta de efetivo afeta várias unidades. A reunião serviu como desagravo aos colegas citados no inquérito. O major Gerson da Rosa Pereira, indiciado pela Polícia Civil por fraude processual, declarou:
– O delegado não tem competência para me indiciar, só a BM ou a Justiça Militar.
O tenente-coronel Moisés da Silva Fuchs, comandante do 4º Comando Regional dos Bombeiros, responsabilizado por homicídio culposo (sem a intenção de matar) e improbidade administrativa, teve seu afastamento anunciado pelo governador Tarso Genro. O fato foi criticado pelos colegas de farda.
A repercussão do inquérito policial que indiciou ou responsabilizou 13 bombeiros e um oficial da reserva pela tragédia na boate Kiss levou a corporação a reagir. Uma reunião realizada pela Associação dos Oficiais da Brigada Militar (AsofBM) na tarde de sábado, na Capital, expôs a insatisfação dos militares com o que consideram más condições de trabalho. Em uma carta aberta, foi listada uma série de reivindicações como a desvinculação da Brigada Militar e um percentual mínimo de 10% do orçamento da Secretaria da Segurança Pública.
– Há tempos, (os bombeiros) não são tratados como deveriam. É uma instituição, não uma peça da polícia – afirmou o tenente-coronel José Carlos Riccardi Guimarães, presidente da AsofBM.
Hoje, os investimentos dependem de repasses da BM e de arrecadações de cada companhia. O coordenador do núcleo de bombeiros da AsofBM, major Rodrigo Dutra, disse que a falta de efetivo afeta várias unidades. A reunião serviu como desagravo aos colegas citados no inquérito. O major Gerson da Rosa Pereira, indiciado pela Polícia Civil por fraude processual, declarou:
– O delegado não tem competência para me indiciar, só a BM ou a Justiça Militar.
O tenente-coronel Moisés da Silva Fuchs, comandante do 4º Comando Regional dos Bombeiros, responsabilizado por homicídio culposo (sem a intenção de matar) e improbidade administrativa, teve seu afastamento anunciado pelo governador Tarso Genro. O fato foi criticado pelos colegas de farda.
Nenhum comentário:
Postar um comentário