Este Blog retratará o descaso com a Defesa Civil no Brasil; a falta de políticas específicas; o sucateamento dos Corpos de Bombeiros; os salários baixos; a legislação ambiental benevolente; a negligência na fiscalização; os desvios de donativos e recursos; os saques; a corrupção; a improbidade; o crime organizado e a inoperância dos instrumentos de prevenção, controle e contenção. Resta o sofrimento das comunidades atingidas, a solidariedade consciente e o heroísmo daqueles que arriscam a vida e suportam salários miseráveis e péssimas condições de trabalho no enfrentamento das calamidades e sinistros que assolam o povo brasileiro.

segunda-feira, 11 de março de 2013

NOVO ELO NA CADEIA DE FALHAS DA KISS

ZERO HORA 11 de março de 2013 | N° 17368

SANTA MARIA

CARLOS WAGNER | SANTA MARIA

O projeto de reforma do prédio para a instalação da boate Kiss, de 2009, não foi aprovado pela prefeitura de Santa Maria. Graças a normas legais que não colocam como exigência a aprovação do projeto para a concessão da licença de funcionamento, a Kiss recebeu o alvará de localização em 2010.

As instalações inadequadas da boate são apontadas como uma das causas do incêndio que, em 27 de janeiro, matou 241 pessoas, a maioria jovens universitários.

No caso da Kiss, foi feito um Projeto de Reforma sem Ampliação do Imóvel. Esse tipo de projeto tem o objetivo de adequar o prédio às medidas de segurança exigidas para a nova atividade – antes o local era um cursinho pré-vestibular. O documento fica arquivado na prefeitura para consultas. Em 27 de julho de 2009, a arquiteta Cristina Gorski Trevisan entrou no Escritório da Cidade – autarquia da prefeitura – com o requerimento número 21399/09, pedindo aprovação do Projeto de Reforma sem Ampliação do Imóvel do prédio para que, então, a boate funcionasse. A arquiteta fez uma Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) do projeto no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio Grande do Sul (Crea-RS).

Na prefeitura, o documento foi avaliado pelo arquiteto Rafael Escobar de Oliveira, que afirmou para a reportagem, no sábado, que pediu que fossem feitas 29 modificações, sendo que uma delas se referia a portas de emergência. Em 17 de setembro de 2009, o projeto foi devolvido à arquiteta pelo Escritório da Cidade com os pedidos de modificações.

Objetivo deveria ser a segurança

A partir da entrega, começou a correr um prazo de 60 dias para o retorno do projeto à prefeitura com as modificações feitas. Segundo Oliveira, o projeto não voltou com as modificações, o que é considerado abandono. O registro que existe são de seis multas, no total de R$ 15 mil, que mostram que a Kiss começou a funcionar de maneira clandestina quatro dias depois de a arquiteta enviar o projeto de reforma, em 31 de julho de 2009. Em 2010, a boate recebeu o alvará de localização.

Ontem à tarde, Zero Hora perguntou para Cristina por que ela não retornou com o projeto para ser entregue à prefeitura, com as correções técnicas exigidas. Ela se limitou a responder, por e-mail:

– Meu escritório fez o projeto de arquitetura de interiores em 2009. Ele foi aprovado pela prefeitura.

Embora a licença da prefeitura para fazer reformas sem ampliação do imóvel não seja um documento requerido na hora de dar o alvará de localização, a ausência da aprovação do projeto poderá ajudar a esclarecer como a Kiss funcionava sem condições. Esse é o raciocínio de Sandro Meinerz, um dos delegados encarregados do inquérito que investiga as responsabilidades do incêndio em Santa Maria.

– Mesmo se fosse apenas uma exigência burocrática, esse tipo de licença deveria ter como objetivo a segurança – disse Meinerz.

Na sexta-feira, durante o depoimento do prefeito Cezar Schirmer à Polícia Civil, o delegado perguntou se ele conhecia esta situação. Sem entrar em detalhes, o chefe do Executivo respondeu ter ouvido falar da listagem de exigências técnicas feitas ao projeto.

– Nós informamos oficialmente à polícia que não temos o Projeto de Reforma sem Ampliação do Imóvel da Kiss arquivado – afirmou Anny Desconzi, procuradora-geral da prefeitura.

Anny complementa que a Kiss não está sujeita à penalidade porque desistiu do projeto. Ela ainda acrescenta que o projeto de reforma só é exigido pelos órgãos que liberam o alvará de localização quando aumentam a área construída porque sobe o preço dos impostos.


O NÓ A SER INVESTIGADO

- O Projeto de Reforma sem Ampliação do Imóvel tem o objetivo de adequar o prédio às medidas de segurança exigidas para uma nova atividade. O local da Kiss era antes um cursinho pré-vestibular.
- Esse documento fica arquivado na prefeitura para consultas.

- No caso da Kiss, foram feitas 29 recomendações pelo arquiteto da prefeitura. O documento nunca retornou, o que é considerado abandono.

- O fato de o projeto não ter retornado com as modificações técnicas exigidas configura que as alterações feitas no prédio podem ter sido feitas à revelia do que é previsto na lei.

- A Kiss começou a funcionar de maneira clandestina quatro dias depois de a arquiteta Cristina Gorski Trevisan enviar o projeto de reforma, em 31 de julho de 2009. Há registro de seis multas, no total de R$ 15 mil, pelo funcionamento clandestino.

- Em 2010, a boate recebeu o alvará de localização, que não exige o Projeto de Reforma sem Ampliação do Imóvel (exceto quando a área construída é ampliada). Os documentos tramitam em órgãos diferentes da prefeitura.

As dificuldades que a polícia tem para esclarecer as responsabilidades na prefeitura sobre a fiscalização:
- Os alvarás são fornecidos por uma secretaria e fiscalizados por outra.

- As licenças são dadas baseadas em documentos, sem a verificação in loco se o que está escrito é verdade.

- Não há comunicação oficial entre os órgãos que fazem a fiscalização – municipais, estaduais e federais.

- Os gestores das áreas assinam os documentos confiando nas informações prestadas pelos fiscais, a maioria sem treinamento para lidar com situações perigosas.





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