Este Blog retratará o descaso com a Defesa Civil no Brasil; a falta de políticas específicas; o sucateamento dos Corpos de Bombeiros; os salários baixos; a legislação ambiental benevolente; a negligência na fiscalização; os desvios de donativos e recursos; os saques; a corrupção; a improbidade; o crime organizado e a inoperância dos instrumentos de prevenção, controle e contenção. Resta o sofrimento das comunidades atingidas, a solidariedade consciente e o heroísmo daqueles que arriscam a vida e suportam salários miseráveis e péssimas condições de trabalho no enfrentamento das calamidades e sinistros que assolam o povo brasileiro.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

A RATOEIRA KISS


ZERO HORA 09 de fevereiro de 2013 | N° 17338 ARTIGOS


Adroaldo Furtado Fabrício*



Um recinto retangular, encaixado (eu quase ia dizendo “encaixotado”) entre dois grandes prédios, com porta única em uma das paredes menores, palco no extremo oposto atraindo a maior concentração de público, banheiro com janelas para a rua inexpugnavelmente bloqueadas, à prova de marretas e machados. Junto à porta única, um corredor que encaminhava à caixa e impedia a saída de quem acaso pretendesse subtrair-se ao pagamento da despesa.

Perfeito para os negócios: o empresário podia estar tranquilo quanto a qualquer tentativa de calote; o dispêndio com pessoal de segurança podia ser minimizado pela desnecessidade de vigiar saídas alternativas e pontos de possível fuga; o custo de manutenção de um imóvel com porta única é certamente mais módico.

Mas, do ponto de vista dos frequentadores, uma ratoeira, um cenário pronto para a previsível tragédia. Não é preciso ser engenheiro, bombeiro ou perito em segurança para perceber isso: basta olhar, mesmo de relance, a planta baixa do imóvel para compreender sem demora ou dúvida a razão principal da catástrofe. Haverá concausas, como a inadequação do material de revestimento, o inacreditável licenciamento pelo poder público, a utilização de artefatos pirotécnicos e por aí adiante. Mas a causa primária e gritante se impõe mesmo ao olho leigo e desarmado: a configuração física das instalações da boate era um convite ao desastre.

A responsabilização de todos, absolutamente todos os que tenham concorrido para a tragédia, tem de ser levada a cabo. Não se trata de caça às bruxas ou vendeta rancorosa, mas de abertura de caminhos para que similares e tão horrendas catástrofes não se reproduzam. Conversando com frequentadores habituais desse tipo de ambiente, ouço que as condições, na maioria dos casos, pouco diferem daquelas. É preciso corrigi-las, imediata, radical e rigorosamente, com punição exemplar dos infratores.

É preciso, de outro lado, que se dê uma satisfação mínima aos inconsoláveis familiares – pais e mães sobretudo – que se veem para sempre subtraídos de uma parte inavaliável deles mesmos. Não lhes servirá de consolo, talvez, a responsabilização dos culpados, mas o saber que algo se faz para que outras pessoas não precisem passar pelo mesmo horror quiçá lhes possa dar algum conforto e força para seguir adiante.

Olhando a galeria trágica dos rostos jovens e sorridentes daqueles meninos e meninas, que mal começavam a viver, não posso deixar de pôr-me no lugar dos pais. E, a cada momento, recordar o que escreveu uma de minhas filhas, um ano depois de perder seu próprio filho na flor da idade: “Uns dizem que a vida continua. Mas, na verdade, ela termina, e é preciso inventar outra”. O que fizermos – todos nós, como sociedade – para impedir a reprodução da monstruosa tragédia talvez possa ser uma das pedrinhas de que esses pais dilacerados, órfãos às avessas, precisarão para construir uma vida nova.

*ADVOGADO

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