Adroaldo Furtado Fabrício*
Um recinto retangular, encaixado (eu quase ia dizendo “encaixotado”) entre dois grandes prédios, com porta única em uma das paredes menores, palco no extremo oposto atraindo a maior concentração de público, banheiro com janelas para a rua inexpugnavelmente bloqueadas, à prova de marretas e machados. Junto à porta única, um corredor que encaminhava à caixa e impedia a saída de quem acaso pretendesse subtrair-se ao pagamento da despesa.
Perfeito para os negócios: o empresário podia estar tranquilo quanto a qualquer tentativa de calote; o dispêndio com pessoal de segurança podia ser minimizado pela desnecessidade de vigiar saídas alternativas e pontos de possível fuga; o custo de manutenção de um imóvel com porta única é certamente mais módico.
Mas, do ponto de vista dos frequentadores, uma ratoeira, um cenário pronto para a previsível tragédia. Não é preciso ser engenheiro, bombeiro ou perito em segurança para perceber isso: basta olhar, mesmo de relance, a planta baixa do imóvel para compreender sem demora ou dúvida a razão principal da catástrofe. Haverá concausas, como a inadequação do material de revestimento, o inacreditável licenciamento pelo poder público, a utilização de artefatos pirotécnicos e por aí adiante. Mas a causa primária e gritante se impõe mesmo ao olho leigo e desarmado: a configuração física das instalações da boate era um convite ao desastre.
A responsabilização de todos, absolutamente todos os que tenham concorrido para a tragédia, tem de ser levada a cabo. Não se trata de caça às bruxas ou vendeta rancorosa, mas de abertura de caminhos para que similares e tão horrendas catástrofes não se reproduzam. Conversando com frequentadores habituais desse tipo de ambiente, ouço que as condições, na maioria dos casos, pouco diferem daquelas. É preciso corrigi-las, imediata, radical e rigorosamente, com punição exemplar dos infratores.
É preciso, de outro lado, que se dê uma satisfação mínima aos inconsoláveis familiares – pais e mães sobretudo – que se veem para sempre subtraídos de uma parte inavaliável deles mesmos. Não lhes servirá de consolo, talvez, a responsabilização dos culpados, mas o saber que algo se faz para que outras pessoas não precisem passar pelo mesmo horror quiçá lhes possa dar algum conforto e força para seguir adiante.
Olhando a galeria trágica dos rostos jovens e sorridentes daqueles meninos e meninas, que mal começavam a viver, não posso deixar de pôr-me no lugar dos pais. E, a cada momento, recordar o que escreveu uma de minhas filhas, um ano depois de perder seu próprio filho na flor da idade: “Uns dizem que a vida continua. Mas, na verdade, ela termina, e é preciso inventar outra”. O que fizermos – todos nós, como sociedade – para impedir a reprodução da monstruosa tragédia talvez possa ser uma das pedrinhas de que esses pais dilacerados, órfãos às avessas, precisarão para construir uma vida nova.
Um recinto retangular, encaixado (eu quase ia dizendo “encaixotado”) entre dois grandes prédios, com porta única em uma das paredes menores, palco no extremo oposto atraindo a maior concentração de público, banheiro com janelas para a rua inexpugnavelmente bloqueadas, à prova de marretas e machados. Junto à porta única, um corredor que encaminhava à caixa e impedia a saída de quem acaso pretendesse subtrair-se ao pagamento da despesa.
Perfeito para os negócios: o empresário podia estar tranquilo quanto a qualquer tentativa de calote; o dispêndio com pessoal de segurança podia ser minimizado pela desnecessidade de vigiar saídas alternativas e pontos de possível fuga; o custo de manutenção de um imóvel com porta única é certamente mais módico.
Mas, do ponto de vista dos frequentadores, uma ratoeira, um cenário pronto para a previsível tragédia. Não é preciso ser engenheiro, bombeiro ou perito em segurança para perceber isso: basta olhar, mesmo de relance, a planta baixa do imóvel para compreender sem demora ou dúvida a razão principal da catástrofe. Haverá concausas, como a inadequação do material de revestimento, o inacreditável licenciamento pelo poder público, a utilização de artefatos pirotécnicos e por aí adiante. Mas a causa primária e gritante se impõe mesmo ao olho leigo e desarmado: a configuração física das instalações da boate era um convite ao desastre.
A responsabilização de todos, absolutamente todos os que tenham concorrido para a tragédia, tem de ser levada a cabo. Não se trata de caça às bruxas ou vendeta rancorosa, mas de abertura de caminhos para que similares e tão horrendas catástrofes não se reproduzam. Conversando com frequentadores habituais desse tipo de ambiente, ouço que as condições, na maioria dos casos, pouco diferem daquelas. É preciso corrigi-las, imediata, radical e rigorosamente, com punição exemplar dos infratores.
É preciso, de outro lado, que se dê uma satisfação mínima aos inconsoláveis familiares – pais e mães sobretudo – que se veem para sempre subtraídos de uma parte inavaliável deles mesmos. Não lhes servirá de consolo, talvez, a responsabilização dos culpados, mas o saber que algo se faz para que outras pessoas não precisem passar pelo mesmo horror quiçá lhes possa dar algum conforto e força para seguir adiante.
Olhando a galeria trágica dos rostos jovens e sorridentes daqueles meninos e meninas, que mal começavam a viver, não posso deixar de pôr-me no lugar dos pais. E, a cada momento, recordar o que escreveu uma de minhas filhas, um ano depois de perder seu próprio filho na flor da idade: “Uns dizem que a vida continua. Mas, na verdade, ela termina, e é preciso inventar outra”. O que fizermos – todos nós, como sociedade – para impedir a reprodução da monstruosa tragédia talvez possa ser uma das pedrinhas de que esses pais dilacerados, órfãos às avessas, precisarão para construir uma vida nova.
*ADVOGADO
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