Este Blog retratará o descaso com a Defesa Civil no Brasil; a falta de políticas específicas; o sucateamento dos Corpos de Bombeiros; os salários baixos; a legislação ambiental benevolente; a negligência na fiscalização; os desvios de donativos e recursos; os saques; a corrupção; a improbidade; o crime organizado e a inoperância dos instrumentos de prevenção, controle e contenção. Resta o sofrimento das comunidades atingidas, a solidariedade consciente e o heroísmo daqueles que arriscam a vida e suportam salários miseráveis e péssimas condições de trabalho no enfrentamento das calamidades e sinistros que assolam o povo brasileiro.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

CINCO PROBLEMAS A SEREM ENFRENTADOS

REVISTA ISTO É N° Edição: 2256

5 problemas que precisam ser enfrentados

A inépcia do poder público para garantir a integridade de quem quer se divertir em casas noturnas só vai ser superada se o Brasil desatar velhos nós que impedem uma mudança de verdade nas leis e normas de segurança

João Loes



A tragédia na boate Kiss, em Santa Maria (RS) escancarou os problemas de segurança das casas noturnas brasileiras. O saldo de 238 mortos e 65 feridos hospitalizados, sendo 18 com ventilação mecânica até a quinta-feira 7, mostrou que estamos à mercê da inépcia do poder público, de empresários irresponsáveis, e atolados num emaranhado de leis e normas confusas. Desastres semelhantes em outros países, como Estados Unidos e Argentina, resultaram em mudanças importantes para garantir a integridade das pessoas que buscam diversão nesses espaços. Isso também precisa acontecer no Brasil. ISTOÉ ouviu especialistas e elencou cinco graves entraves que precisam ser resolvidos para garantir o bom funcionamento das boates e baladas no País.

1. Bombeiros

É dos bombeiros a responsabilidade de emitir o Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB), que garante a segurança de um estabelecimento contra incêndio. Mas com as verbas escassas e os quadros de pessoal insuficientes, a corporação não tem estrutura para dar conta de todas as obrigações que tem de cumprir. Isso explicaria, em parte, a demora para renovar AVCBs de casas como a Kiss, que funcionava com o documento vencido no dia da tragédia, mesmo tendo pedido renovação em novembro de 2012. Cobrados pela demora, os bombeiros gaúchos atribuíram o atraso às questões administrativas. “Faltam recursos que possibilitem a ampliação do efetivo e garantam uma boa estrutura de funcionamento”, resume Nelson Matter, tenente-coronel aposentado dos bombeiros em Santa Catarina. Hoje, apenas 11% dos municípios brasileiros contam com bombeiros. Para contornar o problema, os especialistas ouvidos por ISTOÉ foram unânimes: é preciso aumentar o efetivo e investir mais. Uma proposta é criar um corpo de bombeiros civil, uma vez que os bombeiros hoje em atuação no País são todos militares. Alguns Estados estão mais avançados nessa solução, como Santa Catarina. Treinar esse corpo paralelo e colocá-lo para atuar com supervisão dos militares ampliaria o efetivo sem aumentar muito as despesas. Isso, no entanto, traz novos desafios. Eles precisariam receber treinamento adequado e seria necessário estabelecer em quais situações eles podem intervir e em quais eles devem chamar o bombeiro militar.

2. Congresso nacional

Quando acontece uma tragédia da magnitude da que se viu na boate Kiss, é comum ver uma avalanche de propostas de mudanças na legislação federal para evitar que algo parecido se repita. Somente entre os dias 4 e 6 de fevereiro, por exemplo, foram propostos dez novos projetos de lei para regular o funcionamento das casas noturnas que citam o caso de Santa Maria. A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), que reúne o conhecimento técnico mais avançado na área de segurança contra incêndio, defende a existência de um código nacional que discipline as regras para o funcionamento de casas de entretenimento. “Falta a padronização, nossa legislação é confusa”, resume o deputado Paulo Pimenta (PT-RS), que está à frente de uma comissão parlamentar criada para acompanhar as investigações da tragédia da Kiss. Hoje, por exemplo, não há nada que estabeleça sequer o padrão para placas que indicam as saídas de emergência. Em 120 dias, Pimenta pretende apresentar um projeto de lei federal enxuto e direto que irá se sobrepor ao emaranhado de leis estaduais e municipais que hoje coexistem de forma caótica. É fundamental que o Congresso aproveite o momento favorável para exercer, de fato, seu papel legislador.

3. Leis estaduais

As leis sobre segurança estaduais, em várias regiões do País, são confusas ou permissivas em demasia. Mas mesmo nos Estados onde elas foram bem pensadas sua execução segue sendo um grande problema. São Paulo é um exemplo disso. “As leis paulistas chegaram a servir de modelo para os americanos depois da queda das Torres Gêmeas, em 2001”, diz o arquiteto e urbanista Ives de Freitas, ex-diretor do Departamento de Controle do Uso de Imóveis (Contru). Segundo ele, desde que a capital do Estado foi palco de um dos incêndios mais trágicos da história do País – o do Edifício Joelma, que resultou na morte de 187 pessoas – as leis sobre o assunto vêm sendo aprimoradas pelos legisladores. Tragédias parecidas em outros Estados, como as do Edifício Andorinha, em 1986 no Rio de Janeiro, e do Edifício das Lojas Renner, em 1976 em Porto Alegre, tiveram efeito legislativo semelhantes. “Mas de que adianta uma legislação moderna se a fiscalização quase não existe?”, questiona o arquiteto. Os especialistas têm algumas sugestões para mudar essa situação. Primeiro, simplificar a legislação estadual, que é boa, mas muito extensa e um pouco confusa. O ideal é reunir as melhores ideias em um conjunto enxuto de leis mais fácil de compreender e aplicar. E dar autonomia aos municípios para que eles possam fazer adaptações limitadas a esse conjunto de leis para atender às demandas específicas de suas cidades. Por fim, investir, pesadamente, na contratação e treinamento de pessoal para fiscalizar essas leis.


TRABALHO
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4. Prefeitura

Das diferentes instâncias de atuação do governo, as prefeituras são as maiores responsáveis pelo bom funcionamento das casas noturnas em sua jurisdição. E a razão é simples: todo caminho percorrido por um empresário que deseja abrir um empreendimento dessa natureza começa e termina na prefeitura. Antes de a obra começar, é a prefeitura que determina, por exemplo, se o terreno escolhido está na área de zoneamento adequada e se a obra está alinhada ao plano diretor da cidade. Cabe também a ela e às suas secretarias emitir o alvará de construção, acompanhar a obra e, ao fim de todo processo, rever os documentos para conceder o alvará de funcionamento definitivo. “Na prática, como ela está mais próxima do cidadão, é a prefeitura quem cobra o respeito às leis e regras e regula o setor”, diz Rosaria Ono, professora-doutora do departamento de tecnologia da arquitetura da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). Mas, para uma instância de poder com funções tão complexas, é óbvio que faltam funcionários e investimento. Os empresários reclamam, com razão, da demora na emissão de alvarás e da indústria criada para agilizar esse processo. Com investimento e pessoal, haverá mais gente para emitir alvarás, eliminando o mercado paralelo. “Envolver os fiscais municipais na discussão das regras e legislação também é uma alternativa”, aposta o arquiteto e urbanista Ives de Freitas, ex-diretor do Departamento de Controle do Uso de Imóveis (Contru). Quando trabalhava no Contru, Freitas viu seus fiscais trabalharem com mais afinco quando eles se envolviam em discussões legislativas.



5. Corrupção

Onde há fiscalização, as oportunidades para corruptos e corruptores se multiplicam. E onde existem dificuldades sempre aparece alguém para vender facilidades. É o caso da fiscalização das casas noturnas, uma vez que um alvará de funcionamento chega a levar cinco anos para sair e sua ausência pode resultar no fechamento do negócio. A cultura da corrupção precisa ser superada no Brasil de uma vez por todas. O País não tolera mais tanta naturalidade diante desse tipo de delito. “É com a punição severa dos corruptos, empresário e fiscal, que se desestimula a corrupção”, diz Adib Kassouf Sad, presidente da comissão de direito administrativo da Ordem dos Advogados do Brasil, seção São Paulo (OAB-SP). Enquanto isso, há algumas medidas que podem dificultar a ação de corruptos e corruptores. Uma alternativa é terceirizar o trabalho de fiscalização desse tipo de atividade, defende Percival Menon Maricato, diretor jurídico da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrase). “A prefeitura podia firmar parcerias, por meio de licitações, com associações de arquitetos e engenheiros para fazer essas vistorias”, sugere. “E todos os procedimentos de fiscalização poderiam ser feitos por duplas de fiscais, para que um acompanhe de perto o trabalho do outro.”

Foto: Tarso Sarraf/Folhapress


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