Este Blog retratará o descaso com a Defesa Civil no Brasil; a falta de políticas específicas; o sucateamento dos Corpos de Bombeiros; os salários baixos; a legislação ambiental benevolente; a negligência na fiscalização; os desvios de donativos e recursos; os saques; a corrupção; a improbidade; o crime organizado e a inoperância dos instrumentos de prevenção, controle e contenção. Resta o sofrimento das comunidades atingidas, a solidariedade consciente e o heroísmo daqueles que arriscam a vida e suportam salários miseráveis e péssimas condições de trabalho no enfrentamento das calamidades e sinistros que assolam o povo brasileiro.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

BOMBEIROS VÃO DEPOR DEPOIS DO CARNAVAL

ZERO HORA 05 de fevereiro de 2013 | N° 17334

SANTA MARIA, 27/01/2013 - Bombeiros vão depor só depois do Carnaval

FRANCISCO AMORIM E LIZIE ANTONELLO

Os bombeiros envolvidos na concessão e renovação do alvará de prevenção de incêndio da boate Kiss só serão interrogados pela Polícia Civil depois do Feriadão de Carnaval.

Antes de ouvir os dois oficiais (major Daniel da Silva Adriano e capitão Alex da Rocha Camillo), a investigação analisa documentos para apurar se o uso de relatórios de inspeção emitidos eletronicamente pelo Sistema Integrado de Gestão de Prevenção de Incêndio (Sigpi) foram usados por outros estabelecimentos para a conquista do alvará do Corpo de Bombeiros.

Para a missão, o delegado regional Marcelo Arigony recebeu o apoio ontem de policiais da Divisão de Assessoramento Jurídico da Polícia Civil. Três delegados devem passar a semana em Santa Maria com a incumbência de checar documentos reunidos na Delegacia de Polícia. Mais papéis devem chegar nos próximos dias.

– Precisamos estudar os documentos antes de ouvir os bombeiros, para questionar sobre sobre a participação de cada um deles – explicou o policial.

No dia de hoje, o delegado acompanha uma nova visita dos peritos do Departamento de Criminalística (DC) ao local do incêndio. Já uma segunda reconstituição, agora a ser feita com peritos do DC, só ocorrerá na próxima semana.

– Ela deve confirmar o que a primeira apontou, ou seja, a dinâmica do incêndio, que começou junto ao palco, e as falhas do sistema de prevenção – ressaltou o delegado.

Enquanto delegados se concentram na análise de documentos e aguardam a perícia do DC, sem prazo para ser entregue, 30 policiais estão tomando depoimentos de vítimas da tragédia. Já foram identificadas 575 pessoas a serem ouvidas, mas menos de cem prestaram depoimento até agora.

A quantidade de testemunhas levou o chefe de Polícia, Ranolfo Vieira Júnior a postular que a investigação se estenderá fevereiro adentro.

Se morreram mais de 230 jovens, fica claro que essa casa não poderia estar aberta. Airton Michels, Secretário da Segurança Pública durante a coletiva


OS PRÓXIMOS PASSOS

1. DEPOIMENTOS - Cerca de cem pessoas foram ouvidas na primeira semana. Pelos menos outras 475 devem depor em fevereiro.

2. PERÍCIA - Hoje, mais uma vez, peritos do Departamento de Criminalística devem visitar o local. O laudo sobre as causas do incêndio não tem prazo para ficar pronto.

3. RECONSTITUIÇÃO - Nova reconstituição, com presença de perito do DC, será marcada para a próxima semana.

4. INTERROGATÓRIO - Fica para depois do Carnaval o interrogatório dos bombeiros envolvidos na liberação da casa.

5. CONCLUSÃO DO INQUÉRITO - Apesar de não haver previsão, o inquérito não deve ser concluído antes do início de março.

6. INQUÉRITO POLICIAL MILITAR - O IPM é sigiloso. O foco é a possível falha na concessão do alvará dos bombeiros.


O OFICIAL E A ASSINATURA

FRANCISCO AMORIM E LIZIE ANTONELLO*
*Colaboraram Caio Cigana e Juliana Bublitz

A boate Kiss só foi aberta em 2010 porque o então major Daniel da Silva Adriano considerou o local seguro para o público.

Mesmo sem um Plano de Prevenção e Combate a Incêndio – fato que ele nega –, o oficial assinou o alvará do Corpo de Bombeiros, permitindo que a casa noturna fosse autorizada a funcionar pela prefeitura.

Conhecido na sociedade santa-mariense, Adriano, que chegou a ser chefe regional da Defesa Civil, agora é coronel da reserva.

Em entrevista ao Diário de Santa Maria e Zero Hora (veja ao lado) afirmou ter feito “tudo dentro das normas” ao assinar o alvará que chancela segurança na Kiss – palco da maior tragédia da história gaúcha, que vitimou, até agora, 237 jovens. Outros personagens, citados no alto desta página, ajudam a entender o papel de cada órgão e servidor na concessão do alvará de funcionamento da boate.

Em nenhum momento da conversa, que durou 21 minutos, o oficial alterou a voz. Alternou momentos de aparente boa memória com outros em que não soube precisar informações básicas sobre o alvará que assinou.

Questionado sobre a ausência de um responsável técnico nos documentos que teriam subsidiado a concessão do alvará, foi enfático: “havia planta e havia um responsável técnico”.

Além de chefiar a Seção de Prevenção de Incêndio do 4º CRB, Adriano assumiu, em algumas vezes, o comando regional dos bombeiros. Confira ao lado, trechos da entrevista.

ENTREVISTA - “Fiz tudo dentro das normas”

Daniel da Silva Adriano, 47 anos coronel da reserva do Corpo de Bombeiros



O senhor analisou o Plano de Prevenção e Combate a Incêndio (PPCI) completo da boate Kiss em 2009 antes de emitir o alvará?

Daniel da Silva Adriano – Sim.

Se esse plano existe, onde ele está? Por que os bombeiros não o entregaram à Polícia Civil?

Adriano – Não sei. Estou afastado há mais de dois anos.

O senhor teme ser responsabilizado de alguma forma por ter assinado o primeiro alvará dos bombeiros para a boate?

Adriano – Não. Eu fiz tudo dentro das normas. Mas só posso discutir com alguém com o plano na frente porque não tenho memória fotográfica.

Havia algum responsável pelo plano?

Adriano – Sim. Isso sempre tem de ter.

O senhor lembra o nome?

Adriano – Não lembro.

Se não tivesse responsável técnico, o senhor não teria assinado o alvará?

Adriano – Claro que não.

Por que os bombeiros entregaram à polícia uma versão simplificada do PPCI?

Adriano – Não sei. Todos os PPCIs têm um número que fica nos bombeiros.

O senhor sabe se bombeiros costumam abrir empresas da área para assessorar empresários?

Adriano – É proibido por lei militar da ativa ter empresas comerciais. Não é proibido ter empresa quando está na reserva. Agora, se isso é antiético ou é ético, cada um que faça sua avaliação. No período em que estive frente à Seção de Prevenção de Incêndio nunca houve nenhum benefício para qualquer bombeiro, estando ele na ativa ou na reserva. Sequer chegou aos meus ouvidos.

Em 2009, a boate cumpria as exigências de segurança?

Adriano – Naquela época tinha toda a documentação e é certo que tinha todos os itens mínimos de segurança, como extintores, sinalização. A Kiss era aberta, simples, era uma boate para 691 pessoas. Não tinha chapelaria, área vip, grades, nada. Não tinha tratamento acústico. Não tinha como fazer saída de emergência. Mas sei que o prédio teve modificações internas.

Como o senhor acha que a boate conseguiu renovar os alvarás?

Adriano – A Kiss que eu aprovei não é essa Kiss que está aí. Essa de hoje não tem alvará. Essas reformas todas foram depois de agosto de 2011. Bombeiros não voltaram mais para ver isso.

Como o senhor encara esta situação?

Adriano – Nossa missão sempre foi preservação do patrimônio é da vida. Não é possível alguém querer acusar o Corpo de Bombeiros de negligência.

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