Este Blog retratará o descaso com a Defesa Civil no Brasil; a falta de políticas específicas; o sucateamento dos Corpos de Bombeiros; os salários baixos; a legislação ambiental benevolente; a negligência na fiscalização; os desvios de donativos e recursos; os saques; a corrupção; a improbidade; o crime organizado e a inoperância dos instrumentos de prevenção, controle e contenção. Resta o sofrimento das comunidades atingidas, a solidariedade consciente e o heroísmo daqueles que arriscam a vida e suportam salários miseráveis e péssimas condições de trabalho no enfrentamento das calamidades e sinistros que assolam o povo brasileiro.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

ESPERANDO POR MUDANÇAS

REVISTA ISTO É N° Edição: 2256 | 07.Fev.13 - 23:59 | Atualizado em 09.Fev.13 - 11:04


Apesar da onda de interdições em casas noturnas no País, ISTOÉ constata que várias continuam funcionando com irregularidades. A fiscalização ainda é falha, o que pode levar a novas tragédias






Centenas de casas noturnas foram interditadas no País desde o incêndio na boate Kiss porque não ofereciam segurança a seus frequentadores. A ação do poder público, ainda que tardia, foi bem-vinda. Surpreendidos, vários empresários do setor fecharam as portas por conta própria para tentar sanar os problemas mais visíveis. Em São Paulo, a rua Augusta, por exemplo, ponto de efervescência da capital paulista, está deserta. Na noite da quarta-feira 6, apenas uma das cinco baladas conhecidas da região estava aberta. Em apenas uma semana, mudanças ocorreram em vários estabelecimentos. Com capacidade para 500 pessoas, a boate The History, na zona oeste, está com a documentação em dia, melhorou a sinalização da saída de emergência e remanejou extintores que antes não estavam visíveis, mas seu interior ainda lembra um labirinto e o afunilamento na entrada permanece. Erros graves persistem em vários estabelecimentos. Na semana passada, ISTOÉ esteve em algumas das principais casas noturnas de São Paulo e do Rio de Janeiro e testemunhou falhas que comprometem a integridade do público diante de uma emergência. Falhas que qualquer fiscalização ligeira poderia constatar. Dos 11 locais visitados, havia problema em seis.

A boate Santa Aldeia, com capacidade para 900 pessoas localizada na zona sul da capital paulista, é uma das baladas preferidas de jogadores de futebol. Lá, duas grades posicionadas em frente de duas das seis saídas de emergência, semelhante ao que havia na Kiss, dificultava a evasão do local em caso de perigo na terça-feira 5. Muito próximo ao local onde se apresentava uma banda de pagode havia um extintor de incêndio à base de água quando o correto seria um equipamento de CO2. É incrível que nenhum órgão responsável tenha visto esse problema. Situação idêntica foi detectada na casa de música latina Rey Castro, no lado direito do palco, vizinho à aparelhagem eletrônica – embora no lado esquerdo haja um extintor de CO2. Na região central, o Alberta, com capacidade para 180 pessoas, seguia funcionando apesar de ter apenas uma porta para entrada e saída que está irregular: ela abre para dentro e não proporciona plena vazão. O Ó do Borogodó, na zona oeste, frequentado por amantes do samba de raiz, corrigiu alguns problemas, mas não todos. Dois dias depois da tragédia da boate Kiss, o local funcionava com extintores vencidos desde janeiro de 2012 e uma das portas estava obstruída por uma geladeira. Na semana seguinte, todos os cinco extintores haviam sido trocados e estavam dentro da validade. Placas de sinalização de saídas de emergência também tinham sido espalhadas pelas paredes. Mas não havia hidrante e a geladeira continuava tapando parcialmente uma das portas.

Contactadas, as casas deram suas explicações e prometeram providências. O Alberta foi um dos raros estabelecimentos que admitiram a falha: “Não sabia que a norma obrigava a porta a abrir totalmente”, afirmou Noemi Rosa, que pretende fazer a mudança no Carnaval. O Ó do Borogodó preferiu não comentar, mas é um bom exemplo da inépcia do poder público na fiscalização de irregularidades. O estabelecimento possui o auto de licença de funcionamento exigido pela prefeitura para locais de reunião com capacidade inferior a 250 pessoas, o que o exclui da necessidade de um Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB). O alvará municipal foi deferido em outubro de 2012. Mas, como o extintor de incêndio venceu dez meses antes, significa dizer que os fiscais não visitavam o local desde, pelo menos, 2011. Ou, se apareceram, fizeram vista grossa, o que é igualmente grave.



Ao contrário de outras capitais onde a ação das prefeituras foi implacável após o incêndio na Kiss, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, foi contido demais. Desde a tragédia de Santa Maria, 37 estabelecimentos com capacidade de lotação superior a 250 pessoas – de boates a templos religiosos – foram visitados. Quinze sofreram interdição por serem inseguros. Onze têm problemas de documentação, mas não de segurança e ganharam prazo para se regularizarem. Na cidade do Rio de Janeiro, a prefeitura, em um primeiro momento, decidiu fechar de uma vez 136 casas noturnas. Mas apenas dez permaneciam interditadas até a quinta-feira 7. A prefeitura resolveu fazer um acordo com o Corpo de Bombeiros e o Sindicato de Bares e Restaurantes do Rio (SindRio) para facilitar a reabertura das casas interditadas. “A prioridade é com a segurança. Não vamos abrir mão disso. Mas não queremos prejudicar o lazer, o turismo e a economia da cidade”, explicou o prefeito Eduardo Paes.

A nova regra impõe que os bombeiros vistoriem as casas fechadas até 48 horas após a solicitação. Quatro itens serão considerados obrigatórios para a liberação: extintores de incêndio, sinalização de emergência, saídas de emergência desobstruídas e avisos claros que informem a lotação do local. Agora, os órgãos municipais terão no máximo 48 horas para analisar documentos apresentados pelas casas e dar parecer, inclusive no caso de imóveis tombados ou preservados pelo Patrimônio Municipal.

No Rio, ISTOÉ esteve em cinco casas noturnas na semana passada. Algumas, que também haviam sido visitadas na semana anterior, corrigiram as falhas detectadas, mas duas seguiam com irregularidades: Gafieira Moderna, no centro, e Melt, na zona sul. A Gafieira Moderna tem apenas uma escada de ferro que serve de entrada e saída. Ao pé da escada, no nível da rua, fica a bilheteria, com uma mesa, cadeira e um engradado que obstruem parte da passagem. Nos seus dois andares de salão, não há extintores visíveis nem qualquer informação sobre como proceder numa emergência.



A Melt foi visitada por ISTOÉ logo depois da tragédia da Kiss e na semana passada. Nesse período, ela fez algumas mudanças. Retirou as grades que cercavam a casa e poderiam dificultar a evasão e, dessa vez, havia pelo menos um extintor visível. Providenciou, ainda, iluminação extra nas saídas de emergência. Mas há arremedos perigosos. A porta da cozinha ganhou uma placa improvisada com uma folha de papel indicando que ali é uma “rota de fuga”. “Não dá para entender o que seria uma rota de fuga que passa por dentro da cozinha. De qualquer forma, a sinalização com um papel colado na parede deve ter sido mais um jeitinho fora das normas básicas de sinalização e iluminação de emergência”, diz Ives de Freitas, ex-diretor do Departamento de Controle do Uso de Imóveis (Contru) de São Paulo. Das quatro saídas da casa, a principal segue com acesso obstruído por mesa, banco e computador. O sócio da casa, Alexandre Serrado, alega que o mobiliário é fácil de ser retirado em caso de confusão. É difícil de acreditar que, em caso de pânico, haveria condições de removê-lo de forma ordenada. E para onde, em meio ao tumulto, ele seria levado? O mais espantoso é que o Corpo de Bombeiros liberou o funcionamento da danceteria nas condições atuais.

No resto do País, os empresários se apressam para regularizar a situação de forma a minimizar o prejuízo dos dias parados. Em Manaus, 27 dos 66 estabelecimentos fechados pelo poder público voltaram a funcionar. Em Fortaleza, 12 casas noturnas seguem interditadas. Em Porto Alegre, onde três foram lacradas, a prefeitura deu prazo de 15 dias para que os donos e administradores apresentem alvará de proteção de incêndio do Corpo de Bombeiros. Agora, cabe à sociedade manter a vigilância para que esse movimento não caia no esquecimento.

Fotos: Kelsen Fernandes; Divulgação


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