Este Blog retratará o descaso com a Defesa Civil no Brasil; a falta de políticas específicas; o sucateamento dos Corpos de Bombeiros; os salários baixos; a legislação ambiental benevolente; a negligência na fiscalização; os desvios de donativos e recursos; os saques; a corrupção; a improbidade; o crime organizado e a inoperância dos instrumentos de prevenção, controle e contenção. Resta o sofrimento das comunidades atingidas, a solidariedade consciente e o heroísmo daqueles que arriscam a vida e suportam salários miseráveis e péssimas condições de trabalho no enfrentamento das calamidades e sinistros que assolam o povo brasileiro.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

BASTA!


REVISTA ISTO É
| N° Edição: 2255
| 01.Fev.13 - 21:00
| Atualizado em 02.Fev.13 - 15:10




Carlos José Marques, diretor editorial

EDITORIAL


Nos EUA da década de 90 o então prefeito de Nova York, Rudolph Giuliani, resolveu implantar um modelo de gestão batizado de “Zero Tolerance”. Na prática, a tolerância zero era uma política de segurança pública que previa a repressão rigorosa a qualquer tipo de delito, mesmo os mais corriqueiros, como forma de garantir um padrão mínimo de civilidade e evitar a escalada de transgressões que leva às grandes rupturas e tragédias sociais. Deu certo e a cidade converteu-se em referência, citada mundo afora, por punir com altas multas e detenções até os indivíduos que cometem pequenos erros, como jogar um papel na rua. Hoje, quase duas décadas depois, é desanimador constatar que em países como o Brasil ainda vigora a “lei do jeitinho”, a noção perigosa de que transgredir é normal, é vantajoso, lucrativo e sem risco. Aqui, lamentavelmente, na contramão de nações que almejam o desenvolvimento, ainda ganha força a prática das mazelas cotidianas – do fiscal recebendo propina para fechar os olhos a irregularidades ao cidadão que deixa de cumprir regras porque sabe que não será punido; do prefeito que lava as mãos fingindo não ser com ele ao bombeiro que considera passível de funcionar o estabelecimento sem sinalização adequada e extintores em ordem. Uma conjunção diabólica e criminosa dessas mazelas levou ao episódio de Santa Maria, ceifando a vida de centenas de jovens e espalhando dor e comoção sem fim. Como aceitar? Santa Maria, pela dimensão do desastre, é um alerta dramático de que chegamos ao limite, atravessando qualquer fronteira do razoável. O País não pode mais viver sob o signo da leniência com infrações, da impunidade, das concessões de toda ordem – grandes ou pequenas –, da imprudência e do descaso com o ser humano. Não é normal assistir diariamente à banalização da morte, à irresponsabilidade das autoridades, ao ambiente permissivo que abre margens a podres negociatas, rapinagens políticas, jogos de interesse, acertos e subornos grotescos, promovidos, inclusive, pela burocracia do Estado. Não é natural observar a deterioração acelerada da segurança em nosso país. Nem é suportável seguir nessa marcha da insensatez que deixa reféns cidades inteiras, amordaça os injustiçados, projeta a bandidagem e vitima inclusive policiais encarregados de zelar pela segurança com a qual tanto sonhamos e pela qual clamamos.

A sociedade – governo, parlamentares e cidadãos comuns – deve se mover para dar um basta a esse estado de letargia, de apatia diante da avalanche de violações ao senso comum do que é certo ou errado. É preciso promover urgentemente um novo ordenamento institucional, uma tolerância zero aos malfeitos. Estabelecer um marco civilizatório capaz de exprimir as aspirações e as necessidades reais da Nação. Com essa linha condutora de comportamento quem sabe, lá na frente, seja possível saciar a sede por justiça. Medidas severas contra condutores de veículos flagrados embriagados e o julgamento e condenação dos autores do “mensalão” são exemplos promissores no caminho a seguir. Apesar desses pequenos avanços, a Justiça no Brasil ainda é percebida como um valor relativo, dado o afrouxamento com que as leis são praticadas por quem de dever e em virtude da facilidade com que o poder político e o do dinheiro trafegam para dobrá-las. Em nome daqueles jovens e de seus sonhos interrompidos, e de tantas famílias que perderam os entes queridos, é preciso mudar esse estado de coisas. No rastro dos acontecimentos que marcaram Santa Maria surge o ímpeto natural por respostas satisfatórias, providências contra a negligência, rígidas apurações e revisão da matriz de estabelecimentos que funcionam nos mesmos moldes da boate Kiss, palco da tragédia. Que não seja uma onda transitória. A reportagem especial da Revista ISTOÉ nesta edição (à pág. 48) traz um levantamento nacional mostrando que ao menos 70% dessas casas pelo Brasil apresentam algum tipo de infração ou irregularidade às normas vigentes e converteram-se em verdadeiros alçapões da morte. Dentro do prisma da tolerância zero, deveriam fechar suas portas ou se adequarem o quanto antes para continuar funcionando. O comportamento de uma sociedade começa a se transformar quando ela percebe que é seu direito inalienável exigir um compromisso democrático das autoridades com o cumprimento da justiça, sem distinções, pela tão propalada felicidade geral da Nação – que não deve ser apenas uma fórmula retórica, mas o que nos move.

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