Este Blog retratará o descaso com a Defesa Civil no Brasil; a falta de políticas específicas; o sucateamento dos Corpos de Bombeiros; os salários baixos; a legislação ambiental benevolente; a negligência na fiscalização; os desvios de donativos e recursos; os saques; a corrupção; a improbidade; o crime organizado e a inoperância dos instrumentos de prevenção, controle e contenção. Resta o sofrimento das comunidades atingidas, a solidariedade consciente e o heroísmo daqueles que arriscam a vida e suportam salários miseráveis e péssimas condições de trabalho no enfrentamento das calamidades e sinistros que assolam o povo brasileiro.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

FRAUDE TÉCNICA


ZERO HORA 03 de fevereiro de 2013 | N° 17332

SANTA MARIA, 27/01/2013

Zero em prevenção

FRANCISCO AMORIM*

*Colaboraram Adriana Irion, Caio Cigana, Lizie Antonello



A tragédia que vitimou mais de 235 jovens na boate Kiss, em Santa Maria, se iniciou no dia 26 de junho de 2009.

Nessa data, o Corpo de Bombeiros elevou um mero relatório de inspeção, emitido eletronicamente, à condição de Plano de Prevenção Contra Incêndio (PPCI). Entregue à Polícia Civil pelos bombeiros, o documento, definido por especialistas como uma “fraude técnica”, foi apresentado como se fosse o plano de combate ao fogo da danceteria.

Apenas três folhas apontando recomendações genéricas substituíram o que deveria ser um elaborado documento, que reuniria da planta baixa às notas fiscais dos extintores de incêndio, passando pela identificação de luzes de emergência até a necessidade da existência de saídas adicionais.

A Polícia Civil quer saber, agora, porque a corporação militar trata um extrato do Sistema Integrado de Gestão de Prevenção de Incêndio (Sigpi), gerado em 2009, que apresentava apenas exigências mínimas de segurança para subsidiar inspeções na casa, como se fosse o plano contra incêndio. Além de não ter assinatura de responsável técnico, o documento não apresenta detalhes de como os equipamentos seriam instalados na casa.

Procurado por Zero Hora, o delegado Sandro Meinerz, um dos responsáveis pelas investigações da tragédia, confirmou que recebeu os papéis como sendo o plano de prevenção da boate Kiss.

– Queremos entender qual a mecânica desse procedimento, se está em conformidade com o que rege a legislação e, estando, não basta ter sido montado corretamente, tem de ter sido aplicado.

Conforme Meinerz, integrantes dos bombeiros serão chamados para explicar como o suposto plano foi montado e “porque não tem assinatura de um responsável técnico”.

Zero Hora apurou que o documento apresentado pelo Corpo de Bombeiros à Polícia Civil, na verdade, é um relatório de inspeção emitido pela corporação no dia 26 de julho de 2009, após a proprietária ter fornecido informações básicas da boate a um bombeiro que as inseriu no Sigpi. Para os bombeiros, naquele momento a boate ganhou um plano – o que, na verdade, nunca teria existido. O que a proprietária levou para casa foram três folhas com indicações gerais do que deveria ter na boate.

Por trás da suposta falha, a polícia apura uma possível distorção de um sistema criado em 2005 para desburocratizar a elaboração dos planos de prevenção. Quando entrou no ar, o sistema deveria funcionar assim: a pessoa compareceria ao Corpo de Bombeiros com as dimensões da futura ou atual área, o tipo de ocupação, altura da construção e os objetivos do empreendimento. Um bombeiro digitaria as informações no computador, e o Sigpi forneceria informações gerais que o engenheiro responsável deveria levar em conta para enquadrar o projeto às normas de segurança. O software detectaria o básico necessário, número de extintores, escadas, distância entre saídas, por exemplo. Isso serviria para o trabalho que o engenheiro civil desenvolveria sobre o projeto arquitetônico.

O inquérito deverá descobrir como um documento que deveria ser o ponto de partida rumo a um plano contra incêndio se transformou no documento final. Procurado por ZH, o comandante do 4º Comando Regional de Bombeiros, tenente-coronel Moisés Fuchs, disse:

– Não estou autorizado a falar. Respostas só com a Secretaria de Segurança.


“É uma fraude técnica”, define engenheiro

Melvis Barrios Junior - Conselheiro federal do Crea-RS


Bastou uma rápida olhada no documento para o representante do Rio Grande do Sul no Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea), o engenheiro Melvis Barrios Junior afirmar:

– Não é um PPCI e não tem as mínimas condições técnicas de ser apresentado como um plano de prevenção de incêndio.

Conforme o conselheiro federal do Crea-RS, o suposto plano da boate Kiss não se sustenta tecnicamente como um projeto de prevenção de incêndio que garantisse condições de segurança à casa noturna.

Para Barrios, que analisou os documentos da boate sexta-feira à noite, a pedido de Zero Hora, a falta de um projeto que contemplasse todas as normas de prevenção teve colaboração decisiva para a tragédia.

Zero Hora – Este documento é um PPCI?

Melvis Barrios Junior – Com certeza não é um PPCI e não tem as mínimas condições técnicas de ser um plano de prevenção de incêndio. É apenas uma colagem de vários itens e normas técnicas recomendadas pelos bombeiros. Isso é uma fraude técnica se for considerado um PPCI. Um engodo.

ZH – Qual é a contribuição da falta de um PPCI bem feito para o que aconteceu?

Barrios – É uma das maiores contribuições. O que mais contribuiu (para a tragédia) foi a falta de uma saída de emergência e a utilização de material inadequado para o revestimento acústico.

ZH – O que deve constar em um PPCI?

Barrios – O PPCI é uma coisa mais ampla para a prevenção de incêndio, um projeto que vai analisar todos os aspectos de segurança, desde os materiais que existem dentro, como vai ser enfrentado o fogo, como as pessoas serão evacuadas. Para se fazer um PPCI é preciso conhecimento técnico. O que tem aí é uma série de instruções, mas não é um PPCI.


O QUE É O PPCI? 

O Plano de Prevenção Contra Incêndio (PPCI) é obrigatório para prédios com instalações comerciais, industriais, de diversões públicas e edifícios residenciais. Realizado por uma empresa privada, o plano precisa ser aprovado pelo Corpo de Bombeiros. Se o local estiver em conformidade, é emitido o alvará. Caso contrário, correções são pedidas e uma nova vistoria é feita em 30 dias. Ao que tudo indica, o alvará da Kiss foi aprovado sem que um plano de prevenção fosse apresentado.

O QUE DEVE CONSTAR NO PLANO? - Informações básicas sobre medidas de segurança e prevenção tais como:

SAÍDAS DE EMERGÊNCIA - Análise da necessidade da existência de portas de emergência de acordo com a área e o número de pessoas, quantas, com que dimensões e onde devem estar localizadas.

SINALIZAÇÃO - Localização das luzes de emergência para iluminar bem o ambiente e indicar as rotas de saída, que tipo de sinalização é mais adequada e um sistema de alimentação de energia independente da rede principal.

EXTINTORES - Quantidade e tipo de extintores, capacidade e onde serão colocados.

CHUVEIROS AUTOMÁTICOS - Análise da necessidade de instalação de sprinklers (chuveiros automáticos contra incêndio) e hidrantes.

MATERIAIS ADEQUADOS - Verificação dos tipos de materiais utilizados para, se for o caso, retirar o que for inadequado.



Os crimes e quem pode ser punido

HUMBERTO TREZZI

Quem matou? Quem feriu? Quem se omitiu? Quem foi negligente? Essas perguntas espocam pelo Brasil desde a morte de 236 pessoas no incêndio da boate Kiss, em Santa Maria – a maior tragédia da história do Rio Grande do Sul. São questões que terão de ser respondidas pelo inquérito policial aberto para investigar o caso.

Uma tarefa mais simples é deduzir que culpa tem cada suspeito; o desafio é prová-la na Justiça. É por isso que os policiais e peritos realizaram seis ações de busca e apreensão, mais de 10 perícias no palco do desastre, tomaram mais de 80 depoimentos e coletaram mais de mil páginas de documentos, até a tarde de sexta-feira. E muito mais vem por aí. Os indiciamentos não estão definidos, mas com base em entrevistas com policiais, peritos, promotores e fiscais, Zero Hora montou um quadro das ilegalidades detectadas até agora, de como elas podem ser punidas e de quem está mais propenso, no momento, a responder a processo.

Com o indiciamento, o inquérito é encaminhado à Justiça, depois ao Ministério Público, que decide se denuncia ou não os suspeitos e por quais crimes.




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