Este Blog retratará o descaso com a Defesa Civil no Brasil; a falta de políticas específicas; o sucateamento dos Corpos de Bombeiros; os salários baixos; a legislação ambiental benevolente; a negligência na fiscalização; os desvios de donativos e recursos; os saques; a corrupção; a improbidade; o crime organizado e a inoperância dos instrumentos de prevenção, controle e contenção. Resta o sofrimento das comunidades atingidas, a solidariedade consciente e o heroísmo daqueles que arriscam a vida e suportam salários miseráveis e péssimas condições de trabalho no enfrentamento das calamidades e sinistros que assolam o povo brasileiro.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

TEMA DE CASA


ZERO HORA 02 de fevereiro de 2013 | N° 17331

ARTIGOS


Dirce Primo Tremper*



Sou médica no Pronto Socorro há 25 anos. No meu primeiro ano como médica e ainda inexperiente, defrontei-me com a primeira catástrofe de minha vida como plantonista, prestando atendimento às vítimas do desabamento da marquise da Loja Arapuã, em 1988. Foram 11 mortos. Naquela época, a BM era quem fazia o resgate e todo o transporte de pacientes até o HPS, na ocasião o único hospital especializado em trauma. Naquele episódio, pudemos perceber o quão despreparados estávamos “todos”, para atender catástrofes. Filmes da época mostravam as vítimas sendo “atiradas” de qualquer forma sobre um caminhão. Aquelas imagens geraram uma série de transformações, que culminaram na estrutura que temos hoje.

Primeiro surgiram os “Anjos da Guarda”, depois cursos e treinamentos de especialização, conhecidos como ATLS (Advanced Trauma Life Suport) e PHTLS (Prehospital Trauma Life Suport), que tornaram-se a nossa bíblia até hoje, devendo nós, profissionais médicos e paramédicos, passarmos por periódicas atualizações. Depois veio o Samu e treinamentos para catástrofes aeronáuticas. Concomitantemente, o HPS criou as residências médicas em Cirurgia do Trauma e Medicina de Emergência (a única do Brasil por vários anos) e começou a formar médicos especialistas, altamente capacitados e treinados para tal. O mesmo ocorreu com as demais profissões, enfermeiros, psicólogos, motoristas, bombeiros, militares e muitos outros.

Apesar de tanta dor pela tragédia de Santa Maria, pude observar, vislumbrar e até admirar a notória evolução da medicina de emergência e cirurgia do trauma, que o nosso Conselho Federal de Medicina reluta em não reconhecer como especialidades médicas, embora o país inteiro sobreviva graças às suas emergências, já que o restante do sistema está falido.

Vimos em Santa Maria uma organização jamais antes vista. Tínhamos profissionais de todas as áreas, impecavelmente bem posicionados, fazendo seus trabalhos também de forma impecável. Os tumultos que ocorriam faziam parte da própria catástrofe, mas, assim que possível, tendiam imediatamente e naturalmente à organização. Quando nossos políticos, secretários e outros midiáticos deram o ar da graça, a máquina já estava funcionando adequadamente, numa imensa teia de profissionalismo e solidariedade. A disponibilidade e alocação dos recursos humanos e materiais ocorreu de forma coordenada, harmônica e eficiente.

Esta tragédia me deixou com um nó na garganta, pela bestialidade da coisa em si. Mas me alivia soltar este grito e avisar aos nossos políticos que, com eles e apesar deles, nós, da área da saúde, fizemos o “tema de casa” corretamente. E agora vamos cobrar que façam o mesmo, pois anualmente a sociedade também vê morrer centenas de pessoas, por falta de recursos e diagnóstico, atendimento médico especializado e carência absoluta de leitos hospitalares e de UTIs, eternamente negligenciados por nossos gestores.

*MÉDICA EMERGENCISTA DO HPS E DO HOSPITAL CRISTO REDENTOR

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