Este Blog retratará o descaso com a Defesa Civil no Brasil; a falta de políticas específicas; o sucateamento dos Corpos de Bombeiros; os salários baixos; a legislação ambiental benevolente; a negligência na fiscalização; os desvios de donativos e recursos; os saques; a corrupção; a improbidade; o crime organizado e a inoperância dos instrumentos de prevenção, controle e contenção. Resta o sofrimento das comunidades atingidas, a solidariedade consciente e o heroísmo daqueles que arriscam a vida e suportam salários miseráveis e péssimas condições de trabalho no enfrentamento das calamidades e sinistros que assolam o povo brasileiro.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

ALÉM DO LUTO

ZERO HORA 28 de janeiro de 2013 | N° 17326

SANTA MARIA, 27/01/2013

Editorial



O Rio Grande chora nesta segunda-feira a perda de dezenas de vidas na tragédia de Santa Maria e se solidariza por inteiro com as famílias atingidas. Num momento de tanta comoção, a primeira reação tem que ser mesmo de apoio às vítimas e de total solidariedade a seus familiares e amigos. Nesse sentido, agiram corretamente a presidente Dilma Rousseff, o governador Tarso Genro e todas as autoridades e cidadãos que interromperam suas rotinas para prestar atendimento à comunidade abalada pelo infausto acontecimento. É o que se espera de lideranças comprometidas com a sociedade e com a cidadania. Ainda que o ambiente deste dia seguinte seja de tristeza imensurável, merecem especial reconhecimento os soldados do Corpo de Bombeiros, os policiais, os agentes de saúde e os voluntários anônimos que se envolveram diretamente no socorro e no resgate às vítimas. Um consolo para tamanha desgraça é que na hora da catástrofe também afloram os melhores sentimentos do ser humano – o heroísmo, a fraternidade e a ajuda desinteressada.

Todos estamos desolados com o infortúnio que interrompeu a existência de tantos jovens na região central do Estado. Mas precisamos ir além do luto. Os gaúchos não podem se conformar com uma imprevidência desta ordem, que transforma um local de diversão em armadilha fatal. Não se está aqui sugerindo uma caça às bruxas, nem uma irresponsável busca de culpados, que seriam reações compreensíveis para quem perdeu parentes e amigos. O que defendemos é uma investigação rigorosa das causas que provocaram o sinistro, com o propósito prioritário de prevenir ocorrências semelhantes no futuro.

Mesmo que o fogo tenha começado por conta de um gesto desastrado, que está sendo atribuído a um dos integrantes da banda contratada para o show, é inconcebível que uma casa de espetáculos daquela dimensão não dispusesse de pessoal preparado e equipamento apropriado para impedir o seu alastramento. Mais: como pode um local de grande afluxo de pessoas ter apenas um espaço estreito para a saída e nenhum plano de abandono para situações de emergência? Quem falhou? A engenharia? A fiscalização? Os órgãos públicos? Os organizadores do espetáculo?

São muitas as perguntas que precisam ser respondidas num ambiente de serenidade e justiça, para que as falhas sejam efetivamente corrigidas. Além disso, independentemente do que seja apurado, o caso da boate Kiss deve servir de referência para que os legisladores revisem as normas de funcionamento de casas de espetáculos e para que os órgãos fiscalizadores adotem procedimentos mais criteriosos e mais transparentes na aferição das condições de segurança desses estabelecimentos. Vale lembrar que tragédia semelhante ocorrida em Buenos Aires, em 2004, quando 194 pessoas morreram no incêndio da discoteca República Cromañón, acabou motivando a criação de uma legislação específica mais rigorosa na Argentina.

Os jovens têm todo o direito de se divertir num ambiente de conforto e segurança. Da mesma maneira, seus familiares têm que recuperar a tranquilidade de saber que eles irão para as festas e voltarão íntegros para seus lares. Por isso, todos nós – governantes, autoridades, empresários, cidadãos, pais – ficamos com a obrigação impostergável de ir além do pesar e de desenvolvermos cuidados e medidas preventivas para que episódios como o de Santa Maria jamais se repitam.

Hoje o Rio Grande está de luto. Amanhã tem que estar mobilizado para garantir a segurança e o futuro dos seus jovens.


LUIS FERNANDO VERISSIMO

Providências

Notícias como a da tragédia em Santa Maria provocam uma reação em cadeia: primeiro o choque, depois a incredulidade, depois a empatia emocionada com quem foi diretamente tocado pelas mortes, finalmente a revolta: contra a imprudência, contra as falhas da fiscalização, contra a ganância – enfim, contra todas as causas evitáveis do horror. As outras emoções são manifestações humanas de solidariedade, mas só a revolta é útil, e tem – ou deve ter – consequência. A revolta pede providências para que tragédias assim não se repitam. Pede responsabilização clara e exemplar. Pede, enfim, o que raramente se vê no Brasil.

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