Este Blog retratará o descaso com a Defesa Civil no Brasil; a falta de políticas específicas; o sucateamento dos Corpos de Bombeiros; os salários baixos; a legislação ambiental benevolente; a negligência na fiscalização; os desvios de donativos e recursos; os saques; a corrupção; a improbidade; o crime organizado e a inoperância dos instrumentos de prevenção, controle e contenção. Resta o sofrimento das comunidades atingidas, a solidariedade consciente e o heroísmo daqueles que arriscam a vida e suportam salários miseráveis e péssimas condições de trabalho no enfrentamento das calamidades e sinistros que assolam o povo brasileiro.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

BATALHÃO AMBIENTAL FEZ VISTORIA UM MÊS ANTES

G1 RS 30/01/2013 21h51

Brigada Militar fez vistoria em boate um mês antes de incêndio. Batalhão Ambiental inspecionou o local no dia 26 de dezembro de 2012. Parecer aprovando a boate Kiss foi emitido em 18 de janeiro de 2013.

Caetanno Freitas Do G1 RS



Fachada da boate Kiss na tarde de segunda (28)
(Foto: Ricardo Moraes/Reuters)

A boate Kiss, que foi atingida por um incêndio no último domingo (27) durante uma festa universitária em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, passou por vistoria da Brigada Militar um mês antes da tragédia que matou 235 pessoas. Na ocasião, o Batalhão Ambiental foi verificar se o isolamento acústico estava dentro das normas exigidas para que a casa não fosse multada por poluição sonora. Além disso, o Ministério Público confirmou ao G1nesta quarta-feira (30) que recebeu um parecer favorável do órgão nove dias antes do incêndio.

Segundo o comandante do 2º Batalhão Ambiental da Brigada Militar, major Luiz Antônio Floresta, um relatório aprovando as condições sonoras da casa foi emitido no dia 26 de dezembro de 2012. O motivo da vistoria eram as frequentes reclamações de moradores perturbados pelo barulho emitido à noite pela boate. “Na ocasião, apesar das denúncias, não foi constatado nenhum tipo de problema, nenhum ruído excessivo durante a festa”, informou o major ao G1. Após essa data, o MP procurou o órgão e foi informado, no dia 18 de janeiro de 2013, que a situação estava regularizada.


Apesar da vistoria, Floresta explica que a polícia ambiental não é responsável por avaliar o tipo de material utilizado para o isolamento acústico. Segundo ele, qualquer produto poderia ter sido usado e o estabelecimento seria aprovado desde que o som não ultrapassasse o limite mínimo de 30 decibéis entre às 22h e 5h. “Nós não analisamos o material em si, não temos competência para isso. Nossa equipe avalia o ruído através do sonômetro. Foi isso que fizemos, nada mais.”

O MP abriu um inquérito civil em 2011 para apurar denúncias de poluição sonora na boate Kiss. Durante a investigação, ficou constatado que a casa não oferecia nenhum tipo de revestimento acústico. Em fevereiro de 2012 foi assinado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) onde os proprietários garantiram ter instalado uma espuma de isolamento, cumprindo a exigência do MP. Ou seja, o revestimento que acelerou o processo de combustão na boate e que foi considerado inadequado pelo delegado regional de Santa Maria Marcelo Arygoni foi alojado depois da inspeção do Corpo de Bombeiros e antes da renovação do Plano de Prevenção e Combate a Incêndios, prestes a ser renovado.

O comandante do Corpo de Bombeiros de Porto Alegre, Adriando Krukoski, que foi até Santa Maria avaliar a situação da boate, confirmou a versão em entrevista coletiva na manhã desta quarta-feira no Centro da capital gaúcha. Segundo ele a nova vistoria para liberar o PPCI não foi realizada. “O alvará da boate venceu em agosto. Em setembro os bombeiros alertaram o vencimento e em novembro eles pediram nova inspeção. Tudo indica que essa espuma tenha sido colocada por exigência do MP por causa de uma ação de poluição sonora e que ela tenha sido instalada nesse intervalo de tempo.”


A perícia ainda não informou o tipo de material utilizado no isolamento acústico, mas relatos de sobreviventes apontam que a espuma usada pegou fogo muito rápido. A Lei Municipal 3301/91, datada de 22 de janeiro de 1991, diz, no artigo 17: “É vedado o emprego de material de fácil combustão e/ou que desprenda gases tóxicos em caso de incêndio, em divisórias, revestimento e acabamentos” em “estabelecimentos de reunião de público, cinemas, teatros, boates e assemelhados”.

Entenda

O incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, região central do Rio Grande do Sul, deixou 235 mortos na madrugada do último domingo (27). O fogo teve início durante a apresentação da banda Gurizada Fandangueira, que fez uso de artefatos pirotécnicos no palco. De acordo com relatos de sobreviventes e testemunhas, e das informações divulgadas até o momento por investigadores, é possível afirmar que:

- O vocalista segurou um artefato pirotécnico aceso.
- Era comum a utilização de fogos pelo grupo.
- A banda comprou um sinalizador proibido.
- O extintor de incêndio não funcionou.
- Havia mais público do que a capacidade.
- A boate tinha apenas um acesso para a rua.
- O alvará fornecido pelos Bombeiros estava vencido.
- Mais de 180 corpos foram retirados dos banheiros.
- 90% das vítimas fatais tiveram asfixia mecânica.
- Equipamentos de gravação estavam no conserto.

Prisões


Quatro pessoas foram presas na segunda por conta do incêndio: o dono da boate, Elissandro Calegaro Spohr; o sócio, Mauro Hofffmann; o vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo Santos; e um funcionário do grupo, Luciano Augusto Bonilha Leão, responsável pela segurança e outros serviços.

Investigação

O delegado Marcos Vianna, responsável pelo inquérito do incêndio na boate Kiss, disse ao G1 na terça-feira (29) que uma soma de quatro fatores contribuiu para a tragédia ter acabado com tantos mortos: 1) o fato de a boate ter só uma saída e a porta ser de tamanho reduzido; 2) o uso de um artefato sinalizador em um local fechado; 3) o excesso de pessoas no local; e 4) a espuma usada no revestimento, que pode não ter sido a mais indicada e ter influenciado na formação de gás tóxico.


O delegado regional de Santa Maria, Marcelo Arigony, afirmou também na terça que a Polícia Civil tem "diversos indicativos" de que a boate estava irregular e não podia estar funcionando. "Se a boate estivesse regular, não teria havido quase 240 mortes", disse em entrevista. "Mas isso ainda é preliminar e precisa ser corroborado pelos depoimentos das testemunhas e os laudos periciais", completou.

Arigony disse ainda que a banda Gurizada Fandangueira utilizou um sinalizador mais barato, próprio para ambientes abertos e que não deveria ser usado durante show em local fechado. "O sinalizador para ambiente aberto custava R$ 2,50 a unidade e, para ambiente fechado, R$ 70. Eles sabiam disso, usaram este modelo para economizar. Usaram o equipamento para ambiente aberto porque era mais barato”, disse o delegado.

O vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo Santos, admitiu em seu depoimento à Polícia Civil que segurou um sinalizador aceso durante o show, de acordo com o promotor criminal Joel Oliveira Dutra. O músico disse, no entanto, que não acredita que as faíscas do artefato tenham provocado o incêndio. Ele afirmou que já havia manipulado esse tipo de artefato por diversas vezes em outras apresentações.

Responsabilidades

A boate Kiss desrespeitou pelo menos dois artigos de leis estadual e municipal no que diz respeito ao plano de prevenção contra incêndio. Tanto a legislação do Rio Grande do Sul quanto a de Santa Maria listam exigências não cumpridas pela casa noturna, como a instalação de uma segunda porta, de emergência. A boate situada na Rua dos Andradas tinha apenas uma, por onde o público entrava e saía. Outra medida que não foi cumprida na estrutura da boate diz respeito ao tipo de revestimento utilizado como isolamento acústico.

A Brigada Militar informou nesta quarta que a boate não estava em desacordo com normas de prevenção contra incêndios em relação ao número de saídas. Segundo interpretação da lei, o local atendia as normas ao possuir duas saídas no salão principal. Mas as portas, no entanto, não davam para a rua, e sim para um hall. Este sim dava para a rua através de uma só porta. "Foi um ato possível que o engenheiro conseguiu colocar", disse o tenente coronel Adriano Krukoski, comandante do Corpo de Bombeiros de Porto Alegre.

Jader Marques, advogado de Elissandro Spohr, um dos sócios da boate, disse que a casa noturna estava em "plenas condições" de receber a festa. Ele falou sobre documentação da casa, segurança, lotação, e disse que a banda Gurizada Fandangueira não avisou que usaria sinalizadores naquela noite. O advogado ainda afirmou que o Ministério Público vistoriou o local "diversas vezes".

A Prefeitura de Santa Maria se eximiu de responsabilidade pelo incêndio e entregou alvará para a polícia que mostra data de validade de inspeção para prevenção de incêndio, feita pelo Corpo de Bombeiros. A prefeitura afirma que a sua responsabilidade era apenas sobre o alvará de localização, que é válido com a vistoria do ano corrente. O documento informa que a vistoria foi feita em 19 de abril de 2012.

O chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional do Corpo de Bombeiros, major Gerson Pereira, disse na quarta que a casa noturna tinha todas as exigências estabelecidas pela lei vigente no Brasil. "Quem falhou, que assuma a sua responsabilidade. Nós fizemos tudo o que estava ao nosso alcance e não vou entrar em jogo de empurra-empurra", afirmou.

O Ministério Público do Rio Grande do Sul abriu um inquérito civil na terça para investigar a possibilidade de improbidade administrativa por parte de integrantes da Prefeitura de Santa Maria, do Corpo de Bombeiros e de outros órgãos públicos por terem permitido que a boate Kiss continuasse funcionando mesmo com as licenças de operação e sanitária vencidas.






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