Este Blog retratará o descaso com a Defesa Civil no Brasil; a falta de políticas específicas; o sucateamento dos Corpos de Bombeiros; os salários baixos; a legislação ambiental benevolente; a negligência na fiscalização; os desvios de donativos e recursos; os saques; a corrupção; a improbidade; o crime organizado e a inoperância dos instrumentos de prevenção, controle e contenção. Resta o sofrimento das comunidades atingidas, a solidariedade consciente e o heroísmo daqueles que arriscam a vida e suportam salários miseráveis e péssimas condições de trabalho no enfrentamento das calamidades e sinistros que assolam o povo brasileiro.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

CADEIA DE RESPONSABILIDADES

ZERO HORA 30 de janeiro de 2013 | N° 17328

PÁGINA 10 | ROSANE DE OLIVEIRA


Depois de ver e ouvir dois de seus subordinados dizerem que não havia nada de errado com os documentos e com os equipamentos de segurança da boate Kiss, o governador Tarso Genro desautorizou o comandante-geral da Brigada Militar, coronel Sérgio Abreu, e o comandante do Corpo de Bombeiros, Guido Pedroso de Melo:

– Ele não falou demais, ele falou completamente errado. Não é da sua competência dizer que estava tudo legalizado – disse Tarso ontem à tarde, em conversa com um grupo de jornalistas.

Referindo-se à afirmação do comandante da Brigada, de que a documentação estava em ordem, reforçou:

– Mesmo que todos os pressupostos de lei estivessem cumpridos para o funcionamento, a boate não deveria funcionar nestas condições que funcionou, com o dobro de pessoas permitidas, com obstáculos na frente das saídas, com uso de aparatos pirotécnicos e com um teto inflamável.

Mais de uma vez, o governador disse que só o inquérito policial pode identificar a “cadeia de responsabilidades” na tragédia de Santa Maria. E garantiu que o inquérito será implacável com instituições e pessoas que, eventualmente, tenham contribuído para o trágico desfecho. Nessa lista de “pessoas e instituições” estão, entre outros, o Corpo de Bombeiros, responsável por conceder o alvará de prevenção e proteção de incêndio, a prefeitura de Santa Maria, que concedeu a licença de funcionamento da casa noturna, os proprietários da boate, por terem excedido a lotação, os integrantes da banda, por usarem fogo de artifício em local fechado.

Mesmo ressalvando que, enquanto o inquérito não for concluído, é prematuro apontar culpados, Tarso ressaltou ao longo da entrevista que o responsável final pelo licenciamento de uma casa noturna ou de qualquer outro empreendimento não é o Corpo de Bombeiros, mas o poder público municipal. E repetiu pelo menos quatro vezes que a boate Kiss não poderia estar funcionando:

– Qualquer leigo que tenha visto as imagens de como era lá dentro vê que aquilo se transformaria numa armadilha.

Definindo como confusa e frágil a legislação sobre segurança em bares, restaurantes e casas noturnas, Tarso defendeu uma mudança imediata na lei para unificar as regras no Estado e dar aos bombeiros poder para fechar um estabelecimento que ofereça risco a seus frequentadores. Contou ter pedido ao procurador-geral de Justiça, Eduardo de Lima Veiga, que o Ministério Público ajude a construir um texto para ser transformado em projeto de lei ou encaminhado às prefeituras como minuta para aprovação de leis municipais.


SHIRMER SE DEFENDE



Pouco depois da entrevista do governador Tarso Genro, o prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer, ontem à tarde, apresentou à imprensa o alvará do Corpo de Bombeiros, válido até agosto de 2012, dizendo que a boate Kiss era um prédio de risco médio e que fora “inspecionada e aprovada de acordo com a legislação vigente”.

O prefeito apresentou também o alvará de localização, expedido pela prefeitura, anunciou a suspensão das festas de Carnaval e saiu tenso, sem responder às perguntas dos repórteres.

Horas depois, Schirmer disse à Página 10 que estava sem condições emocionais de dar entrevista naquela hora, mas que atenderia a todos os jornalistas que o procurassem, em casa ou por telefone.

O prefeito reafirmou o que vem dizendo desde domingo: que a prefeitura só licencia um empreendimento depois de receber o aval do Corpo de Bombeiros, como prevê a lei 10.987/97. No caso da Kiss, Schirmer diz que a avaliação das condições de segurança foi atestada pelos bombeiros e que o pedido de renovação do plano de prevenção e proteção de incêndio tinha de ser encaminhado à corporação.

– A prefeitura e os bombeiros não tinham como saber que os proprietários iam colocar mais gente do que o permitido na boate, nem que uma pessoa da banda ia jogar fogo de artifício lá dentro – disse o prefeito.

Schirmer lembrou que há poucos dias a prefeitura lacrou a boate do Diretório Central de Estudantes da UFSM porque recebeu denúncias de excesso de barulho e falta de segurança e, quando os fiscais foram fazer a vistoria, os universitários não permitiram a entrada.

– Se tivesse qualquer indício de negligência na Kiss, teríamos fechado, como fechamos essa do DCE.


ALIÁS

De nada adiantará aprovar uma legislação moderna e rigorosa se houver negligência na fiscalização ou se as autoridades ficarem no jogo de empurra.


Dê nome aos bois, prefeito

Preocupante o que disse ontem à noite, no programa TVCOM 20 Horas o prefeito José Fortunati: existem seis grandes casas noturnas em Porto Alegre funcionando com liminar da Justiça e oferecendo risco de segurança aos frequentadores.

Questionado pelo apresentador Leo Saballa sobre quais eram as casas, disse que não podia dizer o nome para “não causar pânico”.

Pois agora sim o prefeito semeou o pânico: enquanto não divulgar quais são essas casas, todas estarão sob suspeita. Seria mais seguro para os frequentadores a prefeitura mandar fechar todas e fazer uma inspeção rigorosa ou dar nome e endereço das que funcionam amparadas em decisão judicial para que o cliente decida se quer ou não correr o risco.


É oportuno que a prefeitura de Porto Alegre faça uma força tarefa para verificar as condições de segurança das casas noturnas, mas é importante que a população seja informada quando um estabelecimento não passa no crivo dos fiscais e passa a operar graças à decisão de um juiz.


TARSO GENRO, confirmando a existência de indícios de que Mauro Hoffmann e Kiko Spohr não são os únicos donos da Kiss.

“Se tem alguém que é proprietário oculto da boate Kiss, no inquérito ele será descoberto.”


Ordem para ficar calado

Por volta das 15h30min de ontem, o major Gerson Pereira, chefe do estado-maior do 4º Comando Regional do Corpo de Bombeiros, dava uma entrevista coletiva em Santa Maria quando um assessor pediu que interrompesse para atender a um telefonema urgente.

O major pediu licença e foi atender ao telefonema. Quando voltou, encerrou a entrevista com uma explicação curta:

O governador me proibiu de falar.

Pereira continuou conversando informalmente com os jornalistas. E chorou.


Obrigações restritas

A entrevista que irritou o governador foi uma coletiva, parcialmente transmitida pela Rádio Gaúcha, na qual o chefe do estado-maior estado-maior do 4º Comando dizia que fiscalizar o material usado no isolamento acústico do prédio da Kiss não estava entre as atribuições dos bombeiros. Citando a lei estadual número 10.987, o major Gerson Pereira disse que a obrigação dos bombeiros se limitava a vistoriar extintores de incêndio, portas de saída, sinalização de emergência e hidráulica. E que todos os itens exigidos numa vistoria dos bombeiros estavam em dia na boate Kiss. Se não é dos bombeiros nem da prefeitura a responsabilidade por verificar se o revestimento do teto de uma boate é de material inflamável, do bispo é que não haverá de ser.



BRASÍLIA | Carolina Bahia com Caue Fonseca

Menos sorte, mais juízo

Mesmo desautorizado, o oficial do Corpo de Bombeiros Gérson da Rosa Pereira não está errado ao declarar haver milhares de boates com “mais sorte do que juízo” espalhadas pelo Estado. Mas a dificuldade em se obterem informações claras sobre as condições legais da Kiss evidencia que a falta de juízo se estende ao poder público. Além da falta de rigor nas fiscalizações, vêm de muito tempo as reclamações sobre a bagunça burocrática em torno de alvarás. A consequência é a multiplicação de documentos provisórios, de liminares, de casas noturnas na informalidade e, ao final, de jovens desguarnecidos de segurança. Uma das lições da tragédia de Santa Maria é a de que agilidade e eficiência no poder público são, por vezes, questão de vida ou morte. Não pode haver espaço para a sorte.

Aborrecimento

Com a voz cansada, mas ainda indignadíssimo, o deputado federal Paulo Pimenta (PT) passou a manhã de ontem desmentindo no Twitter os posts de dois blogs, de Rio e São Paulo, que diziam ser ele o proprietário da boate Kiss. Natural de Santa Maria, Pimenta desmentiu qualquer relação com os donos do estabelecimento e formalizou uma notícia-crime na polícia. As publicações foram deletadas.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Tanto o Comandante como o Maj Gerson não tiveram nenhuma culpa nesta tragédia lamentável, mas ao deixarem de adotar uma posição cautelosa instaurando um procedimento administrativo para apurar possíveis erros do segmento fiscal do Corpo de Bombeiros, partindo de imediato para uma pronta defesa pública nos meios de comunicação, eles cometeram a infelicidade de deixar a corporação numa situação muito constrangedora diante das evidências de um jogo de empurra, que fez o governador intervir. Torço para que eles estejam certos e as evidências erradas. O choro do Oficial é o choro de todos nós brigadianos.

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