SANTA MARIA, 27/01/2013
Os dois metros de largura da porta, única chance de vida para centenas de jovens que se espremiam dentro da boate Kiss, expeliam espessas baforadas negras. No meio da fumaça, emergiam mãos crispadas, braços esticados, implorando por um impulso que os resgatasse do inferno.
– Puxamos várias pessoas. Eu puxei uma guria pelos cabelos – relata o estudante de Medicina Murilo de Toledo Tiecher, 26 anos.
Tiecher fez parte da primeira equipe de resgate, mobilizada de improviso antes da chegada dos Bombeiros por jovens que tiveram a sorte de atravessar o pórtico entre a morte e a vida. Antes de sair, ficara prensado contra uma barra de ferro. Conseguiu pular, mas um segurança, braços abertos, barrava a saída. O homem foi derrubado por um punhado de jovens. Salvos, começaram a salvar.
Quando os bombeiros chegaram, tiveram dificuldade para entrar. Havia pilhas de corpos na entrada da boate.
– Era uma cena horrível. Tivemos que transpor essa barreira para poder chegar até as pessoas que estavam agonizando – conta o comandante-geral, coronel Guido Pedroso de Melo.
Reforço veio de várias cidades
Começou um mutirão, no qual bombeiros e policiais trabalhavam ombro a ombro com pessoas que haviam conseguido escapar da boate e com voluntários que passavam pelo local. O estudante de Educação Física Ezequiel Real, 23 anos, resgatou duas dezenas de pessoas, algumas com queimaduras, outras debilitadas por inalar a fumaça.
– Voltei para tirar gente. Era muito difícil, porque as pessoas estavam empilhadas e não se via nada. Agarrava uma perna, um braço, e tentava puxar, mas era difícil. Mantive a calma, mas a fumaça era muito tóxica. Queimava muito ao respirar
Segundo Real, muitos jovens concluíram que não conseguiriam alcançar a porta e correram para o banheiro. Ele viu uma atendente se refugiar dentro de um freezer.
Eduardo Buriol, 22 anos, salvou-se por pouco. Na correria, tropeçou em um degrau e caiu, mas um amigo o amparou até a saída. Viu gente escapando com os cabelos queimados, garotas que perderam a roupa enquanto fugiam. Decidiu voltar à Kiss para salvar quem tivera menos sorte.
– Teve gente que morreu a um metro da saída.
Depois de transpor o muro de corpos, os bombeiros teriam conseguido resgatar em torno de 150 pessoas ainda vivas – mas depararam principalmente com a morte. A maior quantidade dos cadáveres se empilhava no banheiro. Enquanto vivos e mortos eram resgatados, o entorno da boate se convulsionava. A ajuda chegava de todos os lados: policiais militares (mais de 80 homens), policiais rodoviários (mais de cem) e guardas municipais (110) trabalhavam em meio a uma multidão de gente atarantada. Os bombeiros atuavam com 50 homens, alguns de municípios vizinhos. Depois, chegou um reforço de 35 profissionais da Capital. Os populares que ajudavam no resgate trabalhavam de torso nu. Molhadas pela água das mangueiras, as camisas queimavam em contato com a fumaça, e por isso eram eliminadas.
Entre as pessoas que acorreram ao local na esperança de oferecer algum auxílio, estava Júlia Wilasco Vieira, 25 anos, estudante de Medicina em Porto Alegre. Em Santa Maria para visitar uma amiga, havia cogitado ir à Kiss, mas depois mudou de planos com amigos. Mais tarde, o grupo foi até a boate para conferir a movimentação e deparou com o caos.
– Tentei reanimar um rapaz, mas ele não tinha mais pulso. Estavam tirando muitos homens, sem camisa, provavelmente rapazes que tentaram prestar socorro e acabaram inalando fumaça.
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