Este Blog retratará o descaso com a Defesa Civil no Brasil; a falta de políticas específicas; o sucateamento dos Corpos de Bombeiros; os salários baixos; a legislação ambiental benevolente; a negligência na fiscalização; os desvios de donativos e recursos; os saques; a corrupção; a improbidade; o crime organizado e a inoperância dos instrumentos de prevenção, controle e contenção. Resta o sofrimento das comunidades atingidas, a solidariedade consciente e o heroísmo daqueles que arriscam a vida e suportam salários miseráveis e péssimas condições de trabalho no enfrentamento das calamidades e sinistros que assolam o povo brasileiro.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

PÂNICO CIRCULOU EM TEMPO REAL

ZERO HORA 28 de janeiro de 2013 | N° 17326

SANTA MARIA, 27/01/2013


NILSON MARIANO

Redes de relacionamento social expuseram, em tempo real, o pavor que acometeu os frequentadores da boate Kiss, na madrugada do domingo.

Prisioneiras dentro da casa noturna em chamas, impedidas de escapulir pelas portas trancadas por seguranças que não conseguiam ver a tragédia, as vítimas recorreram a smartphones para pedir socorro. Era o fio de esperança que restava.

O pânico, o terror e a impotência circularam de forma instantânea. Um dos apelos mais dramáticos ecoou às 3h20min. Michele Cardoso usou o celular para disparar um alarma no Facebook. Escreveu somente quatro palavras, na pressa de quem está a perigo, o suficiente para noticiar o sinistro e implorar por ajuda. Ainda grafou o nome da boate com letras maiúsculas, para que não houvesse dúvidas sobre o local:

– Incêndio na KISS socorro.

Michele não mais se comunicou – seu nome apareceria na lista de mortos depois. Mas, naquele início de madrugada, as 21 letras que postou acionaram um grupo de amigos que passou a pedir informações – e a multiplicar o SOS. Tudo na linguagem abreviada, sem vírgulas ou acentos, de quem digita um teclado virtual impelido pelo desespero, acreditando que alguns segundos ganhos podem salvar uma vida.

Letícia Côrtes foi a primeira a perguntar por Michele, às 3h40min:

– serio mii?

A partir daí, uma torrente de preocupações irrompeu na página do Facebook de Michele. Frases com letras engolidas, truncadas, evidenciaram a ansiedade de quem buscava um informe.

– Tu ta bem, um amigo acabo de me ligar dizndo q ta no hospital ajudando os feridos... – questionava Gláucia Pires, às 4h48min.

Um minuto depois, Gláucia insistiu com a amiga silenciosa. O ponto de interrogação ressou no vazio.

– ?????

Outras colegas se conectaram, aflitas por Michele.

– tu tá bem? – perguntou Daniela Sudati, às 5h30min.

– Miiiiiiiii – angustiava-se Jéssica Corrales Brandli, às 6h32min.

Confiando na ferramenta virtual, no minuto seguinte Jéssica voltou a clamar:

– tah beeem?!

Michele estava incomunicável, para tormento das colegas. Às 7h13min, Laady Soares Rosa engrossou o coro dos agoniados. Ela espichou as sílabas da mensagem, como se gritasse para amplificar a súplica:

– Miiiicheleee, ta bem? da notícias por faavor!

Alarme em baile da cidade

O Facebook que narrou o horror também registrou os momentos de alegria que antecederam o desastre. Às 20h38min de sábado, ignorando que seria uma das vítimas, Fábio José Cervinski convocava amigos para o baile, telegraficamente.

– Concentração para logo mais.

Nove pessoas curtiram o comentário de Fábio. Um deles desejou bom divertimento:

– gurizada parceria boa festaaaaaaaa!!!!!!

Ainda no sábado, às 23h36min, Clarissa Teixeira – outra das vítimas – avisou que rumava para a Kiss. Na linguagem cifrada dos jovens, disse que celebraria o aniversário de uma amiga.

– Partiu pro aniver da minha mala favorita – escreveu.

Uma imagem da festa também foi divulgada. O DJ Bolinha, uma das atrações da Kiss, postou uma foto da boate lotada, os bailarinos sorridentes, sem imaginar que uma conjunção de insensatez iria ceifar vidas. Os efeitos pirotécnicos no palco, nítidos no clique do DJ, já assomavam no ambiente que seria devorado pelo fogo instantes depois.

Mas os relatos dos preparativos foram substituídos pelos rogos de auxílio de quem estava encarcerado na boate. E foram ouvidos em outros bailes. Em um tradicional clube de Santa Maria, numa festa de formatura de Odontologia, jovens pararam de dançar para acessar seus smartphones.

Reuniam-se aos cantos, pressurosos, para trocar informações. O salão se esvaziou parcialmente. Um travo amargo abortou a euforia de quem pretendia se divertir até o sol raiar.

Às 8h20min de ontem, cinco horas depois de alertar sobre o incêndio na Kiss e implorar por socorro, Michele Cardoso continuava sendo procurada pelos que compartilhavam a narração da tragédia via Facebook. Sua amiga, Luane Scheffer, mortificava-se:

– miiiiiiiiiiiiii tu ta beeeem?


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