SANTA MARIA, 27/01/2013
HUMBERTO TREZZI E JULIANA BUBLITZ
Esperadas desde domingo, as explicações públicas para a maior tragédia da história do Rio Grande do Sul acabaram se resumindo, ontem, a um jogo de empurra e de acusações mútuas entre autoridades municipais e estaduais.
Pressionados por amigos e familiares dos mais de 230 jovens mortos no incêndio da boate Kiss, em Santa Maria, e pela imprensa nacional e internacional, prefeitura e Corpo de Bombeiros entraram em rota de atrito.
15h30
O primeiro sintoma da crise veio a público às 15h30min, quando o major Gerson Pereira, chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional do Corpo de Bombeiros, concedeu entrevista coletiva na sede da corporação no município. No meio da conversa, transmitida ao vivo por veículos de comunicação, ele foi desautorizado a falar com jornalistas pelo governador Tarso Genro.
A reprimenda veio depois que o major, exaltado, disse que “a culpa” pelo incidente não pode ser atribuída à sua equipe, mas admitiu que havia “coisas erradas” na casa noturna. Pereira negou que as falhas fossem de responsabilidade dos bombeiros e insistiu em afirmar que o estabelecimento podia funcionar mesmo com o alvará de prevenção e proteção contra incêndio vencido.
Depois de ter sido chamado com urgência por um colega para o lado de fora da sala, Pereira voltou e avisou que não poderia mais se pronunciar:
– Recebi uma determinação de que quem trata desse assunto agora é o governador.
Minutos antes, em outra entrevista no Palácio Piratini, Tarso já havia demonstrado descontentamento com a postura assumida pelos comandos do Corpo de Bombeiros e da Brigada Militar no caso. O governador reconheceu que a danceteria não deveria estar aberta “de jeito nenhum”.
– O chefe dos bombeiros não falou demais. Ele falou completamente errado. Bombeiros não autorizam o funcionamento de nada. Quem dá o alvará é a prefeitura – corrigiu Tarso (leia mais na página 10).
16h30
Em mais uma rodada de entrevistas, foi a vez da prefeitura evitar as responsabilidades. Diante de um batalhão de cinegrafistas, fotógrafos e repórteres, o prefeito Cezar Schirmer fez um comunicado oficial de 13 minutos e liberou o acesso a documentos referentes à boate, que comprovam que o alvará de prevenção e proteção contra incêndio perdeu a validade em 10 de agosto de 2012. Mas, visivelmente tenso e cansado, saiu sem responder a nenhuma pergunta. Mais tarde, Schirmer explicou que não tinha condições, naquele momento, de prestar esclarecimentos.
– Eu cumpri rigorosamente o meu dever. Não há como colocar um fiscal ao lado de cada pessoa para ver se ela está cumprindo a lei. A avaliação das condições de segurança foi atestada pelos bombeiros – falou Schirmer, horas mais tarde.
16h45
No meio da tarde, porém, após do pronunciamento do prefeito, o secretário de Governo, Giovani Mânica, garantiu:
– A prefeitura não é responsável.
18h00
Na Delegacia Regional da Polícia Civil em Santa Maria, uma quarta coletiva de imprensa havia jogado mais lenha na fogueira.
– Ainda não recebemos nenhum documento do Corpo de Bombeiros sobre em que fase estava o processo de renovação da licença da boate e se os requisitos exigidos haviam sido atendidos – disse o delegado regional Marcelo Arigony.
A promessa era de que essas informações chegariam ainda ontem aos inspetores. Até as 18h, conforme Arigony, a espera pela documentação prosseguia.
A impaciência dos policiais com os bombeiros em enviar os dados era tanta que um delegado sugeriu ingressar na Justiça para obter o dossiê por força de lei. Foi dissuadido, mas a hipótese não está descartada.
Além de aguardar o Plano de Prevenção e Combate a Incêndio, os responsáveis pela investigação solicitaram uma lista de funcionários municipais responsáveis pela emissão de alvarás e a fiscalização.
19h22
Numa tentativa de amenizar o mal-estar, o comandante-geral da Brigada Militar, coronel Sérgio Abreu, divulgou nota oficial às 19h22min de ontem para prestar “esclarecimentos”. Em seu texto, deu a entender que a culpa é dos proprietários do empreendimento. Entre outros fatores, era dever deles, segundo Abreu, “manter as rotas de fuga totalmente desobstruídas, o que não ocorreu”.
Investigação deve incluir poder público
CARLOS ROLLSING
Especialistas em Direito garantem que o Estado, o município e os agentes públicos responsáveis por conceder alvará, fiscalizar e liberar a Kiss para o funcionamento não estão imunes a punições.
– Sem dúvida, se a boate não respeitava os parâmetros, não poderia funcionar. As características do local configuram claramente a responsabilidade do Estado por omissão – explica Fábio Souza de Oliveira, professor de Direito Administrativo da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Ele diz que a responsabilização por omissão ocorre quando o poder público deixa de cumprir as suas atribuições – como fiscalizar, autuar e fechar estabelecimentos irregulares – por negligência ou imperícia. A hipótese é prevista no Artigo 37 da Constituição.
O professor de processo penal da Unisinos Lúcio de Constantino aponta a tendência do poder público em atribuir responsabilidade somente aos empresários e músicos.
– Por parte de algumas autoridades, percebo o entendimento da ausência de culpa dos órgãos públicos. Se fiscalizassem como deveriam, essa casa não estaria aberta – diz.
Os especialistas não concordam com a ideia de que uma legislação federal anti-incêndio se faz necessária, tema levantado pelo governador Tarso Genro.
– Não é falta de lei, mas de aplicação da lei – resume Oliveira.
– Ao olhar as regras de Santa Maria e dos bombeiros, percebemos exigências que seriam capazes de evitar essa tragédia – reforça Constantino.
OS TIPOS DE PUNIÇÃO
– Sem dúvida, se a boate não respeitava os parâmetros, não poderia funcionar. As características do local configuram claramente a responsabilidade do Estado por omissão – explica Fábio Souza de Oliveira, professor de Direito Administrativo da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Ele diz que a responsabilização por omissão ocorre quando o poder público deixa de cumprir as suas atribuições – como fiscalizar, autuar e fechar estabelecimentos irregulares – por negligência ou imperícia. A hipótese é prevista no Artigo 37 da Constituição.
O professor de processo penal da Unisinos Lúcio de Constantino aponta a tendência do poder público em atribuir responsabilidade somente aos empresários e músicos.
– Por parte de algumas autoridades, percebo o entendimento da ausência de culpa dos órgãos públicos. Se fiscalizassem como deveriam, essa casa não estaria aberta – diz.
Os especialistas não concordam com a ideia de que uma legislação federal anti-incêndio se faz necessária, tema levantado pelo governador Tarso Genro.
– Não é falta de lei, mas de aplicação da lei – resume Oliveira.
– Ao olhar as regras de Santa Maria e dos bombeiros, percebemos exigências que seriam capazes de evitar essa tragédia – reforça Constantino.
OS TIPOS DE PUNIÇÃO
Órgãos e servidores públicos envolvidos na tragédia poderão ser responsabilizados em três esferas
- Cível – o Estado poderá ter de pagar indenizações, por dano material ou moral (devido ao sofrimento das famílias das vítimas).
- Administrativa – se a conduta do gestor ou servidor público tiver sido ilícita, mesmo por omissão ou negligência, é possível ser exonerado do cargo ou ter mandato cassado.
- Penal – tem como pena a prisão, se os envolvidos tiverem incorrido em crime.
Fonte: Fonte: professor Fábio Souza de Oliveira (UFRJ)
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