Este Blog retratará o descaso com a Defesa Civil no Brasil; a falta de políticas específicas; o sucateamento dos Corpos de Bombeiros; os salários baixos; a legislação ambiental benevolente; a negligência na fiscalização; os desvios de donativos e recursos; os saques; a corrupção; a improbidade; o crime organizado e a inoperância dos instrumentos de prevenção, controle e contenção. Resta o sofrimento das comunidades atingidas, a solidariedade consciente e o heroísmo daqueles que arriscam a vida e suportam salários miseráveis e péssimas condições de trabalho no enfrentamento das calamidades e sinistros que assolam o povo brasileiro.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

COMO SE NÃO HOUVESSE AMANHÃ

ZERO HORA 28 de janeiro de 2013 | N° 17326

DIANA LICHTENSTEIN CORSO



É fácil evocar o que pensamos em momentos de agradável intensidade: “azar, não posso deixar de viver por medo, é tão legal que podia acabar agora”. Já pensei isso. Quantas vezes nos colocamos em situações de risco ou, pelo menos, naquelas em que o bom senso não impera? Não negue, mesmo que você seja o rei da precaução, todos nós já fomos apresentados à cara do perigo. Sair à noite em nossa sociedade violenta, beber mais do que gostaríamos, estar em um lugar confinado, fazer uma aventura arriscada de carro, escaladas, voar de asa-delta, tomar banho em cachoeira, dirigir bêbado, subir no carro do amigo destemido ou alcoolizado, ficar íntimo de alguém que não se conhece, frequentar ruelas escuras. A lista é longa.

Essa leveza beirando a irresponsabilidade é coisa típica da juventude, mas também, com sorte, reencontramos esse sentimento mais adiante. Os jovens vivem momentos festivos de euforia coletiva, atravessam juntos uma noite que faz o tempo parecer infinito. A festa é nossa desde o início dos tempos e costumava ser um momento sagrado, onde os excessos e descontroles eram prescritos. Hoje celebra-se a alegria, a força vital, o direito de dançar de qualquer jeito, só pelo prazer de partilhar o ritmo com os amigos e contemporâneos.

Jovens se arriscam, mas desta vez o culpado é outro. A tragédia de Santa Maria, causada por irresponsáveis que, espero, serão descobertos e punidos, não foi culpa deles, que estavam se divertindo, nem da permissividade das famílias que não os acorrentaram em casa. Eles acorreram ao evento sem conferir se havia saídas de emergência, portas corta-fogo. Mas isso não era tarefa deles. A alegria pressupõe a confiança de que vai dar tudo certo. A felicidade é otimista, por isso muitas vezes envolve riscos, que devem ser sanados por aqueles que têm a diversão alheia como forma de trabalho. Vale para uma festa, um parque de diversões ou um programa de mergulho.

Investigações e punições são uma dívida com as vítimas. Mas as famílias e os amigos sobreviventes não terão nada devolvido com isso, já perderam o essencial: aquela mínima isenção do medo e da culpa que nos ajuda a viver. A morte, principalmente em sua face trágica e quando se perde um jovem, é a maior experiência de impotência. Nada porta o sem-sentido da vida como a inclemência do fim, principalmente o de quem teve reduzido o tempo de dizer a que veio.

Perder um filho é a pior das mortes, é um assassinato da esperança, impossível de assimilar. Cuidamos zelosamente nossos descendentes, pois seguirão nossos passos quando cessarmos. Sua morte é 1 milhão de vezes mais insuportável que a nossa, restamos sem sua transcendência. Um filho morto diminui a chance de nos tornarmos lembrança. Apesar disso, não podemos ser egoístas e guardá-lo numa redoma, esperando que viva para nos cultuar.

Sou mãe de duas jovens da idade da maior parte das vítimas da boate Kiss. Tanto quanto elas, estivemos muitas vezes em muitos lugares assim. Se meus pais tivessem me impedido, se eu proibisse minhas filhas de viver seu tempo, certamente sua segurança estaria melhor garantida. Porém, um filho cerceado em sua liberdade é alguém cujo corpo é confinado para que sua mente só se ocupe de amar aos pais. Lá fora é perigoso, porque o mundo está cheio de perversos e irresponsáveis, mas é para onde todos temos que ir.

Às pessoas queridas dessas mais de duas centenas de jovens mortos gostaria de transmitir muito mais do que a solidariedade, também a identificação. E principalmente dizer: não, vocês não poderiam ter impedido seu filho, sua irmã, sobrinho ou amigo de estar lá. Ele exerceu o direito de ser livre e feliz, você tinha o dever de respeitá-lo. Desta vez, não houve amanhã, mas se um jovem é proibido de conviver com seus pares ele também acaba privado de se conhecer, do seu futuro. A dor é inevitável, mas gostaria de aliviá-la da culpa. Correr riscos faz parte de ensinar a viver, embora, repito, essa dor seja tão imensa que certamente não estou, no momento, servindo de consolo.



PAULO SANT’ANA





 - Oremos pelos mortos

Ponhamo-nos no lugar dos familiares das vítimas da inigualável tragédia de Santa Maria.

Cria-se entre eles naturalmente um clima de revolta pelo acontecido. E é justamente em torno disso que quero me fixar.

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Um dos impulsos naturais surgidos logo após uma tragédia dessas, a maior da história gaúcha, é a do justiçamento moral dos proprietários de uma boate que só tinha uma saída física e das autoridades responsáveis por licenciar para o funcionamento aquele local fatídico.

Cumpro alertar a imprensa gaúcha e a sociedade rio-grandense para que não se exerça uma caça às bruxas pós-tragédia.

Tudo tem de ser feito como manda a lei e o bom senso: a Polícia Civil apurará prováveis responsabilidades, e a Justiça, serenamente, examinará os fatos, decidindo sobre even- tuais autorias.

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Ponho-me no lugar dos cerca de 400 pais e mães das vítimas da tragédia.

Hoje em dia, sempre que um filho sai para a diversão noturna, os pais ficam com os corações apertados de apreensão.

Esses pais das vítimas de Santa Maria foram acordados na madrugada e souberam que houve um grande incêndio na boate Kiss.

Logo a seguir, constataram que seus filhos não retornaram para casa.

A seguir, tiveram um sofrimento inenarrável, primeiro porque pressentiram que seus filhos poderiam ter morrido. Segundo, porque tiveram a tortura horrível de se dirigir até o ginásio municipal e reconhecê-los e identificá-los, carbonizados ou intoxicados.

Uma dor incomparável.

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Qualquer pessoa que morra numa tragédia ocasiona uma desolação, seja jovem, seja adulto, seja idoso.

Só que em Santa Maria morreram centenas de jovens. E gente universitária, pronta para estudar e formar-se, o futuro da nação.

Mocidade estuante, livre para estudar, formar-se e realizar a sua vida.

E, como se viu, livres também para morrer. Morrer num braseiro ou numa câmara de gás de uma boate trágica de uma cidade universitária.

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Não sei mais o que dizer. Sei que a vida implica risco de morrer a qualquer momento. Mas esse momento escolhido pelo destino para sacrificar estes jovens foi especial: era janeiro, decorriam as férias, tempo de alegria entre os pais e os filhos.

E sobreveio nesse tempo alegre e esfuziante a tragédia.

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Só resta que se tomem providências para que nunca mais isso volte a ocorrer. Que nunca mais nenhum estúpido qualquer atire sobre o palco de uma boate um sinalizador no rumo de um teto coberto de material inflamável.

Que nunca mais se permita uma boate para grande público com uma saída só, além disso, quando os jovens tentaram de início fugir por essa saída, os seguranças da boate os impediram, imaginando que eles estavam saindo para não pagar a consumação, já era madrugada e portanto a consumação seria grande.

Uma tragédia, pior até porque foi entre nós e chamou a atenção do Brasil e do mundo.

Tomara que todos os jovens gaúchos que sobreviveram a essa tragédia terrível um dia venham a chamar a atenção do Brasil e do mundo por grandes feitos deles que ainda hão de vir.

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Prontamente, com rapidez impressionante, a presidente Dilma Rousseff e o governador Tarso Genro dirigiram-se a Santa Maria e foram solidarizar-se com as vítimas fatais, os feridos e seus familiares, confortando a cidade.

Tarso Genro tinha ontem uma emoção acessória, Santa Maria é a cidade que ele adotou para viver, estudou lá e fez carreira política também.

Tarso nasceu em São Borja, mas, como milhões de gaúchos, escolheu Santa Maria como sede de seus estudos universitários.

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Cada um de nós tem algo a ver com Santa Maria, que é o centro geográfico do Estado. Eu, por exemplo, me casei há 43 anos lá em Santa Maria, na Paróquia da Medianeira, daí por que fiz muitos amigos naquela cidade. Fico ainda mais tocado.

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Os jornais e a imprensa em geral estão classificando a tragédia de ontem como a maior da história do Rio Grande do Sul.

Lembro-me de tragédias aéreas ocorridas aqui, assim como o célebre incêndio nas Lojas Renner, com muitas vítimas, na esquina das ruas Dr. Flores e Otávio Rocha, na Capital.

Os incêndios sempre estão ligados às tragédias, eles se salientam até nos terremotos. Por sinal, até a hora em que encerrava ontem esta coluna, não fiquei sabendo quantos minutos depois do incêndio chegou ao local a primeira unidade do Corpo de Bombeiros.

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