"Puna-se. Seja quem for", diz prefeito de Santa Maria. Cezar Schirmer conversou com Zero Hora sobre a tragédia na boate Kiss
Schirmer diz que está passando por momentos horríveis
Foto: Germano Rorato / Especial
Juliana Bublitz e Leandro Belles
Por cerca de duas horas, o prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (PMDB), recebeu os repórteres Juliana Bublitz e Leandro Belles para falar sobre a tragédia que que horrorizou o Rio Grande do Sul. Visivelmente abalado pelo ocorrido, ele chorou durante a conversa e se disse seguro em relação ao tratamento dado pela prefeitura ao caso. Sem querer apontar culpados, Schirmer apresentou uma série de documentos que apontaria para o Corpo de Bombeiros, a responsabilidade sobre as irregularidades encontradas na boate Kiss.
Zero Hora — O senhor está passando por um momento difícil. Como está lidando com isso?
Cezar Schirmer — A minha dor, é a dor do cidadão, do pai, do prefeito. Por que Santa Maria? É só aqui que tem boate com problema?
ZH — Como estão sendo seus dias?
Schirmer — Horríveis. Estou sem comer, não estou conseguindo dormir... (Schirmer faz uma longa pausa, baixa a cabeça, suspira e chora). Eu nunca chorei na minha vida. Tem um filho de um primo, quatro filhos de funcionários da prefeitura, que perderam a vida na tragédia. Não há ninguém que não tenha sofrido com isso.
ZH — A que o senhor atribui a tragédia? Não é uma fatalidade.
Schirmer — São uma soma de circunstâncias. Formalmente, esta questão tem de ser concluída pelo inquérito policial. Mas algumas coisas estão um pouco claras. Este sinalizador, talvez este equipamento que dizem que não funcionou (o extintor), a dificuldade na hora da saída.
ZH — Circunstâncias que poderiam ser evitadas?
Schirmer — Não sei te dizer. Não me atrevo a opinar.
ZH — Qual é a responsabilidade da prefeitura neste caso?
Schirmer — A prefeitura não tem nenhuma responsabilidade. Do ponto de vista formal. Outros procedimentos que envolvem o cumprimento da legislação, no que diz respeito à prefeitura, foram cumpridos. Isso nos traz de volta os mortos? Claro que não. Estamos vivendo uma tragédia. Nós queremos que se aprofundem as investigações. Claro que não quero, não é meu papel, atribuir a este ou àquele, se eventualmente aparecer durante as investigações. Se este ou aquele agiu inadequadamente, puna-se. Seja quem for.
ZH — O fato de o alvará de prevenção de combate ao incêndio estar vencido, desde agosto de 2012, não levaria a prefeitura a interditar o local?
Schirmer — Não. Isso não chega ao conhecimento da prefeitura, em tese. Tanto que, quando a prefeitura fez a vistoria, a gente colocou lá que o alvará venceria em breve. Isso foi uma vistoria que a prefeitura tem obrigação de fazer. Se no ano seguinte, a prefeitura voltasse lá e continuasse irregular, aí sim tem de tomar providência. Agora, se tivesse recebido uma denúncia sobre qualquer irregularidade, iria até lá.
ZH — A prefeitura fez vistoria em abril de 2012. Mas esta vistoria não atenta para estas questões: havia apenas uma saída, as janelas estavam lacradas. O fiscal que vai lá não olha para esses detalhes?
Schirmer — Quando tu dás o primeiro alvará, o grau de detalhamento é um. Depois, é para ver se não houve modificação disso ou aquilo. Se a estrutura originalmente aprovada se mantém.
ZH — Por que houve modificação na boate. Eles rebaixaram o teto. Eles colocaram aquela espuma no teto. Esta vistoria não verificou essas modificações? Foi depois da vistoria que eles mudaram?
Schirmer — Te confesso que não sei.
ZH — Então, o seu fiscal foi lá e fez um apontamento que o alvará de combate a incêndio venceria em tal data. A partir disso, vocês não fizeram uma acompanhamento para ver se isso foi regularizado?
Schirmer — Não, por que a vistoria da prefeitura é anual.
ZH — É o Corpo de Bombeiros que tem de fazer?
Schirmer — Quem tem de avaliar, investigar não é a prefeitura.
ZH — Os bombeiros dizem que não é responsabilidade deles analisar a espuma usada no teto. De quem é a responsabilidade?
Schirmer — Eu não vou te responder. Examine as leis e façam juízo.
ZH — Por que o senhor não quer dizer?
Schirmer — Porque não me cabe. Me cabe sim responder por questões que envolvem a prefeitura. O que envolvem outras responsabilidades é o inquérito que tem de tratar.
ZH — O senhor foi criticado, na mídia e nas redes sociais, por ter se calado por alguns dias. Por que o senhor não falou antes? Não revelou estes documento antes?
Schirmer — A tragédia tem proporção de catástrofe. Desde o primeiro momento, nos focamos em três tarefas: socorro aos sobreviventes, amparo às famílias e da logística, da estruturação de procedimentos que o fato exigiu. Então, a questão relevante era o pós-tragédia. Agora, em nenhum momento eu me neguei a falar. Só não falei sobre isso porque não tinha informações sobre estes documentos e nem sobre a legislação.
ZH — Então, o senhor não sabia que o alvará dos bombeiros estava vencido?
Schirmer — Obviamente que não. Não passa por mim o licenciamento de qualquer prédio. A prefeitura tem uma estrutura formal para isso.
ZH — Houve alguma falha na estrutura?
Schirmer — Quem pode detectar isso é o inquérito. Olhando os documentos, eu não identifiquei nada que possa se constituir em uma conduta equivocada.
ZH — O governador Tarso Genro disse que se havia algum problema em alguns dos itens para que o alvará fosse emitido era responsabilidade da prefeitura.
Schirmer — Eu não vi esta declaração do governador e não concordo com ela, se foi feita.
ZH — Daqui pra frente pode haver mudanças nos procedimentos da prefeitura?
Schirmer — Seria bom ter uma legislação nacional que estabelecesse requisitos mínimos para estes tipos de estabelecimentos.
ZH — E a fiscalização vai ser intensificada?
Schirmer — Nós decidimos ontem, se for este desejo da população, transformar o local em um monumento à juventude, à memória e à vida. Nós não vamos esquecer disso. Também decidi fechar por 30 dias todas as casas de espetáculo. Determinei uma vistoria em todas elas. Obviamente, antecipar, depois deste período, todas as vistorias.
ZH — O senhor tem medo que este episódio marque a sua carreira?
Schirmer — Este episódio já marcou a minha vida. Eu acho que o mais importante que a minha carreira é a minha vida. Marcou a vida de todos os moradores da cidade. Certamente nada mais será como foi.
ZH — O senhor acha que errou em algum momento?
Schirmer — Pessoalmente não me sinto responsável por qualquer questão. Agora, isso não invalida a minha dor. A dor de todas as famílias.
ZH — Em Buenos Aires, em caso semelhante, o prefeito chegou a deixar o cargo. O senhor teme o mesmo?
Schirmer — Se houver qualquer exploração política desta tragédia, a população será sábia em perceber o que está acontecendo. Da minha parte, eu vou deplorar.
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